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Professor Daniel Pipes, obrigado pela entrevista. O senhor foi pego de surpresa com a notícia da execução do General Qasem Soleimani pelas forças americanas?
Sim, de verdade. Ela é totalmente inconsistente com a política de Donald Trump. Pelo andar da carruagem, no tocante à política externa americana na era Trump, é bom estarmos preparados para surpresas. Não é possível saber o que nos espera.
Como o senhor vê o assassinato de alguém considerado por muitos no Ocidente como um dos piores terroristas do planeta, mas de maneira bastante lisonjeira e positiva pelo governo iraniano e seus simpatizantes?
Algo me diz que não se trata de um acontecimento tão importante quanto a maioria das pessoas acredita. Em primeiro lugar, Soleimani era apenas um executor, não um tomador de decisão, ele executava as instruções, não as elaborava. Ele era, sem a menor sombra de dúvida, muito competente, mas executores não são tão difíceis de achar. Além disso, já houve casos em que o executor foi eliminado e logo depois substituído por outro, tão eficiente quanto ou até mais. De modo que eu não acredito que o assassinato tenha enormes consequências quanto ao poder de fogo dos iranianos.
Isso levanta duas questões: o que farão os iranianos e os americanos?
Os iranianos reagirão de forma indireta contra os Estados Unidos, talvez por meio de ataques cibernéticos e ataques não cinéticos, não violentos. Acho que há a possibilidade deles atacarem interesses de Israel e de judeus, mas não americanos, eles não querem confrontar Donald Trump.
E a resposta dos Estados Unidos? Conforme eu disse na minha primeira resposta, não faço a menor ideia. Seria o começo de uma gigantesca guinada política em relação ao Irã? Ou é algo isolado sem consequências significativas para o futuro? Ninguém sabe. Donald Trump é imprevisível.
De modo que, em termos gerais eu acredito que o assassinato não é tão importante assim. Ele não irá afetar sobremaneira o poder de fogo dos iranianos. Os iranianos e os americanos não irão à guerra. Algo me diz que não haverá nenhuma mudança significativa na política externa dos Estados Unidos.
Muito se tem falado sobre o porquê do Presidente Donald Trump ter agido daquela maneira, o que se tem ouvido com frequência é que o que mexeu com o presidente foi o ataque contra a embaixada americana em Bagdá e as pichações e vandalismo nas guaritas da embaixada com os dizeres "Soleimani é meu líder." Isso trouxe de volta à memória muita coisa ruim sobre os acontecimentos de 1979 e em relação a Teerã.
"Soleimani é meu comandante" diz a pichação abaixo da janela quebrada da embaixada americana em Bagdá no finalzinho de 2019. |
Pode ser. Também pode ter sido o café da manhã. Não sei, como eu já disse, Donald Trump é imprevisível. Veja, de uns meses para cá ele abriu a porta para que as forças turcas marchassem Síria adentro e atacassem nossos aliados curdos. Ele também não respondeu a dois ataques iranianos contra importantes instalações petrolíferas sauditas, e agora isso. Não entendo Donald Trump. E na realidade, pelo que eu li, seus assessores foram pegos de calças curtas. De modo que é melhor mesmo aceitar que ele é imprevisível e pronto. A propósito, isso tem lá suas vantagens, como caubói, manter seus adversários com os nervos à flor da pele. Contudo, também há suas desvantagens: os adversários não sabem o que fazer para evitar problemas, os aliados estão no mato sem cachorro e assim por diante.
Estrategicamente falando, qual a sua opinião em relação à atitude do presidente, levando-se em conta que lhe foi dito inúmeras vezes que Barack Obama e George W. Bush tiveram oportunidades de eliminar Soleimani e preferiram deixar quieto, talvez porque temiam pelas potenciais consequências. De modo que, em termos estratégicos, faz algum sentido eliminá-lo?
Faz sentido visto de um ângulo estratégico se não parar por aí. Se for algo isolado, não faz muita diferença. Contudo, se houver uma sequência, significará que após 40 anos da República Islâmica do Irã, o governo dos EUA finalmente resolveu responder à agressão, não apenas na esfera econômica, mas também militar: à fabricação de armas nucleares, à jihad, à sua tomada, até certo ponto, de quatro países: Iêmen, Líbano, Síria e Iraque, e à agressão ideológica. Se a ação significa uma mudança dessa magnitude, então sim, é da mais alta importância. Entretanto, se for um caso isolado de assassinato de um agente, aí não, não é muito significativo.
Então, no curto prazo e talvez no médio prazo, qual é o potencial impacto no Oriente Médio?
Bem, conforme já havia apontado, os iranianos vão descontar em Israel e em interesses judaicos, provavelmente também nos sauditas. Mas não nos americanos... a não ser de forma indireta, na Internet. Também poderá haver um aumento da violência no Oriente Médio, mas, de qualquer maneira, já há tanta que não poderá aumentar sobremaneira. Os iranianos estão em pé de guerra em quatro países. Por exemplo: no Iraque, Soleimani supervisionava a violenta repressão aos dissidentes, imagino que essa repressão irá continuar.
Quanto à situação interna no Irã? Ouvimos muito sobre manifestações de protesto, pessoas insatisfeitíssimas com suas vidas, a realidade do custo de vida, gente tentando sobreviver, manifestantes desarmados alvejados pelas forças de segurança. O senhor acredita que isso irá mudar a dinâmica interna no Irã?
Boa pergunta. A esmagadora maioria dos iranianos não gosta do regime e, vez ou outra, como aconteceu em 2009, em 2017 e de uns meses para cá, expressou sua insatisfação. O regime é forte, sabe como lidar com a dissidência e a tem reprimido. Eu imagino que a grande maioria dos iranianos não está amargurada pelo fato de um importante agente do regime ter sido eliminado. Mas também imagino que há os que cerraram fileiras em torno da bandeira, que as pessoas não gostam de ver um compatriota ser executado daquele jeito. Não sei qual será a resposta dos iranianos, ainda não há relatos de lá, isso levará algum tempo. Todavia, provavelmente, o assassinato irá incentivar os iranianos descontentes com o regime opressor e totalitário a se levantarem contra ele.
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