O historiador e analista americano Daniel Pipes disse esperar que o projeto de lei apresentado pelo senador Ted Cruz para classificar a Irmandade Muçulmana como organização terrorista irá passar após os debates que estão em andamento na Casa Branca e no Congresso. Pipes confirmou em entrevista concedida ao Al-Watan que não há necessidade de criticar negativamente o Presidente Trump por conta de suas investidas para que a Fraternidade seja considerada uma organização terrorista, indicando que não se trata de modo algum de uma postura radical, principalmente se levarmos em conta que outros países do Oriente Médio, como os Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita, já a baniram.
- Como o sr. vê a crise na Síria?
Vejo quatro facções (o regime sírio, ISIS, outros sunitas e os curdos) todos lutando contra todos com uma exceção (o regime sírio e o ISIS). Também há potências envolvidas.
- Quais são suas expectativas?
Espero que as divisões do país sejam permanentes e eu anuo isso uma vez que a Síria unificada era terrível.
- O sr. acredita que o fato de Donald Trump ser o presidente dos Estados Unidos fará alguma diferença na guerra na Síria?
Provavelmente, porque Trump está mais focado em derrotar o ISIS.
- E isso é bom?
Năo, é um equívoco. O regime sírio é responsável por mais de 90% das mortes no país além de ser aliado de Teerã, o regime mais perigoso do Oriente Médio.
- Alguns analistas acusam o ex-presidente Obama de agravar a situação na Síria pelo apoio limitado fornecido aos rebeldes sírios. O sr. concorda?
O desempenho de Obama na Síria foi medíocre, mas poderia ter sido pior. Seria bom se ele tivesse dado mais apoio aos curdos e a certos grupos sunitas árabes.
- Como o sr. vê o posicionamento turco nessa crise, principalmente depois que o governo turco recuou em relação às duras críticas ao presidente sírio?
O presidente turco, Erdoğan, é brilhante no tocante à política interna, mas inepto quando se trata de relações exteriores (ele parece Saddam Hussein nesse quesito). A posição de Ancara na Síria enfraqueceu à medida que ele tenta ter boas relações com Moscou.
- O sr. acha que Israel está se beneficiando com a situação na Síria?
Até agora Israel não ganhou nem perdeu muito com a crise na Síria. Pensando no futuro, isso pode mudar se o regime apoiado pelo Irã controlar mais territórios, o que seria ruim para Israel.
- Quanto ao decreto de Trump, o sr. acha que irá realmente proteger os Estados Unidos?
A ideia básica de proteger os americanos dos jihadistas é uma excelente ideia. Mas a execução foi inadequada. Dos muitos equívocos, o mais grave foi julgar os imigrantes pela nacionalidade e não pelo indivíduo em si.
- Isso irá alimentar o ódio contra os americanos naqueles 7 países?
Não dá para imaginar que os cidadãos do Iraque, Irã, Líbia, Somália, Sudão, Síria e do Iêmen odeiem os Estados Unidos porque são impedidos de entrar no país. Além disso, trata-se de um decreto por tempo limitado.
- O sr. acha que Trump irá colocar a Irmandade Muçulmana na lista dos grupos terroristas?
Sim, acho que as chances são boas de que isso aconteça e eu também estou me empenhando nisso. Não se trata de maneira alguma de uma medida radical, tal medida já foi tomada em outros lugares, notadamente nos Emirados Árabes Unidos.
- Quais são as possíveis implicações dessa proibição?
Reconhecer que a organização islâmica mais importante tem no seu âmago a violência jihadista.
- A Casa Branca pediu a Israel que pare de anunciar "unilateralmente" construções na Cisjordânia que "minem" as iniciativas de Trump. O sr. acredita que o presidente dos EUA irá voltar atrás em suas promessas em relação a Israel?
A declaração à qual o sr. se refere foi modificada e tornada mais leniente, mais tarde, naquele mesmo dia. Trump é muito imprevisível. Eu não tenho a menor ideia de qual será a sua política em relação a Israel.
- E quanto à promessa dele de transferir a embaixada dos EUA para Jerusalém, será que foi apenas propaganda de campanha?
Acho que era genuína. Mas isso não significa que a transferência irá realmente ocorrer.
- O sr. poderia desenhar os cenários de melhor e pior hipóteses para o Oriente Médio?
A melhor: o povo iraniano derrubar os mulás. a pior: o regime iraniano desenvolver armas nucleares.
- O ataque terrorista contra o Louvre suscita perguntar por que o alvo é mais uma vez a França?
O tamanho da população muçulmana da França e a crença de um certo número deles de que a intimidação transformará a França em um estado islâmico explica os repetidos atos de violência jihadista.
- O sr. acha que o ISIS entrará em breve em colapso?
Acho, e estou surpreso que ele ainda exista.
- Seria o fim da onda de terrorista se o ISIS entrasse em colapso ou apareceria outro grupo terrorista?
A violência jihadista vem de muitas raízes. Se o ISIS for derrotado, seria eliminada uma fonte importante de terrorismo. Muitas outras ainda permaneceriam de pé.
O presidente do Egito, Abdel Fattah al-Sisi, cometeu equívocos. |
- Como o sr. vê a crise no Egito?
Eu me preocupo porque o presidente Sisi está cometendo muitos erros. Eu me preocupo com os suprimentos de água potável, com a fome, com a inanição. Eu também me preocupo com os islamistas voltando ao poder e permanecendo no poder.
- O sr. acredita que o país irá se recuperar em breve?
Isso seria uma grata surpresa.
- O sr. acha que Trump realmente retiraria os EUA do Oriente Médio?
Como eu disse anteriormente, eu o acho muito imprevisível para imaginar o que ele irá fazer.
- E se esse fosse o caso, quais seriam as implicações em relação às guerras em curso na região?
Uma presença americana fraca é a receita para a agressão e a guerra.
- Steve Bannon, estrategista chefe da Casa Branca, salientou que não há dúvida de que os EUA irão participar de mais uma guerra "importante" no Oriente Médio. O sr. concorda com esta afirmação?
Não, após forte envolvimento no Afeganistão e no Iraque, os americanos não estão prontos para outra guerra no Oriente Médio.
- Qual é a melhor maneira de se lidar com a situação no Iraque, especialmente depois de 14 anos da invasão americana?
O fracasso americano no Iraque é praticamente total: o ISIS controla Mossul, o regime iraniano praticamente controla o governo de Bagdá, as tensões comunais e tribais estão aumentando e a Barragem de Mossul está cada vez mais perigosa. Eu não imagino o que a nova administração em Washington possa fazer em relação a tudo isso.
Uma maneira de se entender o ISIS. |
- O sr. concorda com aqueles que acusam os EUA de serem os responsáveis pelo que está acontecendo no Oriente Médio?
Eu não concordo. Sim, a administração Obama cometeu muitos equívocos, mas eu rejeito a ideia de que os americanos tomam as decisões chave no Oriente Médio ou de que o governo dos EUA tem a obrigação de salvar os habitantes do Oriente Médio deles mesmo. Os povos do Oriente Médio são responsáveis pelo Oriente Médio.
- Qual é a melhor maneira de discernir os muçulmanos moderados dos extremistas?
Através de questionamentos detalhados, extensos e repetitivos por entrevistadores qualificados. Eu mostro em detalhes como em "Smoking Out Islamists via Extreme Vetting." Middle East Quarterly, março de 2017.
- Toda vez que acontece um ataque, a culpa cai primeiro sobre os muçulmanos e eles são chamados de "terroristas", mas quando o agressor não é muçulmano, a mídia usa outras palavras como alguém com "problemas mentais", "doentes mentais" ou qualquer outra coisa, menos "terrorista". Por que isso acontece e por que a culpa sempre cai em cima dos muçulmanos, não obstante o fato de existirem milhões de muçulmanos nos EUA e na Europa e o fato deles não estarem cometendo nenhum ato terrorista ou agressões criminosas?
Eu não concordo com esta observação. Os políticos, a imprensa, a polícia, os promotores, os professores e os sacerdotes são extremamente relutantes em se referirem ao "terrorismo" dos muçulmanos e até evitam mencionar o termo agressores muçulmanos. Por exemplo, quando um jihadista egípcio atacou os soldados no Museu do Louvre em Paris e foi baleado por eles no início de fevereiro, o New York Times contou sua versão sob a manchete "Museu do Louvre Evacuado Após um Soldado Francês Abrir Fogo."