(Título no W.T.: "teorias da conspiração aparecem de forma insensata em tempos da crise do coronavírus em Wuhan"]
De repente, pessoas respeitadas jogam a culpa do surto do vírus COVID-19 não nas costas da China Comunista, mas nos Estados Unidos, Reino Unido e Israel. Essa artimanha se enquadra num pernicioso padrão medieval que precisa ser levado a sério e refutado.
O padrão remonta a mais ou menos o ano 1.100 d.C e às Cruzadas na Europa. Desde então, pessoas desnorteadas, na esperança de compreender os acontecimentos malignos e inesperados, contam com a permanente opção de, como num passe de mágica, encontrar a resposta na conspiração mundial. Nesta investida, eles avassaladoramente culpam apenas dois supostos conspiradores: membros das sociedade secretas do Ocidente ou os judeus.
"Massacre de judeus de Metz durante a Primeira Cruzada" em 1096, por Auguste Migette (1802/1884). |
Cavaleiros templários, membros da Maçonaria, jesuítas, Illuminatis, jacobinos e a Comissão Trilateral são exemplos de sociedades secretas. Os judeus são, segundo um pressuposto, regidos por alguma entidade das trevas, os "Anciões," que os mantém na linha por meio de organizações de fachada como os Sanhedrin, a Alliance Israélite Universelle e o American Israel Public Affairs Committee.
Princesa Diana. |
Em tempos modernos, os teóricos da conspiração incluíram países às organizações: as sociedades secretas deram origem ao Reino Unido e aos Estados Unidos, os judeus anciões viraram Israel. Invariavelmente, os três países são culpados por surpresas estarrecedoras como o assassinato de JFK, a morte da Princesa Diana, o 11 de setembro e a Grande Depressão.
E o mesmo acontece com o COVID-19. Não há o que discutir, o vírus apareceu pela primeira vez na cidade chinesa de Wuhan, quem sabe numa "feira livre" com animais vivos para consumo humano, talvez no Instituto de Virologia de Wuhan ou talvez uma mistura dos dois (animais infectados vendidos como alimento na feira). O fato do Partido Comunista da China (CPC) não ter medido esforços para acobertar a existência do vírus facilitou sua disseminação e na sequência a ocultação da sua origem.
Mas o que aconteceu depois é de conhecimento de praticamente qualquer ser consciente vivo hoje: o vírus se espalhou de Wuhan para outras partes da China e de lá para o mundo. Qualquer um que esteja lendo este artigo está vivenciando e experimentando esta história recente, nenhum mistério rodeia a singular responsabilidade do CPC pela pandemia. Vírus de Wuhan não é uma calúnia racista e sim uma descrição precisa.
Jogar a culpa nos britânicos, americanos e judeus implica em ignorar os outros 94% da humanidade: as grandes potências do continente europeu (França, Alemanha e Rússia), os movimentos totalitários (comunistas, fascistas, islamistas), os membros de religiões universalistas (budistas, cristãos, muçulmanos e todo o mundo não Ocidental (Irã, China e Japão). Direto ao ponto: a China Comunista não se enquadra na categoria de possível conspirador.
De modo que à medida que as teorias da conspiração vão aparecendo, vão dirigindo o foco nos três eternos suspeitos. Não é de se estranhar que o CPC dê a maior força a elas, o porta-voz do Ministro das Relações Exteriores Lijian Zhao tuitou que "é possível que as forças armadas dos EUA tenham trazido a epidemia a Wuhan" e retuitou informações "de suma importância" sobre "mais evidências de que o vírus seja oriundo dos Estados Unidos." Em consequência deste e de outros endossos oficiais, o Washington Post explica: "teorias antiamericanas estão ganhando força" na China a ponto das comunicações online no país estarem "inundadas com a teoria... de que o coronavírus apareceu pela primeira vez nos Estados Unidos."
Analogamente, a mídia russa acusou Londres e Washington de desenvolverem o vírus, seja para prejudicar a China enfraquecendo sua economia, seja se preparando para uma ação ofensiva, testando suas defesas com respeito às suas armas biológicas.
Dois generais da Guarda Revolucionária do Irã levantaram o fantasma do vírus como arma biológica americana que visa a China e o Irã, enquanto a mídia estatal iraniana joga a culpa reiteradamente sobre elementos americanos e sionistas. As mídias argelina e turca acusam os judeus de desenvolverem o coronavírus para obter poder, fazer com que os povos se tornem estéreis ou fazerem fortunas vendendo o antídoto.
Nos Estados Unidos, observa a Liga Antidifamação (ADL), teóricos da conspiração tiram proveito do COVID-19 "para promover suas teorias antissemitas, segundo a quais os judeus são os responsáveis pela criação do vírus, além de disseminá-lo para ampliar seu controle sobre uma população arruinada e se aproveitar dela."
Aliás, o fato dos israelenses estarem na frente nas pesquisas para a cura do COVID-19 é deturpado para confirmar as suspeições conspiratórias cui bono no tocante à procura de fins lucrativos dos israelenses. Posto que o Aiatolá Naser Makarem Shirazi, importante figura religiosa iraniana, ter inicialmente permitido a compra de uma vacina israelense, se ela fosse a única disponível e depois ter mudado de ideia, mostra a mente doentia dos antissemitas, onde quer que se encontrem.
O MIGAL Galilee Research Institute situado no extremo norte de Israel está na frente na corrida para desenvolver uma vacina contra o COVID-19. |
É assim que o vírus de Wuhan tirou do fundo do baú temas medievais em resposta às inesperadas e estarrecedoras notícias. Por mais absurdas que sejam, essas teorias impedem a compreensão da natureza do vírus, a forma de lidar com ele e como conter os danos que ele causa. Por mais tentador que seja ignorar as sandiçais teorias da conspiração, é premente que elas sejam refutadas. Caso contrário elas se agravam e crescem, como via de regra já aconteceu no passado, basta lembrar de Stalin e Hitler, e ameaçam causar incomensurável destruição.
Daniel Pipes (DanielPipes.org, @DanielPipes), é o presidente do president of the Middle East Forum, autor do livro The Hidden Hand (1996) e Conspiracy (1997). © 2020 por Daniel Pipes. Todos os direitos reservados.
Adendo de 17 de março de 2020: Para visualizar as atualizações sobre este artigo, clique em "COVID-19 Conspiracy Theories Proliferate."
Ilustração do Washington Times deste artigo. |
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