Um analista americano conservador, versado em assuntos do Oriente Médio, apresenta seis razões para se acreditar que anexar território palestino trará danos às relações EUA/Israel e ao status de Israel como estado judeu.
Graças ao plano "Paz e Prosperidade" da administração Trump, o ponto que trata da anexação de partes da Cisjordânia saiu da borda e foi para o centro da política israelense. O aparente não envolvimento do Departamento de Estado dos Estados Unidos nessa questão fez com que o Primeiro Ministro Benjamin Netanyahu assinalasse a sua fé de que a anexação irá ocorrer em "questão de meses" ou seja, antes das eleições presidenciais americanas a serem realizadas em novembro próximo.
Não faço parte daquele grupo de pessoas que se irritam com a "ocupação" da Cisjordânia pelos israelenses: a meu ver, há muito que os palestinos estariam desfrutando da autogestão caso tivessem parado de assassinar israelenses. Rejeito os Parâmetros de Clinton, a fórmula de ajuste do ex-presidente americano de duas décadas passadas para solucionar o conflito árabe-israelense. Diferentemente, eu estimulo que Israel tome as medidas necessárias que sinalizem aos palestinos que o conflito acabou e que eles foram derrotados.
Não obstante essa maneira de ver as coisas, eu me oponho fortemente à anexação de qualquer parte da Cisjordânia por Israel e apresento seis razões chave para tanto.
Não se deve enfurecer Donald Trump |
Primeiro, o Presidente Donald Trump poderia se irritar e rodar a baiana no tocante à decisão tomada unilateralmente por Israel. Embora o plano Trump permita que os israelenses anexem cerca de 30% da Cisjordânia, esta permissão é dada, conforme lembra o Departamento de Estado, "dentro do contexto do governo israelense concordar em negociar com os palestinos." Se os israelenses avançarem o sinal anexando e ao mesmo tempo ignorando o restante do plano, eles estarão provocando uma monumental contrariedade em Donald Trump.
Segundo, a anexação irá alienar e enfraquecer o número cada vez menor de amigos que Israel tem no Partido Democrata e na Europa. Prova disso é o grupo Democratic Majority for Israel não ter medido palavras com respeito à anexação: "não há como exagerar os danos que tal medida terá na aliança EUA-Israel. As repercussões serão extremamente graves e duradouras." Os principais conselheiros de Joe Biden ventilaram a mesma mensagem, bem como um grupo de 30 pesos pesados da política externa do Partido Democrata, quiçá menos efusivos. É necessário muita astúcia para alienar de uma só vez tanto Donald Trump quanto os Democratas. Além disso, os mais importantes países europeus condenaram o intuito da anexação e acenaram com represálias. O jornal Ha'aretz citando o embaixador francês nas Nações Unidas, Nicolas de la Rivière, que teria dito: a anexação "não passará em brancas nuvens e não faremos vista grossa quanto às nossas relações com Israel." O que poderá significar o reconhecimento do Estado da Palestina.
Sultão Qaboos de Omã (E) e o Primeiro Ministro de Israel Netanyahu: esses encontros estão fadados a chegarem a termo? |
Terceiro, à medida que nos últimos anos a ameaça iraniana vem recrudescendo, o governo israelense tem conseguido com maestria expandir os laços com países árabes sunitas, em especial com aqueles que fazem fronteira com o Golfo Pérsico. Esse processo se baseia na premissa dos governos árabes abrandarem seus posicionamentos em relação à questão palestina. Nada melhor do que cutucar a onça com vara curta para que o assunto volte com tudo à tona do que uma anexação unilateral por parte de Israel. Anos de trabalho exaustivo, conduzido pelo próprio Netanyahu poderão não dar em nada num piscar de olhos.
Quarto, é bem provável que a anexação irá provocar a fúria dos palestinos que poderá levar a desestabilização da Jordânia, Cisjordânia e Faixa de Gaza. A população palestina da Jordânia está mais calma com respeito ao fervor revolucionário de outrora, mas a anexação poderá incendiá-la nova e gratuitamente e colocar em xeque a monarquia. Os residentes da Cisjordânia poderão iniciar uma nova intifada (levante) que custará vidas israelenses além de causar danos à sua reputação no cenário internacional. Respaldados, os dirigentes do Hamas em Gaza poderão começar uma nova guerra contra Israel.
Outra intifada: Israel não precisa disso. |
Quinto, a anexação seguramente alienará a esquerda de Israel, podendo no mínimo levar a uma execrável batalha política e provavelmente a uma guinada de um contingente de sionistas israelenses virando antissionistas, alguns horrorizados podendo deixar o país.
Sexto, a anexação provavelmente fará com que mais palestinos venham a ter o direito de se tornarem cidadãos israelenses. O que seria um erro crasso, uma vez que os cidadãos árabes-israelenses formam o que eu acredito ser o maior inimigo ao status de Israel como Estado Judeu, aquele inimigo que não arredará o pé, que continuará firme depois que as ameaças do Irã e de Gaza tiverem sido equacionadas. Diferentemente dos inimigos externos, não há como derrotar os cidadãos de Israel. A sua lealdade tem que ser conquistada e quanto maior seu contingente mais difícil fica.
Em suma, a anexação da Cisjordânia provavelmente irá arranhar as relações de Israel com a administração Trump, com os Democratas, os europeus e os líderes árabes, bem como desestabilizar a região, radicalizar a esquerda israelense e causar danos à causa sionista de um estado judeu.
Primeiro Ministro Benjamin Netanyahu fazendo uma exposição em fevereiro perto da cidade israelense de Har Homa na Cisjordânia. |
E o que a anexação nos traz de bom? É uma medida meramente simbólica, um gesto voltado para os israelenses que moram na Cisjordânia no limbo da legalidade. A anexação não os tirará do limbo, já que é altamente provável que nenhum governo de peso do planeta irá reconhecer a mudança de seu status legal.
A conclusão é simples: não brinque com o temperamento de Donald Trump, não enfureça os Democratas e europeus, não aliene os líderes árabes, não inflame os palestinos, não radicalize a esquerda israelense e não aumente o número de cidadãos palestinos em Israel.
Israel precisa se asseverar frente aos palestinos, mas a asseveração tem que ser estratégica, de modo que se enquadre numa campanha mais ampla no sentido de forçar os palestinos a desistirem de seu objetivo de eliminar o estado judeu. Anexar a Cisjordânia é um excesso e um tiro no pé. Portanto, apesar da intenção, ela incentiva a causa antissionista e joga ainda mais para a frente a resolução do conflito.
Na mesma linha, os amigos de Israel devem dizer em alto e bom som "Não" à anexação da Cisjordânia.
Daniel Pipes (DanielPipes.org, @DanielPipes) é o presidente do Middle East Forum, think tank da Filadélfia.
Atualização de 8 de maio de 2020: Uma pesquisa de opinião mostra que apenas 26% dos judeus israelenses (e aparentemente 21% de todos os israelenses, se forem incluídos os cidadãos muçulmanos) são favoráveis à anexação.
Atualização de 10 de maio de 2020: Indicando as opiniões ainda preliminares dos judeus israelenses sobre a questão da anexação da Cisjordânia ainda voláteis, uma segunda pesquisa de opinião mostra que 52% aprovam a medida, duas vezes mais do que a pesquisa anterior.
O artigo acima foi publicado em um formato ligeiramente diferente na versão impressa em 8 de maio com o título: "Annexation Would Hurt Israel." O artigo poderá se encontrado no seguinte endereço: http://www.danielpipes.org/rr/2020-05-07-no-to-wb-annexation-papernyt.pdf.
Tópicos Relacionados: Conflito árabe-israelense e diplomacia
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