N.B.: Parte dessa entrevista apareceu no jornal turco Aydınlık, em 14 de agosto, o restante virá a seguir. Clique aqui para obtê-lo. No texto abaixo está a entrevista completa. Foram introduzidas informações para ajudar os leitores que não leem turco].
Segue a introdução no Aydınlık: Şafak Terzi entrevistou o Sr. Daniel Pipes, membro do Council on Foreign Relations (CFR), fundador e presidente do Middle East Forum. Pipes trabalha nos assuntos relacionados à política externa dos Estados Unidos, Oriente Médio e sobre a história do Islã e do islamismo. Veja o que o Boston Globe diz sobre ele, "se tivéssemos prestado atenção aos avisos do Sr. Pipes, não teria havido o 11 de setembro".
A eleição presidencial turca
Aydınlık: Em nossa entrevista anterior (em março) o senhor disse que Washington vê o primeiro ministro da Turquia Recep Tayyip Erdoğan como um problema e não como uma solução: Isso ainda está valendo?
Daniel Pipes: Somente após os acontecimentos do Parque Gezi é que o poder executivo se deu conta que Erdoğan era um problema para os Estados Unidos. Essa percepção tem aumentado desde então, principalmente por conta da posição benevolente em relação ao Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS) e a aparência nazista em relação a Israel.
Aydınlık: De que maneira Washington irá lidar com Erdoğan, já como presidente, em duas semanas?
Pipes: A menos que Erdoğan mude radicalmente o rumo, acredito que as relações continuarão a esfriar.
Aydınlık: Desde 2002 Washington e Erdoğan vinham mantendo uma parceria muito boa. O que aconteceu?
Pipes: Até as eleições de 2011, Erdoğan agia de forma cautelosa, de modo que aqueles que não o conheciam de perto tinham que saber detalhadamente de seu background islamista para entendê-lo, só assim seria possível ver quem ele realmente é.
Aydınlık: Será que Washington estaria mais animada se os candidatos rivais à presidência, Ekmeleddin Ihsanoğlu (CHP e MHP) ou Selahattin Demirtaş (HDP), tivessem vencido as eleições?
Pipes: Sem dúvida.
Aydınlık: Avaliando os resultados das eleições, o senhor acha que se trata mais de uma vitória para Erdoğan ou mais uma derrota para Ihsanoğlu e Demirtaş?
Pipes: É uma vitória para Erdoğan, não uma derrota para os outros, que segundo a lógica não poderiam ter vencido as eleições. De todo modo foi uma vitória vergonhosa, pelo fato de Erdoğan ter usado de táticas que, em português, chamamos de "ditatoriais". Refiro-me ao absurdo de seus três gols em um jogo de futebol, encarceramento de jornalistas e policiais, a cobertura tendenciosa da rede TRT, os insultos étnicos, a maneira de tratar diversos cidadãos como inimigos e assim por diante. Não foi nem de longe uma eleição honesta.
As porcentagens mostram os resultados da votação. Os números no final mostram o total de votos de cada candidato. |
Aydınlık: E as pessoas que boicotaram ou se opuseram às eleições?
Pipes: Elas têm meu apoio. A corrida se concentrava entre dois tipos de candidatos islamistas, Erdoğan e Ihsanoğlu, um pesadelo "atatürkista".
Aydınlık: Como o senhor avalia o futuro da Turquia com Erdoğan na presidência?
Pipes: De modo bem pessimista. Vejo que as divisões étnicas, políticas e religiosas irão aumentar, e ainda mais focos de tensão surgirão, péssima perspectiva para a economia por conta do aumento das taxas de juros e a diminuição, em grande escala, do investimento externo, além de uma política externa fracassada em que "zero problemas com os vizinhos" provocou muitos problemas novos, principalmente com o Irã, Iraque, Síria, Israel e Egito.
Aydınlık: O senhor acredita que Erdoğan irá criar um sistema presidencial como o dos Estados Unidos?
Pipes: Não. O sistema americano evoluiu a partir de um profundo respeito ao estado de direito e pela separação dos poderes do executivo, legislativo e judiciário. A não ser que Erdoğan surpreenda a todos, ele planeja governar como um padixá eleito que pode fazer o que bem entender, sem leis nem limites.
Aydınlık: Em nossa última entrevista, o senhor afirmou que Erdoğan não tinha a mesma força, especialmente depois do movimento Gezi, de alguns anos atrás. O senhor acredita que ele perderá ainda mais terreno ao se tornar presidente?
Pipes: A grande incógnita a essa altura é o sucessor do primeiro ministro. Se ele achar a pessoa certa, um político sério, mas que ceda aos desejos de Erdoğan no que tange a assuntos importantes e, que possa conquistar cadeiras suficientes nas próximas eleições parlamentares para criar um sistema presidencial, o novo presidente não terá sérios problemas políticos. Mas se o sucessor cometer erros ou desafiar Erdoğan, ele poderá ficar frustrado e isolado em Çankaya Köşkü (o palácio presidencial em Ancara).
Palácio presidencial em Ancara, Çankaya Köşkü. |
Aydınlık: Se o atual presidente, Abdullah Gül, tentar amealhar poder dentro do AKP, o senhor acredita que Erdoğan perderá o controle do partido e Gül virá a ser líder?
Pipes: Não tenho informações suficientes sobre o desenrolar dos acontecimentos internos no AKP para poder responder, mas Gül, que já serviu como primeiro ministro por quatro meses entre 2002 e 2003, é sem dúvida um primeiro ministro em potencial. Abordando de outra maneira, a eleição presidencial foi enfadonha, de tão previsível, mas o próximo passo, a escolha do primeiro ministro, é que vai ser interessante.
Aydınlık: Washington preferiria trabalhar com Gül ou com Erdoğan?
Pipes: Qualquer governo preferiria trabalhar com Gül em vez de Erdoğan, exceto, provavelmente a Rússia de Putin.
O conflito entre Gülen e Erdoğan
Aydınlık: Erdoğan afirmou que ele destruiria a assim chamada estrutura paralela na Turquia. E recentemente ele prendeu alguns policiais ligados a Gülen. Existe mesmo a tal estrutura paralela?
Pipes: Não gosto do termo "estrutura paralela" para descrever o movimento Hizmet de Fethullah Gülen, prefiro "conspiração Gülen," porque existe uma rede única de elementos em cooperação conjunta.
Aydınlık: O senhor acredita que Erdoğan está tentando destruir essa estrutura?
Pipes: Acredito, ele cooperou com ela até que juntos neutralizaram os militares em meados de 2011. Naquele momento começou uma guerra política que só terminará quando Erdoğan acabar com Gülen ou Gülen acabar com Erdoğan.
Aydınlık: Gülen está morando na Pensilvânia e o que se diz é que ele tem um bom relacionamento com os EUA. Washington não está interessado nas atitudes de Erdoğan contra Gülen?
Pipes: Falando na qualidade de alguém que mora na Pensilvânia e tem contato com pessoas do governo dos EUA, não tenho conhecimento desse bom relacionamento.
Fethullah Gülen mora no Golden Generation Worship and Retreat Center em Saylorsburg, Pensilvânia. |
ISIS e o terrorismo
Aydınlık: Por qual razão os EUA estão atacando uma força que está combatendo os inimigos de Washington, como Maliki no Iraque e Assad na Síria? Lembre-se de que, no início dos conflitos líbios e sírios, os EUA apoiavam alguns grupos jihadistas e de oposição.
Pipes: Primeiro, não acredito que Maliki seja visto como inimigo dos EUA, pelo menos, não por ora. Ele é visto como um político fracassado que deveria deixar o cargo de primeiro ministro. Voltando à pergunta principal: Muito embora o ISIS combata o regime de Assad, ele também luta contra outros inimigos de Assad, ele massacra os yazidis, cristãos e xiitas, ele abriu as comportas de uma barragem para inundar os inimigos e ameaça conquistar os Estados Unidos. É obviamente um inimigo dos americanos.
Aydınlık: Os EUA estão realmente conduzindo operações militares contra o ISIS?
Pipes: Estão, em pequena escala.
Aydınlık: Quais os objetivos dessas operações?
Pipes: Boa pergunta. A administração Obama não explicou os objetivos militares no Iraque. Destruir o ISIS, acabar com os massacres, aumentar o controle de Bagdá sobre todo território iraquiano? Talvez futuramente iremos saber a resposta.
Aydınlık: O ISIS está realizando ataques em toda a região, porque então Washington não o atacou antes? Por que agora?
Pipes: Ver pessoas morrendo de fome e de sede no topo de uma montanha, pela única razão de não serem muçulmanos sunitas, pressionou a administração a entrar em ação.
Aydınlık: Em uma mensagem no Twitter, o senhor declarou que grupos como o ISIS deveriam ser considerados terroristas, mas se parecem mais com estados e milícias. Isso se deve à mudança de orientação ou por conta da estratégia dos países que o apóiam?
Pipes: Por causa dos métodos que eles utilizam. Terrorismo consiste em ataques esporádicos; ao passo que o ISIS está conquistando território. Ele já domina uma área do tamanho da Grã-Bretanha. Chamar isso de terrorismo, torna o termo sem sentido.