Manchete no JTA: "Israel está colocando em perigo os judeus da Diáspora. Temos que admitir isso e começar a exigir mudanças."
Por mais de 75 anos, o Estado de Israel se orgulha em proteger os judeus do mundo todo, bem como seus próprios cidadãos. O atual aumento do antissemitismo, no entanto, revela um colapso desse duplo comprometimento e obriga os líderes da Diáspora a adotarem uma nova postura, assertiva, em relação aos tomadores de decisão em Jerusalém que se encontram com a atenção perplexamente desviada pela atual situação do país.
A Lei Básica do Estado Judeu estabelece o bem-estar da Diáspora como prioridade: "o Estado se esforçará em garantir o bem-estar dos integrantes do Povo Judeu e de seus cidadãos que se encontram em dificuldades e em cativeiro devido ao seu caráter judaico ou à sua cidadania." Além disso, a lei promete "preservar a herança cultural, histórica e religiosa do Povo Judeu entre os judeus da Diáspora."
Não se trata de palavras vazias. No passado, Jerusalém cumpriu frequentemente essas promessas. Algumas ações foram de pequena escala, como quando o parlamento israelense pressionou governos europeus a não proibirem a carne kasher. Outras foram maiores, política externa quando diplomatas israelenses conquistaram o direito dos judeus "em cativeiro" de emigrarem de Estados hostis, notadamente a União Soviética e a Síria. De forma mais enérgica, aviões israelenses resgataram judeus "em apuros" de países como o Iêmen, o Iraque e a Etiópia, transportando-os de avião para a segurança em Sião. Resumindo, a existência de Israel fortaleceu a Diáspora.
![]() Judeus etíopes fugiram da guerra no norte da Etiópia, e foram resgatados por Israel e estão a caminho de Sião, 10 de agosto de 2023. |
Entretanto, tudo isso mudou, à medida que os palestinos foram substituindo os países árabes como principal inimigo de Israel. Com isso, as narrativas anti-Israel ganharam muito mais força no Ocidente. Se as vociferações do tirano iraquiano Saddam Hussein tiveram mínima sedução, a modelo Bella Hadid e os músicos do Kneecap alcançam vastas multidões de admiradores, enquanto políticos que odeiam Israel ganham destaque e a grande mídia simpatiza com o rejeicionismo palestino. A campanha "Palestina Livre", os acampamentos universitários e os boicotes a Israel resultaram da percepção, ainda que equivocada, de que Israel é quem ocupa o lugar de Estado terrorista, que oprime, atormenta e faz limpeza étnica dos palestinos em sua busca de objetivos imperialistas e genocidas.
Um sintoma chocante disso foi a posição sem precedentes de um primeiro-ministro democraticamente eleito (da Espanha) que acusou outra democracia (Israel) de genocídio. Quase tão espantoso quanto isso, foi o senador judeu dos Estados Unidos (Bernie Sanders) ter feito a mesma acusação.
De mais a mais, uma pesquisa recente da Quinnipiac Poll constatou que, devido à guerra em Gaza, o apoio a Israel nos Estados Unidos entre os eleitores registrados caiu a níveis jamais vistos, chegando a ficar ligeiramente atrás do apoio aos palestinos. Mais impressionante ainda, metade da amostra, e um número idêntico de uma pesquisa Harvard-Harris, acredita que Israel cometeu genocídio. A mesma pesquisa Harvard-Harris também revela que jovens entre 18 e 24 anos apoiam o Hamas em detrimento de Israel numa proporção de 60% a 40%.
As promessas da Lei Básica murcharam à medida que o antissionismo se transformou em antissemitismo. As ações israelenses agora encontram ampla condenação nas mesmas democracias onde vivem cerca de 98% dos judeus da diáspora. Se Israel e os palestinos não estivessem constantemente nos noticiários, conclui-se que o aumento do antissemitismo não se espalharia da Nova Zelândia ao Canadá e à França. Em sua auditoria anual sobre incidentes antissemitas nos Estados Unidos, a Liga Antidifamação constatou, em 2024, pela primeira vez, que a maioria dos casos se referia explicitamente a Israel ou ao sionismo.
Por mais idênticos que sejam os resultados, os dois "ismos" provêm de fontes distintas: o antissionismo concentra-se em supostas ações negativas de Israel, o antissemitismo em supostas características negativas dos judeus. Portanto, o que pesa é o surto de sentimentos antijudaicos que resulta principalmente da hostilidade contra Israel, não contra os judeus da Diáspora. Populações silenciosas que despertam pouca ou nenhuma oposição são vistas como associadas a Israel e pagam o preço por seus supostos pecados.
Visto que os ocidentais não podem atacar Israel ou seus interesses no exterior de pronto, eles atacam principalmente alvos fáceis em seu meio, como restaurantes kasher e sinagogas, como aconteceu na Inglaterra esta semana, ou então atacam judeus individualmente, seja quando estão numa passeata a favor de Israel e dos israelenses, frequentando a faculdade, usando quipá ou viajando de ônibus. Assim, os judeus da Diáspora viraram um efeito colateral da guerra de Gaza.
É óbvio que as autoridades israelenses reconhecem o problema, mas, tendo que enfrentar uma guerra em sete frentes e reféns em Gaza, a penosa situação dos judeus da diáspora inevitavelmente se torna menos urgente para eles do que a eliminação do Hamas. De mais a mais, acirradas disputas políticas internas marginalizam ainda mais as preocupações com correligionários que estão nas democracias.
No entanto: contemplar a guerra de Israel contra o Hamas sob essa perspectiva transforma o papel dos judeus da diáspora de mero intrometido, que não corre perigo, em um parceiro que corre perigo de verdade. Portanto, o ônus recai sobre os judeus da diáspora – com o seu contingente americano, numeroso que é, juntamente com suas organizações e seus recursos – de defender seus próprios interesses. Esse processo compreende três etapas.
Primeiro, encarar a desagradável realidade de que as ações israelenses agora "garantem menos o bem-estar" da diáspora e mais a colocam em perigo. Uma recente pesquisa realizada com estudantes judeus no mundo todo constatou que 78% ocultam a sua identidade religiosa e 81% escondem seu apoio a Israel.
Segundo, rejeitar o velho ditado israelense sobre os judeus da Diáspora de manterem a boca fechada e a carteira aberta. Yitzhak Rabin longe de ser o único a defender essa atitude quando articulou memoravelmente como primeiro-ministro em 1995, admoestando os americanos que se opunham aos seus esforços para chegar a um acordo de paz com os palestinos. "Eles não têm o direito de interferir na maneira como o povo de Israel decide, de forma muito democrática, qual direção tomar em relação à guerra e à paz. Eles têm o direito de falar conosco, mas de forma alguma de agir, como americanos, contra a política do governo de Israel", ressaltou ele, acrescentando: "quem não tem filhas ou filhos que servem no exército israelense não tem o direito de interferir ou de agir em questões de guerra e paz". Ainda que essa alegação tenha sido legítima há trinta anos, ela carece de validade hoje, quando as ações de Israel colocam em perigo o bem-estar e a segurança da Diáspora.
![]() O primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin informando judeus americanos a respeito dos Acordos de Oslo. |
Terceiro, organizem-se para pressionar o governo israelense e exigir que, ao tomar decisões críticas, levem em consideração as vozes da Diáspora. Embora a Diáspora não possa aspirar a assentos formais no gabinete ou a votar literalmente sobre políticas a serem adotadas, ela pode e deve defender seus direitos. Isso significa menos deferência aos pais de "filhas ou filhos que servem no exército". O processo começa com persuasão moral, se isso falhar, evolui para táticas mais duras. "Levem em consideração o que temos a dizer, prestem atenção às nossas preocupações, ou nos distanciaremos das ações israelenses, talvez até as repudiaremos." Tal declaração com certeza atrairá a atenção em Jerusalém e colocará em foco as necessidades da Diáspora.
Daniel Pipes (DanielPipes.org, @DanielPipes) é fundador do Middle East Forum e autor de inúmeros livros, incluindo Israel Victory: How Zionists Win Acceptance and Palestinians Get Liberated (Wicked Son). © 2025 por Daniel Pipes. Todos os direitos reservados.
![]() A imagem que acompanha a publicação deste artigo pela JTA. |
Adendo de 3 de outubro de 2025: este artigo complementa um artigo anterior endereçado ao Governo de Israel: "Como Israel Virou um "Estado Leproso, e Como se Redimir."
Alguns dados adicionais que não foram incluídos no artigo acima.
- O Israel Hayom publicou um artigo intitulado "Quem tem medo do isolamento diplomático?"
- New York Times: segundo uma nova pesquisa de opinião, "quase dois anos após o início da guerra em Gaza, o apoio americano a Israel sofreu uma reversão sísmica, grande parcela dos eleitores expressam opiniões extremamente negativas sobre a gestão do conflito do governo israelense."
- Pew Research Center: as opiniões sobre o povo e o governo israelense despencaram no último ano, 59% dos americanos têm uma visão desfavorável dos líderes israelenses e 38% de opiniões negativas sobre os israelenses. Ambas representam um aumento de oito pontos percentuais em relação ao ano anterior.
- New York Times: "Democratas se afastam da AIPAC, refletindo uma mudança generalizada."
- Washington Post: "muitos judeus americanos criticam duramente as ações de Israel em Gaza, segundo pesquisa de opinião do Post."
- Times of Israel: "o voo de Netanyahu para os Estados Unidos faz um desvio prolongado, evitando a maior parte do espaço aéreo europeu."
- The Editors: "Nova Escola Particular Judaica Promete Não Celebrar o Dia da Independência de Israel."
- Jewish News Service: "Microsoft cancela acesso de unidade militar israelense devido a alegações de vigilância em massa."
- Robert Satloff: "Um Panorama do Aprofundamento do Isolamento Diplomático de Israel: Comparando as Principais Votações da Assembleia Geral da ONU, 2017-2025."