Entrevistador Seymour Mammadov
As derrotas do ISIS no Iraque e na Síria colocaram mais lenha na fogueira na torrente de especulações quanto ao destino dos "fragmentos" resultantes do colapso do califado. Em junho o Centro Antiterrorista (CIS - Sistema de Informações Computadorizado) assinalou que "um novo modelo de atividade tanto extremista quanto terrorista está sendo exportado para os países da Ásia Central a partir das regiões das operações no Oriente Médio." Isso confirma as sombrias previsões no tocante à incursão do ISIS na Ásia Central. Mas será que o ISIS é hoje realmente a tormenta mais importante daquela região?
O consagrado historiador americano, especialista em Islã e no Oriente Médio, Daniel Pipes, em entrevista concedida ao Eurasia Expert, elucidou a razão do ISIS se encaminhar para a Ásia Central, qual é a verdadeira ameaça, quais países jihadistas tomarão o controle no futuro e as causas da escalada islamista global.
Por que o Oriente Médio é tão instável? Existe esperança de que haja alguma melhora?
A instabilidade no Oriente Médio resulta da transição, particularmente complicada, da região para a modernidade. Isso pode ser explicado devido a dois problemas centrais: tensões históricas muçulmano/cristãs que remontam às origens do Islã e as diferenças agudas entre os costumes modernos e os islâmicos nos níveis público e privado. Levando tudo isso em conta, as relações muçulmano/cristãs são provavelmente as mais tensas entre dois gigantescos contingentes humanos no mundo.
Com efeito, há sim esperança de melhora, pelo simples fato dos problemas de hoje não necessariamente serem os de amanhã. O Islã pode ser modernizado. Será um processo longo e espinhoso, mas estou otimista que poderá e que irá ocorrer. Eu vejo o atual espasmo do islamismo como um período sombrio antes dos muçulmanos emergirem para a luz, algo comparável às guerras cristãs em relação à religião que assolavam a Europa entre 1524 e 1648.
A Batalha da Montanha Branca na Boêmia (1620), batalha decisiva nas guerras religiosas da Europa. |
A Síria ou seus vizinhos serão governados por terroristas?
Para mim, a palavra terrorista perdeu o sentido. É o termo que todos usam para designar seus inimigos. Deixe-me trocar o termo para jihadista.
Os jihadistas têm um grande futuro no Líbano, na Síria e no Iraque e têm condições de controlar esses países. Os outros vizinhos - Turquia, Jordânia, Israel - podem se proteger da anarquia, embora não de determinados ataques.
Na esteira do encontro entre Putin e Trump em que ambos manifestaram disposição em combater o ISIS na Síria, o senhor considera provável que ambas as forças cooperem contra o grupo terrorista?
Qualquer analista sério reconhece que o verdadeiro imbróglio na Síria é a crescente presença iraniana e a resistência dos países sunitas a ela. O ISIS é um problema secundário. Embora Moscou esteja, essencialmente, apoiando Teerã e Washington os estados sunitas, as divergências impedirão mais do que ocasionalmente a cooperação tática. Torço para que o governo Trump apoie os curdos e outros que estejam resistindo à dominação iraniana.
Putin (esquerda) e Trump. |
Depois de ajudar o exército iraquiano a retomar Mossul do ISIS, o governo dos EUA também ajudará a retomar dele as cidades sírias?
Devido à invasão do Iraque ocorrida em 2003, os americanos sentem que têm uma responsabilidade especial para com o Iraque, Mas nada semelhante em relação à Síria. Além disso, a presença de forças turcas e de Unidades de Proteção Popular (YPG - organização armada curda da região do Curdistão sírio) complica ainda mais os problemas na Síria. De modo que imagino que haverá um envolvimento menor dos EUA na Síria do que no Iraque.
É factível que o ISIS tenha condições de exportar instabilidade da Síria/Iraque para a Ásia Central?
O ISIS tem um histórico de fazer muita coisa rápido demais, amealhando muitos inimigos, pagando um alto preço por esses erros. Supondo que não tenha aprendido a lição de fazer alianças e limitar suas ambições, provavelmente tentará atingir a Ásia Central. Duvido que tenha sucesso, visto que a sedução do califado foi quebrada e também pelo fato de outros concorrentes islâmicos estarem melhor posicionados naquela região.
Qual é o perigo do ISIS desestabilizar o Afeganistão?
Repetindo, vejo que o ISIS perdeu tempo demais, dispõe de poucos recursos e com seus dias de glória no passado. Duvido que vá longe.
O ISIS representa uma séria ameaça para o sul do Cáucaso - Azerbaijão, Geórgia e Armênia?
O ISIS apresenta a ameaça da violência jihadista, assim como em outros países de minoria muçulmana. Não consegue tomar o controle como tem feito em regiões da Líbia, Síria e Iraque.
Quais são os objetivos do Talibã no Tadjiquistão, Uzbequistão e Turcomenistão? Existe alguma chance dele capturar esses territórios?
O Talibã enfrenta muitos desafios em seus quartéis-generais no Afeganistão e Paquistão para alocar recursos suficientes àquelas ex-repúblicas soviéticas.
As estimativas indicam que de 5 a 7 mil indivíduos da Rússia e do resto da Comunidade dos Estados Independentes (CEI) estão combatendo nas fileiras do ISIS. Putin assinalou que "de modo algum podemos permitir que eles apliquem a experiência adquirida na Síria em nosso país". Esses combatentes da CIS, de fato, representam uma ameaça para a Rússia?
Supondo-se que as autoridades russas estejam alertas no tocante aos ex-combatentes do ISIS, estimo que a ameaça seja limitada a atos ocasionais de violência jihadista, não mais do que isso.
Pressupondo que o Califa Ibrahim esteja morto, qual é o futuro do califado?
Outras figuras islâmicas provavelmente estarão tentadas a ocupar a posição de líder da Umma. O presidente da Turquia, Erdoğan e o Príncipe Herdeiro da Arábia Saudita, Mohammad bin Salman, destacam-se do lado sunita. Khamene'i ou seu sucessor do Irã podem estar seduzidos por uma vertente xiita.
Como impedir a radicalização de jovens muçulmanos? O que fazer após a radicalização desses jovens?
É necessário apresentar uma narrativa sedutora, não radical do Islã. É uma tarefa pesadíssima que levará tempo. Não há atalhos, não há soluções milagrosas.
Os inúmeros e criativos esforços para desradicalizar mostraram ser inadequados. O melhor que tenho a oferecer é pressão social, juntamente com a promoção de interpretações moderadas e modernas do Islã.
O que impulsiona o conflito sunita/xiita? O que poderia reduzi-lo?
Trata-se de um conflito antigo que praticamente havia desaparecido nos tempos modernos, até que a revolução iraniana de 1978-1979 o revitalizou. Khomeini esperava atrair os sunitas assim como os xiitas, mas acontecimentos como a guerra Irã/Iraque limitaram o apelo aos sunitas, transformando o Irã em um estado com uma política externa altamente sectária. Imagino que o colapso da República Islâmica do Irã reduziria substancialmente o conflito sunita/xiita.
O ISIS explodindo a mesquita Shi'i Al-Qubba Husseiniya em Mossul, no Iraque, em 2014. |