No domingo, 16 de abril, milhões de turcos foram às urnas para apoiar ou rejeitar as emendas constitucionais aprovadas em janeiro pelo parlamento turco. Um artigo de opinião publicado pela agência de notícias alemã Deutsche Welle esclarece que as emendas "cruciais" "concedem todo o poder a uma só pessoa, sem que haja praticamente nenhuma necessidade de prestação de contas", eliminando o que resta da democracia na Turquia. Virtualmente todos os observadores concordavam que se o referendo fosse aprovado, a Turquia se transformaria em um estado autoritário.
Eu (juntamente com outros especialistas) discordamos. Anos atrás o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdoğan arrogou todos os poderes que as mudanças constitucionais iriam lhe conceder. Ele já é o senhor de tudo e de todos enquanto assim o desejar, seja por meios democráticos ou pela fraudação de resultados eleitorais. Passando o referendo, ele meramente concretizará essa realidade.
Consideremos a essência do poder do Sr. Erdoğan. O obsequioso primeiro-ministro Binali Yıldırım defende incansavelmente as reformas constitucionais que irão eliminar seu próprio cargo, historicamente o mais poderoso do país. Criticar o poderoso presidente poderá jogar na cadeia até mesmo uma criança. A ligação mais tênue a uma (provável encenação) de tentativa de golpe de estado em julho passado significa na prática perder o emprego - ou coisa pior. O estado rotineiramente prende jornalistas fazendo o expediente da falsa acusação de terrorismo, somando-se a isso o fato de publicações verdadeiramente independentes serem fechadas.
Será que Erdoğan (direita) está lembrando Yıldırım de acabar com seu próprio cargo? |
Se Erdoğan não tem nenhuma necessidade de arrogar reformas constitucionais, o que equivaleria a uma trivialidade legislativa, por que então ele insiste obsessivamente em tê-las? Talvez queira uma garantia adicional para não ser levado aos tribunais por seus atos ilegais. Talvez para garantir que haja um sucessor escolhido a dedo para continuar seu programa. Talvez para massagear a sua vaidade.
Qualquer que seja a razão da compulsão de Erdoğan, ela prejudica enormemente a reputação da Turquia no cenário mundial. Quando seus assessores não foram autorizados a fazer comícios para os turcos que vivem na Alemanha para que apoiassem as reformas constitucionais, ele acusou os alemães de "empregarem medidas nazistas". Ele também comparou a Holanda a uma república de bananas depois que ministros turcos foram impedidos de discursarem em Roterdã. Este agravamento das relações já gerou um colapso na aliança militar com a Alemanha.
Implicitamente ameaçar ataques nas ruas contra europeus dificilmente contribui para a reputação internacional de Erdoğan, tampouco ajuda a recomendação de um de seus aliados mais próximos para que a Turquia desenvolva suas próprias armas nucleares. Pior do que isso, ele reiniciou uma guerra civil contra os curdos em julho de 2015, uma aposta para obter apoio de um partido nacionalista no parlamento, um passo que já teve terríveis consequências em termos de vidas humanas.
Essa insistência em fazer as coisas ao seu modo se encaixa em seu padrão. Erdoğan poderia ter obtido o livre trânsito de turcos, isentos de vistos, na Europa, mas se recusou a fazer uma mudança insignificante na definição de terrorismo no código penal da Turquia. Ele prejudica as relações com Washington ao fazer da extradição do clérigo turco Fethullah Gülen uma questão pessoal. Ele também prejudica as relações com 35 países ao instruir seus órgãos a espionarem os turcos pró-Gülen. O ex-conselheiro de Trump Michael Flynn manchou sua reputação escondendo o fato de ser agente estrangeiro representando a Turquia.
Esse narcisismo ditatorial aumenta o custo da ditadura fazendo Erdoğan cometer equívocos injustificados. Um líder outrora cauteloso e calculista, agora se presta a picuinhas que só geram inimizades. Isso afetou o crescimento econômico que alimentou a sua popularidade. Erdoğan se transformou em uma auto-paródia com seu palácio de 1.100 cômodos e sua guarda de honra ruritana (um lugar mítico romântico chamado Ruritânia).
Erdoğan recebe Mahmoud Abbas diante da guarda de honra de soldados turcomanos. |
Onde isso vai acabar? Ao que tudo indica o presidente tem dois objetivos. Primeiro, Erdoğan busca reverter as reformas ocidentalizantes de Kemal Atatürk e reinstituir o modelo islâmico do Império Otomano. Segundo, ele quer se alçar à grande e antiga posição islâmica de califa, uma perspectiva especialmente vívida desde que o Estado Islâmico ressuscitou esse ofício moribundo em 2014.
Essas duas ambições podem se fundir exatamente cem anos depois que Atatürk aboliu o califado, seja em 10 de março de 2021 (segundo o calendário islâmico), seja em 4 de março de 2024 (segundo o calendário cristão). Qualquer uma dessas datas proporciona uma oportunidade perfeita para Erdoğan desmantelar a obra do secular Atatürk e se declarar califa de todos os muçulmanos.
Ninguém dentro da Turquia tem condições de resistir, com propriedade, às enormes ambições de Erdoğan. Isso o deixa livre para continuar em sua jornada errática, causando problemas em casa e no exterior. Ou seja, a menos que um belo dia ele tropece, provavelmente em uma crise externa. Enquanto isso, turcos e milhões de outras etnias pagarão um preço cada vez mais alto pelo pretensioso jugo de Erdoğan.
Erdoğan é o senhor de tudo e de todos enquanto assim o desejar. |
O Sr. Pipes é o presidente do Middle East Forum.