No último domingo, um rapaz em Karachi, Paquistão, desejou um "Feliz Dia dos Namorados" a uma moça, em uma sala de aula de uma universidade.
Na maioria dos países, este gesto seria uma coisa inocente; mas, em Karachi, trata-se de uma atitude insultuosa. Outros estudantes se opuseram a eles, dando origem a uma pancadaria geral, que acabou por ferir os dois estudantes.
Conforme este incidente sugere, o Dia dos Namorados gera controvérisas em algumas culturas.
As autoridades religiosas da Arábia Saudita editaram um decreto dizendo que "há somente dois feriados no Islã - Eid al-Fitr e Eid al-Adha - e quaisquer outros feriados são invenções que os muçulmanos estão proibidos de comemorar" e, novamente, apela para os súditos "baniremm" o Dia dos Namorados este ano. Ao manter esta proibição, a polícia religiosa saudita vigia lojas que vendem flores e outros presentes associados a esse feriado. Chegaram ao ponto de prender mulheres que vestiam vermelho no Dia dos Namorados.
As autoridades sauditas não estão sozinhas em seu ódio contra o feriado que homengeia o santo patrono dos amantes(1). No Irã, ano passado, a polícia mandou os lojistas retirarem qualquer decoração com flores e corações, sem falar em imagens de casais se abraçando.
No Paquistão, a festa de Jamaat-e-Islami, uma organização muçulmana, apela para a proscrição total do Dia dos Namorados. Um de seus líderes considera-o um "dia vergonhoso" no qual os ocidentais "apenas satisfazem sua sede de sexo".
Na Malásia, um mufti (2) troveja contra o Dia: "Nós, muçulmanos, não precisamos de tais práticas e culturas que estejam obviamente contra os ensinamentos de nossa religião, [que são] completos, perfeitos e críveis".
Nos Estados Unidos, o Imam Jamal Said (3) da mesquita de Bridgeview (4) condena o Dia dos Namorados (e o Dia de Ação de Graças também) como um feriado não-muçulmano.
Mas não são só os muçulmanos que condenam o Dia dos Namorados. Na Índia, um líder do grupo radical hindu Shiv Sena condenou o feriado como "nada mais do que um ataque dos ocidentais contra a cultura indiana, a fim de seduzir a juventude para o comércio". Membros da Shiv Sena roubaram cartões de Dia dos Namorados de uma loja em Bombaim e os queimaram numa cerimônia. Também perturbaram casais que andavam de mãos dadas e ameaçaram bater e raspar as cabeças de quem quer que trocasse votos ou cartões de Dia dos Namorados.
Essa raiva toda é uma resposta ao aumento de popularidade desse feriado na maioria dos países muçulmanos e na Índia. Restaurantes fazem promoções, hotéis oferecem bailes, lojas vendem flores, chocolates e outros presentes. Floriculturas vendem buquês de rosas e cabeleireiros cortam os cabelos dos homens. Emissoras de TV promovem concursos de cartas de amor. Jornais publicam mensagens de amor e fornecem dicas dos melhores lugares para encontros (cafés, restaurantes, parques e táxis-riquixás). Os serviços de namoro pela Internet aumentam e as chamadas de longa distância também.
Embora seja bastante recente no Oriente Médio e no Sul da Ásia, o feriado vem se integrando aos costumes locais. "Temos celebrado o Dia dos Namorados todo ano", conta uma jovem de 23 anos de Bangladesh. "Desejamos um feliz Dia dos Namorados pelo telefone, à meia-noite. Depois, trocamos presentes".
As autoridades podem condenar o Dia dos Namorados, mas ele é atrativo para amantes jovens e adultos, que cumprem o ritual do feriado com satisfação.
Em alguns casos, particularmente no Irã, ações grotescas do governo servem para alienar a população. "Há semanas que espero o Dia dos Namorados para presentear meu namorado com algo amoroso e afetuoso", diz uma garota de 19 anos. "Essas ações repressivas apenas fortalecem meu repúdio à linha dura dos clérigos". Para outros iranianos, a proibição deixa claro o quão pouco o governo entende sua própria população. Um consumidor, comprando um cartão de rosas com coraçõezinhos para seu genro, desprezou a repressão como "um atraso cultural. Eles só ganham mais ódio e inimizade do povo".
O Dia dos Namorados é uma ocasião alegre e jovial, mas os esforços para reprimi-lo simbolizam a intenção de travar guerra contra a modernidade. Assim, a batalha cultural contra os cartões de amor sugere uma outra batalha, travada no coração do Islã. Conseguirão as autoridades abafar o que tem-se tornado conhecido como o "Dia dos Amantes"? Devem os governos muçulmanos dobrarem a vigilância, incomodando a diversão dos jovens? Ou deveriam eles ter confiança suficiente para permitir às famílias e às comunidades que mantenham o feriado dentro de limites aceitáveis?
Há ainda muita coisa pendente.
Tradução: Edward Wolff
N.T.:
(1) Em inglês, o Dia nos Namorados leva o nome de Valentine´s Day, em homenagem a São Valentino. Na maioria dos países (Estados Unidos inclusive), esse Dia é comemorado em 14 de fevereiro.
(2) Mufti: chefe religioso que resolve em última instância controvérsias civis ou religiosas.
(3) Imam: chefe de mesquita.
(4) Bridgeview: cidade do interior do Estado de Illinois, com cerca de 16 mil habitantes.