APRESENTADOR ALI MOORE: Escritor americano e por vezes comentarista controverso, Daniel Pipes é o presidente do Middle East Forum e membro visitante da instituição Hoover da Universidade de Stanford. Ele se encontra atualmente na Austrália como convidado do Australia/Israel & Jewish Affairs Council. Acaba de chegar ao nosso estúdio em Brisbane. Daniel Pipes, bem-vindo ao Lateline.
DANIEL PIPES, COMENTARISTA SOBRE O ORIENTE MÉDIO: Obrigado.
ALI MOORE: Vamos direto aos ataques de ontem à noite em Israel. O Hamas nega participação, mas Israel já realizou ataques aéreos na Faixa de Gaza, o Hamas jurou vingança. Podemos esperar uma escalada militar potencialmente importante entre o Hamas e Israel?
DANIEL PIPES: Sem dúvida, E engloba novas complicações porque pela primeira vez em muitos anos a Península do Sinai, que está próxima a Israel, parece estar anárquica. E parece que o governo não a controla completamente. Assim sendo, esse poderá ser o primeiro de muitos ataques, talvez oriundos de Gaza, talvez do próprio Sinai, talvez perpetrados pelo Hamas, talvez por outros grupos. Posto isso, há potencial para muito mais conflitos ali.
ALI MOORE: Sem dúvida mesmo, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu disse que a soberania israelense foi abalada e que Israel irá responder de forma apropriada, o que isso significa para as relações com o Egito?
DANIEL PIPES: Bem, o Egito está agora em transição. Hosni Mubarak, que governou o país por 30 anos, foi deposto em fevereiro por outros líderes militares. E agora é outro líder militar, chamado Tantawi, que na verdade governa o país. Não sabemos muito sobre Tantawi, ele está no poder somente há meio ano, será que ele realmente quer mudanças de grande vulto em relação a Israel ou não? Tendo a duvidar. Ele não quer controlar a Península do Sinai? Acredito que queira. De modo que estou inclinado a acreditar mais em continuidade do que em mudança. Mas com certeza trata-se de uma mudança e iremos ver o quão importante ela será. Receio que isso possa dar a impressão que os egípcios não estão realmente querendo fazer o necessário para controlar o seu próprio território.
ALI MOORE: E, é claro, o Egito tem sido de crucial importância para a segurança de Israel, por quanto, três ou quatro décadas?
DANIEL PIPES: Houve um tratado de paz em 1979 entre Israel e o Egito, correto.
ALI MOORE: O que o senhor acha que irá acontecer agora?
DANIEL PIPES: Como eu disse, o Egito está em transição e nós o mundo, e os egípcios, ainda estamos tentando descobrir o que exatamente está acontecendo no Egito. Como indiquei antes, acredito que há mais continuidade do que mudança. Acho que futuramente os egípcios adotarão medidas severas, mas por enquanto poderá ser uma fonte de problemas consideráveis, fonte de operações militares. Eu não chamaria o aconteceu agora de terrorismo, foi mais uma agressão militar. Foi uma batalha campal armada, houve explosivos, foi um ataque. Trata-se de algo realmente novo, portanto estamos envergando numa nova direção.
ALI MOORE: E nós vimos claramente Israel responder na Faixa de Gaza. Mas de maneira geral, como reagir a essa situação ao longo de uma fronteira tão extensa no Deserto do Sinai? O que eu quero dizer, essencialmente, é se eles estão sendo forçados a responder às consequências ou ao rescaldo da Primavera Árabe?
DANIEL PIPES: Bem, eles estão construindo um muro de segurança, como fizeram na Cisjordânia. Ainda não está concluído, mas esse incidente os apressou a antecipar a data da sua conclusão para o final de 2012, em linhas gerais em pouco mais de um ano, a contar de agora. É um lugar selvagem, lá não há segurança real. E por anos a fio os beduínos, nômades do Sinai, cruzavam a fronteira entre Egito e Israel impunimente, contrabandeando, trazendo refugiados da África. Esse foi um incidente anunciado e agora os israelenses estão tomando medidas com o intuito de prevenir que ocorra no futuro. Contudo ainda teremos que suportar um ano de vulnerabilidade até que o muro esteja concluído.
ALI MOORE: Bem, vamos falar da Síria. O quão importante é o chamamento do presidente Obama, é claro, juntamente com os líderes do Reino Unido, França e Alemanha, para que o presidente sírio, Assad, deixe o governo?
DANIEL PIPES: Acredito que seja importante sim. Acredito que o fato dos líderes desses quatro países, além do líder da Arábia Saudita e de uma série de outros líderes árabes, terem aparecido em público e criticado o governo sírio e agora terem dado o passo importante de exigir a saída de Bashar al-Assad, dá mais esperança à população síria, mais expectativa de que possa obter ajuda do mundo exterior.
É um passo substancial. Não é exatamente o mesmo que ajudá-los diretamente com armas, dinheiro ou outros benefícios. Mas é um indício muito sério de solidariedade com a oposição na Síria. Eles não estão sozinhos.
ALI MOORE: O senhor realmente espera que eles dêem esse passo a mais, é necessário deixar claro que o presidente Assad se manteve relativamente resiliente à pressão externa e que efetivamente afirma agora que as operações da polícia e dos militares chegaram ao fim?
DANIEL PIPES: Posso imaginar, sim, que o mundo, as grandes potências, as potências ocidentais, irão oferecer ajuda à oposição síria. Por ora é um pouco complicado, visto que não há uma organização. Mas posso imaginar o envio de dinheiro, armas, talvez através do Líbano, talvez através da Turquia. Poderia ser realizado talvez, através do Iraque, talvez através da Jordânia. Não seria inconcebível diante do confronto entre a população e o governo, entra mês sai mês, se tornando cada vez pior. Sim, o presidente Bashar al-Assad afirmou que as operações tinham acabado, mas ele disse uma porção de coisas durante os últimos seis meses que provaram não ser verdade. Eu tenderia a supor que essa também não seja verdadeira.
ALI MOORE: Apesar de tudo, haveria realmente vontade, suponho eu, de envolvimento a esse ponto? Está claro que os EUA, que até agora demoraram inclusive para exigir a saída de Assad, têm sido extremamente hesitantes em se envolver prematuramente. E naturalmente todos estão cientes sobre a situação na Líbia, que tem se estendido por meses e meses, quando inicialmente se falava de semanas e semanas?
DANIEL PIPES: Sem dúvida. A situação na Líbia acabou evoluindo de forma bem diferente das expectativas. Até agora houve, vale a pena frisar, 17.000 incursões militares na Líbia. No presente momento não consigo imaginar nada disso acontecendo na Síria, mas consigo visualizar mais do que vimos até agora. E vale a pena frisar que, do ponto de vista do Ocidente, a real importância estratégica da Síria não é o que está ocorrendo na Síria propriamente dito, e sim o fato do governo sírio estar alinhado, aliado até, com o governo iraniano por 30 anos. O governo iraniano é o nosso principal problema. Se o governo sírio cair em outras mãos, se o regime de Assad for derrubado, os iranianos sofreriam um golpe considerável, o que seria a coisa mais importante, visto da nossa perspectiva. Portanto há muito em jogo na Síria nesse momento.
ALI MOORE: Dito isso, não depende totalmente do que irá acontecer, de como será o regime pós-Assad ou como será a Síria pós-Assad? Há pouco falávamos sobre os acontecimentos no Egito, que é um país em transição, como o senhor pode ter certeza do que irá acontecer na sucessão do presidente Assad?
DANIEL PIPES: Não tenho certeza alguma. Poderá ser algo mais liberal e poderá ser algo mais islamista. E acredito que parte do que eu espero que o Ocidente faça, será ajudar as forças liberais. Mas, ainda que seja islamista, acredito com alguma certeza, que haverá certa ruptura nas relações com a República Islâmica do Irã. E isso para mim é de grande importância. Assim sendo, no caso da Síria eu prefiro o mal desconhecido que o mal conhecido. Quanto à Líbia, sou mais cauteloso.
ALI MOORE: Em todo caso eu ia perguntar, de um jeito ou de outro, há também o risco de uma guerra civil sectária na Síria?
DANIEL PIPES: Realmente há. A grande pergunta é se, na Síria haverá a percepção de que o povo sírio, como um todo, se levantou contra o seu governo autocrático e brutal ou, em última análise, se trata de um confronto entre a maioria sunita e a minoria alawita que está no poder há quatro décadas. Nesse momento é uma questão em aberto e é perigosa, sem dúvida.
ALI MOORE: E quanto à Líbia, o senhor disse estar mais cauteloso?
DANIEL PIPES: Sim, quanto à Líbia estou mais cauteloso, apesar do fato de meu governo, o governo dos Estados Unidos e outros, estarem tentando se livrar de Kadafi, na realidade há meses. Não tenho tanta pressa em vê-lo partir. Não tenho nada de bom para dizer a favor de Kadafi, é um líder desprezível, maníaco, responsável por terríveis danos ao país. Mas é um líder isolado, se os islamistas tomarem o poder, aqueles que querem aplicar a lei islamista, esses sim poderão realmente, em última análise, tomar o poder em Bengasi, me preocupa se eles se conectarão ao grande movimento islamista por todo o Oriente Médio e o globo. E poderão ser ainda mais perigosos do que Kadafi. Portanto não estou tão ansioso em ver a saída de Kadafi, até que eu saiba quem está em Bengasi.
ALI MOORE: Dito isso, os acontecimentos estão se precipitando para esse final, não é mesmo?
DANIEL PIPES: Realmente. E a recente queda de Zauia e a evolução de outros acontecimentos levam a crer que poderá haver o colapso do governo Kadafi em Trípoli. A essa altura parece mais provável do que improvável. Estou apreensivo.
ALI MOORE: O senhor diz estar preocupado em relação a quem irá tomar o poder, mas como o senhor também diz, seu governo e muitos outros governos já reconheceram os rebeldes como as forças governantes legítimas na Líbia. Qual a causa da sua preocupação?
DANIEL PIPES: Bem, é algo muito estranho. Apoiamos os rebeldes, reconhecemos os rebeldes e não sabemos quem são. Não sabemos a quem estamos dando apoio. Essa não é uma política muito inteligente. Não seria melhor primeiro saber com quem se está trabalhando antes de dar-lhes apoio? Foi feito num rompante de emoção e preocupação e aqui estamos nós. De modo que acredito que tenha sido uma das iniciativas menos cautelosas por parte da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) ou das potências ocidentais.
ALI MOORE: Com quem o senhor acha que estão trabalhando?
DANIEL PIPES: Temo que em última instância são os islamistas que irão tomar o poder.
ALI MOORE: Qual a fundamentação?
DANIEL PIPES: Há muitos indícios que os islamistas têm um papel importante nas forças rebeldes, que são cautelosos no que tange mostrar a cara, mas quando alcançarem o sucesso e com a queda de Kadafi, irão aparecer como a força atrás dos rebeldes. E as caras mais amistosas serão colocadas de lado e os islamistas estarão no comando da Líbia. Não é um bom desdobramento.
Prefiro Kadafi aos islamistas. Acredito que ele esteja mais isolado e no final das contas menos perigoso do que estarão os islamistas.
ALI MOORE: Conforme dissemos, os acontecimentos estão se precipitando quanto à derrubada de Kadafi...
DANIEL PIPES: Sem dúvida,
ALI MOORE: ... embora esteja demorando muito mais do que todo mundo previa. Daniel Pipes, muito obrigado pela entrevista esta noite ao Lateline.
DANIEL PIPES: Obrigado.