A "primavera árabe" desestabilizou toda a região do Mediterrâneo, criando a crise dos migrantes ilegais na Europa?
Daniel Pipes: As revoltas árabes que começaram no final de 2010 exacerbaram os problemas já existentes na região do Mediterrâneo: miséria, repressão, instabilidade e violência. O problema mais importante diz respeito à dificuldade que os muçulmanos enfrentam com a modernidade criada na Europa.
Que medidas devem ser tomadas para estabilizar o Mediterrâneo?
Daniel Pipes: A estabilização da região do Mediterrâneo exige que os muçulmanos assimilem a modernidade em sua totalidade. Trata-se obviamente de um gigantesco empreendimento que durará anos a fio. Se os povos ocidentais defendessem seus valores já seria um bom começo.
Acabar com a migração ilegal em massa?
Daniel Pipes: Essa é a parte fácil. Ela exige apenas uma iniciativa europeia que seja determinada a impedir qualquer imigração ilegal, seja pela travessia do rio Evros para Tychero, do Mar Mediterrâneo para Pantelleria ou pela infiltração através das cercas de arame farpado para Ceuta (Grécia, Itália e Espanha respectivamente). É alucinante e bizarro que os governos europeus, com todas os recursos de que dispõem, ainda não tenham dado esse passo.
Legionários espanhóis patrulhando as cercas de arame farpado que separam o Marrocos do enclave espanhol de Ceuta. |
Os países da Europa Oriental estão formando novas alianças. Veja o Grupo Visegrád (4 países), o Grupo Visegrád Plus (5 países) e a Iniciativa Three Seas (12 países). Qual a importância desses grupos?
Daniel Pipes: Os países da Europa Oriental são menores, mais pobres e incipientes no tocante à democracia, por isso tendem a ser ignorados se comparados à Alemanha, Grã-Bretanha, França e Itália. Portanto, a união em blocos regionais amplifica sua articulação e influência, o que eu vejo como uma evolução positiva dado que os orientais tendem a ser mais perspicazes do que os ocidentais.
O novo governo da Áustria é visto de forma muito negativa na Europa e em Israel, apesar do líder do Partido da Liberdade da Áustria (Freiheitliche Partei Österreichs, FPÖ), Hans-Christian Strache, ter afirmado ser amigo de Israel, chegando a defender a mudança da embaixada austríaca para Jerusalém. Pense nisso.
Daniel Pipes: Sou otimista em relação à maioria dos partidos anti-imigração como o FPÖ, acredito que se moderarão com o passar do tempo, afastando os elementos desvairados e excêntricos, ampliando a experiência. O FPÖ está na vanguarda desta evolução, sendo o primeiro partido anti-imigração a fazer parte de uma coalizão focada tanto no controle da imigração quanto na integração de imigrantes. Como ele irá se sair traz, potencialmente, extensas implicações a outros partidos dessa natureza.
Hans-Christian Strache (esquerda) em visita ao Yad Vashem, memorial do Holocausto em Jerusalém em 2016. |
O que o senhor acha das iniciativas do príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammad Bin Salman, para a realização de reformas?
Daniel Pipes: Eu sou fã dele. No espírito da era Meiji no Japão e das reformas turcas de Atatürk, Mohammad bin Salman (MbS) espera colocar em prática uma reforma de cima para baixo, em grande escala, na vida dos sauditas, abrangendo a política externa, religiosa, social e econômica. É um empreendimento extremamente ambicioso que pode, sem dúvida, dar com os burros n'água, mas para o bem dos sauditas e não sauditas, faço votos que seu governo seja longo e próspero.
A imprensa europeia não vê com bons olhos essas iniciativas, fala negativamente delas como sendo "autoritárias". Como o senhor avalia isso?
Daniel Pipes: Claro que ele é autoritário. Há outra maneira de um príncipe herdeiro fazer as coisas acontecerem? A questão é saber se as iniciativas são construtivas ou destrutivas e, ao que tudo indica, elas são construtivas.
Erdoğan vem criticando MbS por ele defender um "Islã moderado", assumindo a liderança na condenação do reconhecimento de Trump de Jerusalém como a capital de Israel e dá a entender que ele aspira se tornar líder de uma aliança com o Qatar e o Sudão. Onde o senhor acredita que isso vai dar?
Daniel Pipes: Os estados turco e iraniano têm sido eternos rivais por mais de quatrocentos anos. Hoje isso significa que Erdoğan está emulando a ameaça islamista de Khamenei na região, em especial contra os árabes e Israel. A Turquia desfruta de uma base econômica mais sólida, Erdoğan goza de maior popularidade do que Khamenei, de modo que se trata de uma ameaça gravíssima para a região.
Será que Erdogan e Khamenei conseguirão liderar o mundo árabe?
Daniel Pipes: É impressionante como os encrenqueiros árabes de outrora: Egito, Síria e Iraque estão quietos, enquanto os outrora sólidos aliados do Ocidente: Turquia e Irã viraram agentes obstrutivos e revolucionários. A título de exemplo, observe as reações ao reconhecimento de Trump de Jerusalém como capital de Israel. Neste ponto, Khamenei predomina em quatro capitais de língua árabe (Bagdá, Damasco, Beirute e Sanaa), Erdoğan em nenhuma. Imagino que o estado turco esteja se recuperando, embora os resultados positivos viriam com maior facilidade nos Bálcãs do que nos países árabes.
Erdoğan da Turquia (esquerda) e Khamenei do Irã continuam se encontrando e continuam competindo. |
O senhor se opõe à participação da Turquia no desenvolvimento de projetos de gás no Mediterrâneo Oriental, na mesma linha, qual a sua avaliação sobre o recente acordo entre Israel, Chipre e a Grécia para a construção de um gasoduto submarino para transportar gás para a Europa?
Daniel Pipes: Eu apoiei o acordo assim que ele foi noticiado, disse que era "excelente" porque o gasoduto não passará pela Turquia, reduzirá a dependência europeia da Rússia e fortalecerá as economias cipriota e israelense.
Somos informados que Trump está fazendo tudo errado tanto na política externa como na política interna e que os americanos não veem a hora da volta de um presidente democrata. É isso mesmo?
Daniel Pipes: Em parte sim. Trump não está fazendo tudo errado, mas a conjunção da sua personalidade e seus erros tornam-no muito impopular. As últimas pesquisas mostram que sua popularidade entre os americanos é de apenas 40%. Isso provavelmente levará a uma esmagadora vitória democrata em novembro de 2018. Difícil imaginar que Trump será reeleito em 2020. No entanto eu não imaginava que ele seria eleito em 2016, de modo que o meu histórico de previsões em relação a Trump não é dos melhores.