Israel e o Hamas sofreram do início ao fim de uma guerra devastadora que durou 50 dias. Daniel Pipes, Presidente do Middle East Forum debate as causas da guerra, as opiniões das partes envolvidas e as perspectivas de cada lado, anteriores ao cessar-fogo de terça-feira à noite. Em algumas sentenças incluídas ontem, Pipes avalia o cessar-fogo.
Capa da revista semanal "Şalom", publicada em Istambul. |
Como o senhor interpreta o timing da guerra entre Israel e o Hamas?
Diversos fatores podem ter contribuído para a decisão do Hamas de iniciar o conflito sobre os quais podemos apenas especular: entre outros, o"governo de união" com o Fatah, o assassinato de três adolescentes israelenses, problemas econômicos em Gaza, a hostilidade do governo egípcio em relação ao Hamas, as vitórias do ISIS no Iraque, as conversações do P5+1 com o Irã.
O processo de paz intermediado pelos EUA foi interrompido e posteriormente arquivado. O senhor concorda com a opinião generalizada de que tanto na Palestina quanto em Israel há determinados grupos políticos que se beneficiam do status quo e preferem não estabelecer uma paz permanente por meio de acordos mútuos?
"Não conheço um único judeu israelense que queira a continuação da guerra"! Do lado árabe/muçulmano há uma cisão entre aqueles que estão dispostos a aceitar Israel como estado judeu e aqueles que estão determinados a eliminá-lo como estado judeu. Calculo que aqueles dispostos a aceitá-lo totalizam 20% da população árabe/muçulmana.
Devido ao fracasso do Fatah em evitar ataques do Hamas contra Israel, a representação política do governo Abbas da Palestina, especialmente em Gaza, tem sido considerada problemática pelas autoridades israelenses. No entanto, o anúncio da formação do governo de união também não foi bem aceito. Por que?
Os israelenses estão profundamente desconfiados de Abbas, do Fatah e da Autoridade Palestina, de modo que eles partem do princípio de que a união com o Hamas signifique que a AP esteja se acomodando ao Hamas e não o contrário. Eu penso da mesma maneira.
De que maneira a realidade demográfica de Israel ou seja, o número cada vez maior de ultrareligiosos de direita conquistando terreno político, exerça impacto na política externa?
Os haredim tendem a se concentrar em problemas diretamente relacionados a eles, dinheiro para escolas e assistência social, questões da preparação kosher, separação dos sexos, respeito ao dia do descanso (sábado) e na realidade se importam muito pouco com a política externa. Um dia isso poderá mudar, mas até lá a política externa interessa a eles principalmente no que tange ao fomento da pauta doméstica.
A tendência dos haredim é a de não impactar na política externa israelense. |
Podemos falar sobre a polarização política em Israel entre a esquerda liberal e a direita radical em relação às rotas alternativas para o processo de paz, quer dizer, a solução de dois estados/um estado/mais assentamentos?
Uma pesquisa recente mostra que, nas questões de segurança e política externa, os cidadãos judeus de Israel se agrupam da seguinte forma: 62% se consideram de direita, 22% de centro e 12% de esquerda. Essa vantagem de 5 a 1 da direita em cima da esquerda indica que, no momento, por assim dizer, não há polarização. O país concorda com o objetivo (Gaza desmilitarizada), discorda apenas quanto aos métodos.
De um lado está o direito de Israel de se defender. Do outro, a cobertura dos noticiários sobre o número crescente de mortes em Gaza mina a justificativa moral de Israel em relação à operação. Existe algum meio de superar esse dilema?
Enquanto o Hamas continuar a usar civis palestinos para proteger seus equipamentos militares (diferentemente de Israel, que faz o oposto), os civis em Gaza continuarão a sofrer baixas. Junte isso ao fato do Hamas não só ter iniciado o conflito mas também se recusado a terminá-lo (lançando repetidamente foguetes contra Israel), apontado assim, o Hamas, como o agressor.
Como o senhor interpreta as manifestações contra Israel nos EUA e na Europa? As manifestações têm como principal objetivo condenar a política de Israel ou estão também relacionadas ao aumento do antissemitismo? Ou poder-se-ia dizer que há uma mescla entre os dois.
Com o passar do tempo, as demonstrações contra Israel no Ocidente apresentam cada vez mais elementos antissemitas. Note, entretanto, a relativa ausência desse tipo de manifestações em países de maioria muçulmana, fato esse de considerável importância.
Demonstração contra Israel na cidade de Nova Iorque em 25 de julho. |
O senhor acredita ser possível alcançar um cessar-fogo de verdade em um futuro próximo? Se a resposta for positiva, existe a possibilidade da Turquia atuar como mediadora?
Quando o Hamas já não aguentar mais (ou seja, quando seus líderes acharem que o sofrimento ultrapassa os benefícios de prosseguir com a guerra), haverá um cessar-fogo..
Uma série de tentativas para se alcançar um cessar-fogo, que duraram muito pouco, foram intermediadas por diversos países, como os EUA, Egito, Catar e Turquia. Por que eles fracassaram? Esse fracasso se deve à estratégia de implementar um acordo de paz mais amplo? O problema tinha algo a ver com os intermediadores? Ou outros fatores?
Eles não obtiveram sucesso por várias razões. O governo do Qatar aparentemente estava pressionando o Hamas a não aceitar o plano egípcio. Os israelenses viam o plano turco/qatari como favorável demais ao Hamas.
Qual era o objetivo maior de Israel na Operação Barreira Protetora? A missão foi cumprida? De que maneira?
O objetivo de Israel é o de acabar com a ameaça vinda de Gaza. Isso ainda não foi alcançado, nem de forma temporária. Há muita frustração em Israel por causa disso.
Há uma tendência na região, como os casos da Síria e do Iraque demonstram, de grupos jihadistas tentarem preencher o vácuo político onde há falta de dispositivos estatais. Se Israel desmantelar o Hamas por completo, quem tomará o poder político em Gaza? O Fatah? A Jihad Islâmica? Há o risco do apoio ao Estado Islâmico criar raízes?
O próprio Hamas é um grupo jihadista, de modo que a tomada de poder já aconteceu em Gaza. Se um grupo ainda mais radical, do tipo ISIS (como por exemplo, a Jihad Islâmica Palestina) tomar o seu lugar, não haverá muita mudança. Minha solução predileta? Que o governo egípcio volte a governar Gaza, como o fez de 1949 até 1967. Ainda que o governo Sisi não esteja muito ansioso para tomar a si a responsabilidade de governar Gaza, também há a preocupação da Irmandade Muçulmana possuir lá uma base a partir da qual poderia atacar o Egito, de modo que poderia eventualmente aceitar o encargo.
O senhor gostaria de dizer algo sobre o último cessar-fogo?
O cessar-fogo que entrou em vigor hoje, 26 de agosto, lembra muito o do dia 25 de julho, que Israel aceitou e o Hamas rejeitou, indicando que esse acordo representa uma vantagem israelense. Entretanto, dado que esse é o 12º cessar-fogo em 50 dias, pode ser que não seja respeitado, especialmente se levarmos em conta que há relatos de que o governo do Qatar não quer que o Hamas pare, é ele quem paga a conta, portanto tem influência em Gaza. Em suma, boas novas, mas é necessário estar preparado para outra decepção.