Versão do inglês para o português de um artigo publicado originalmente em italiano como "Con sguardo lucido e disincantato." A entrevista foi conduzida por Niram Ferretti.
Pergunta: parece que o governo Trump está seguindo a lógica do Projeto de Vitória de Israel do MEF (Middle East Forum) lançado em janeiro de 2017: reconheceu Jerusalém como a capital de Israel, fechou o escritório da OLP em Washington e cortou os fundos destinados à UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina) e outras entidades palestinas. Dito isso, seu ceticismo inicial no tocante à atitude do presidente Trump em relação ao conflito palestino-israelense mudou?
Resposta: eu continuo cético. No meu estendimento o objetivo maior de Trump no Oriente Médio é enfraquecer o regime iraniano. De olho nesse objetivo, ele premiou os sauditas com a venda de armas e os israelenses com a mudança da embaixada para Jerusalém. As medidas tomadas contra a Autoridade Palestina tem o intuito de pressioná-la para que ela sente na mesa de negociações e receba o que eu calculo ser uma premiação, a saber, o reconhecimento da Palestina e Jerusalém como sua capital. Se eu estiver certo, a casa vai cair.
P: o que o senhor está dizendo é que ele estará disposto a dar Jerusalém Oriental de mão beijada aos palestinos?
R: não existe nenhuma entidade legal chamada "Jerusalém Oriental". A administração Trump teve o cuidado de não especificar a região geográfica de Jerusalém que reconhece como a capital de Israel, deixando em aberto a possibilidade de reconhecer certos setores como a capital da assim chamada Palestina.
P: isso não vai de encontro à declaração de Trump sobre Jerusalém como sendo a capital de Israel e a questão em relação a Jerusalém que segundo ele "já era"?
R: eu entendo o uso repetido desta frase por Trump querendo dizer que a longa celeuma sobre a localização da embaixada dos EUA em Israel está encerrada. Mas isso ainda deixa em aberto a suposta capital dos palestinos. Observe que os russos deram um passo em 6 de abril de 2017, ignorado pela maioria, anunciando: "reconhecemos o status de Jerusalém Oriental como a capital do futuro Estado palestino" e "vemos Jerusalém Ocidental como a capital de Israel". O governo dos EUA poderia fazer o mesmo.
Declaração sobre Jerusalém pelo Ministério das Relações Exteriores da Federação Russa. |
P: o L'Informale acha que essas mudanças derrubaram antigos paradigmas, mudando o cenário do conflito árabe-israelense, dando a Israel a sua melhor oportunidade. O senhor concorda com isso?
R: veremos. Quando os palestinos sentarem à mesa, as coisas não irão parecer um mar de rosas para Israel.
P: o que o senhor gostaria que constasse no plano da Casa Branca para a paz entre palestinos e israelenses?
R: prefiro que não haja nenhum plano, prefiro que o governo dos EUA incentive os israelenses a vencerem a guerra com os palestinos. Isso significa convencer os palestinos de que eles não têm condições de atingirem a sua meta de eliminar o estado judeu, de que eles perderam e que devem construir sua própria política, economia, sociedade e cultura. Isso é o que chamamos de Vitória de Israel.
P: o senhor concorda com o ponto de vista de John Bolton adiantado em 2009, segundo o qual o paradigma de dois estados é uma solução do tipo "beco sem saída"?
R: concordo, interessante o senhor me perguntar isso. Ele fez essa declaração em 5 de janeiro de 2009. A minha declaração, bem parecida com a dele, apareceu em 7 de janeiro de 2009.
P: Peter Mulrean, diretor do Escritório de Representação da UNRWA em Nova Iorque reagiu ao término da ajuda financeira da administração Trump à UNRWA da seguinte maneira: "parece haver um grande mal-entendido com respeito ao que a UNRWA faz em termos de passar status de refugiado às gerações seguintes e o que o UNHCR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) faz. Porque o UNHCR faz exatamente a mesma coisa. Há refugiados afegãos, incluindo filhos e netos que receberam status de refugiados. " Qual seria a sua resposta?
UNHCR ≠ UNRWA. |
R: Mulrean está de brincadeira.
(1) Em casos excepcionais, sim, o UNHCR permite o status para a segunda ou terceira geração. Mas são casos extraordinários e não passam da terceira geração, já no caso dos palestinos, é rotina e vai até a enésima geração.
(2) A UNRWA também aceita outras exceções importantíssimas que o UNHCR desconhece: um palestino pode adquirir uma nacionalidade e continuar sendo refugiado, um palestino pode viver na "Palestina" e continuar sendo refugiado.
(3) O UNHCR tem o objetivo claro de assentar os refugiados e reduzir seu contingente. A UNRWA tem o bizarro objetivo de manter os refugiados nesse estado lamentável e aumentar seu contingente.
P: o bloco de países árabes sunitas liderado pela Arábia Saudita tem em comum com Israel o interesse em conter e pôr fim à ameaça iraniana. Essa aliança é meramente de conveniência ou tem implicações de longo prazo?
R: nem uma coisa nem outra, seria algo intermediário: a aliança existe devido a uma ameaça comum, mas à medida que ela continua e se aprofunda, assume um significado mais amplo. Dito isso, até que a questão palestina seja resolvida, as relações com Israel permanecerão frágeis e limitadas.
P: Sohrab Ahmari salientou na revista Commentary, referindo-se ao caso Jamal Khashoggi: "temos que atentar que uma ordem ruim ainda é melhor que a desordem, que uma amizade amarga ainda é melhor do que inimizade e falta de amigos e, que nenhum democrata jeffersoniano está à espreita entre os sauditas". O senhor concorda?
Os atentados de 11 de setembro tiveram menos importância para os americanos (governo) do que o caso Jamal Khashoggi?
R: sim. Dois detalhes:
(1) O assassinato de Khashoggi é um procedimento padrão na Arábia Saudita, só que ele era um jornalista que morava em Washington, assim a imprensa fez o maior escarcéu.
(2) Se o 11 de setembro com 3 mil americanos mortos, mal abalou as relações dos EUA com a Arábia Saudita, acho difícil imaginar que o assassinato de apenas um de seus súditos, um fervoroso islamista, afetará muito o relacionamento.
P: o senhor sugere que a Arábia Saudita foi de alguma maneira responsável pelo 11 de setembro.
R: isso mesmo. A administração George W. Bush fez o possível para ocultar o fato, mas a maioria dos fatos acabou emergindo, principalmente depois da divulgação parcial das famosas "28 páginas" em 2016, que encontrou "evidências incontestáveis segundos as quais houve suporte para esses terroristas vindo de dentro do governo saudita." Nas palavras do analista Simon Henderson, "o dinheiro dos cofres do governo saudita acabou nos bolsos dos perpetradores".
P: as relações entre Moscou e Jerusalém despencaram abruptamente depois que os sírios derrubaram um avião russo na Síria. Estamos prestes a presenciar uma crise de grandes proporções ou prevalecerá o pragmatismo?
R: prevalecerá o pragmatismo, os russos sabem que estão mentindo sobre a responsabilidade de Israel, eles precisam que as forças israelenses contenham os iranianos na Síria e eles não querem nem precisam da inimizade israelense.
P: o senhor prevê o colapso do regime iraniano num futuro próximo, dada a renovada hostilidade americana?
R: ele acabará colapsando, mas eu não posso dizer quando nem a dimensão do papel que as sanções americanas irão desempenhar. Ninguém previu as manifestações na Tunísia em dezembro de 2010 e eu duvido que alguém tenha condições de prever quando alguma padaria sem mantimentos ou posto de gasolina sem combustível desencadearão distúrbios que implodirão a República Islâmica do Irã.
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