A derrubada de Mohamed Morsi no Egito me causa fascínio e preocupação.
Fascínio é fácil de explicar. O que aparenta ter sido a maior demonstração política da história, removeu os arrogantes islamistas que governaram com quase total desconsideração em relação a tudo que não fosse consolidar seu próprio poder. Islamismo, o anseio em adotar a lei islâmica medieval, o único movimento utópico radical vibrante no mundo de hoje, passou por um repúdio sem precedentes. Os egípcios mostraram um espírito estimulante.
Abdul Fatah Al-Sisi anunciando a remoção de Morsi. |
Minha preocupação é mais complexa. O registro histórico mostra que o domínio da utopia dura até começar a calamidade. Teoricamente, o fascismo e o comunismo parecem ser atraentes, somente a realidade de Hitler e Stalin desacreditou e marginalizou esses movimentos.
No caso do islamismo, esse processo já começou, em realidade, a repulsa começou acarretando muito menos destruição que os dois casos acima citados (o islamismo ainda não matou dezenas de milhões de pessoas) e com mais rapidez (anos, não décadas). As últimas semanas testemunharam três rejeições consecutivas do domínio islamista, as manifestações inspiradas no Parque Gezi que se espalharam pela Turquia, a vitória impressionante do islamista de linha menos dura nas eleições iranianas em 14 de junho e agora a maciça refutação da Irmandade Muçulmana nas praças ao longo do Rio Nilo.
A concentração das multidões dessa semana no Egito foi estrondosamente grande. |
O Egito está em frangalhos. As relações entre elementos a favor e contra a Irmandade Muçulmana já se tornaram violentas e ameaçam deteriorar-se ainda mais. Coptas e xiitas são assassinados apenas devido as suas identidades. A Península do Sinai é uma anarquia. A incompetente e gananciosa liderança militar, que governou o Egito de forma corrupta nos bastidores, entre 1952 e 2012, está de volta ao poder.
Mas os problemas mais complicados são os econômicos. Houve um declínio nas remessas de dinheiro de trabalhadores estrangeiros desde o levante na vizinha Líbia. Sabotagem nos dutos que enviam gás natural para Israel e Jordânia acabou com essa fonte de renda. Obviamente o turismo entrou em colapso. Ineficiência significa que o país produtor de hidrocarboneto não possui combustível suficiente para movimentar os tratores a todo vapor. Fábricas da era socialista produzem bens de modo medíocre.
O Egito que importa segundo estimativas 70% dos alimentos, está ficando rapidamente sem moeda forte para pagar pelo trigo, óleos comestíveis além de outras commodities. A fome está pairando no país. A menos que estrangeiros subsidiem o Egito com dezenas de bilhões de dólares em ajuda por ano, por tempo indeterminado, cenário altamente improvável, a fome perece ser inevitável. Já está acontecendo, uma em cada sete famílias pobres diminuiu o consumo de alimentos.
Adly Mansour, presidente do governo interino. |
À medida que esses desastres batem à porta, o intervalo de um ano de duração do domínio islamista de Morsi e Cia, que tanto fizeram para exacerbar esses problemas, poderão bem ser esquecidos e, seja lá quem herdar o governo, será culpado. Em outras palavras, a dor pela qual os egípcios estão passando e estão para passar, poderá ser em vão. Quem sabe, dominados pelo desespero, poderão se voltar de novo para os islamistas para tirá-los da difícil situação. Na mesma linha, o curto período de tempo em que a Irmandade Muçulmana ficou no poder, significa que outros povos muçulmanos também não se beneficiarão da terrível experiência do Egito.
Mudando de assunto, Lee Smith do Instituto Hudson especula que os novos governantes do Egito irão considerar uma curta guerra contra Israel o único meio de "reunificar o país e conseguir dinheiro da comunidade internacional, ansiosa em promover um acordo de paz", bem como "fazer o Egito voltar à respeitada condição de outrora" no Oriente Médio. Tal guerra não atingirá nenhum desses objetivos, as forças egípcias serão provavelmente esmagadas, deixando o país ainda mais pobre e fraco, mas não se pode desprezar essa possibilidade. Os líderes militares do Egito já cometeram tolices desse tipo diversas vezes contra Israel.
Em suma, minha alegria quanto a partida de Morsi mais que compensa minha preocupação que as lições desse desgoverno não serão aprendidas.