Dinesh D'Souza: pessoal, recebo com enorme satisfação Daniel Pipes ao podcast. Dan é historiador. Ele é ex-assessor do Departamento de Estado dos EUA e do Departamento de Defesa. E ele também é professor. Ele lecionou na Universidade de Chicago, na Universidade de Harvard, na Escola de Guerra Naval dos EUA. Ele também é presidente de uma organização chamada Middle East Forum.
Vamos lá, Dan escreveu um artigo, acredito eu originalmente em uma revista chamada The National Interest sobre um movimento de alcance mundial de muçulmanos se convertendo ao cristianismo. Um tema, eu acho, extremamente fascinante. Eu queria que Dan viesse e falasse sobre isso.
Dan, bem-vindo ao podcast. Claro, nós nos conhecemos há vários anos e você foi um dos especialistas e fontes que entrevistei para o meu primeiro filme, 2016: Obama's America.
Acho o artigo extremamente fascinante. Então eu queria começar perguntando por que esse interesse pelos muçulmanos, no caso, quando abandonam sua fé e viram cristãos?
Daniel Pipes: bem, obrigado pela atenciosa apresentação, Dinesh. Eu sempre considerei os muçulmanos que deixam o Islã como tema marginal na borda, sem significado maior, fora as pessoas envolvidas. Desde então, paulatinamente, nos últimos anos, percebi que se trata de algo bem maior. Algo está tomando forma.
E na realidade há dois aspectos a serem considerados. O primeiro são os muçulmanos que estão virando ateus e o outro são os muçulmanos que estão se convertendo a outras religiões, principalmente ao cristianismo. E agora eu vejo isso como um fenômeno significativo, tanto para os envolvidos como também como um desafio ao Islã, um desafio sem precedentes para o Islã.
D'Souza: vamos começar quanto à relutância histórica que os muçulmanos tinham de deixar o Islã. Você menciona em seu artigo o flagrante fator do Islã ser intolerante com desertores. Que o Islã, de certo modo, faz disto uma apostasia, deixar a fé. E isto porque você não está só rejeitando a fé islâmica, você está deixando a comunidade islâmica, o que é visto como uma forma de traição.
Mas eu acrescentaria a isso o fato do Islã como fé, parece que hoje ainda tem um pouco da força da sua revelação original. Em outras palavras, que há muçulmanos ou pelo menos muitos muçulmanos que aparentemente são crentes de verdade. E você concorda que esses são os dois fatores? O domínio da religião e a intolerância com a saída das pessoas? E segundo, a devoção de tantos muçulmanos que se surpreendem quando um muçulmano, poder-se-ia dizer, se desgarra do rebanho?
Pipes: eu concordo. Acho que a primeira, a intolerância, remonta às origens do Islã, na época uma religião meio tribal. De modo que os muçulmanos compunham uma tribo ensimesmada. Assim sendo, deixar a tribo muçulmana era, na verdade, virar traidor. E esta lógica da traição continua viva quatorze séculos depois, mesmo longe de ser uma religião tribal, por qualquer métrica que se possa tomar.
O caso mais famoso ocorreu em 1989, quando o Aiatolá Khomeini baixou um decreto condenando o escritor Salman Rushdie, em que afirmava que ele era um apóstata e tinha que ser morto. O édito criou um debate sobre o Islã que varreu o planeta, a apostasia e a saída do Islã. Foi dramático.
Na maioria dos casos, não é tão dramático assim. Você mencionou seu filme 2016 sobre Barack Obama. Ele é indubitavelmente o apóstata mais conhecido do islamismo que se converteu ao cristianismo. Na minha cabeça, não há dúvida alguma quanto a isso. Ele nasceu e foi criado como muçulmano. E em seus vinte anos, em circunstâncias um tanto nebulosas, deixou o Islã e virou cristão. Mas de longe ele não é o único.
Outro exemplo famoso é Carlos Menem, presidente da Argentina entre 1989 e 1999, que também deixou o islamismo e se tornou cristão. E há muitos outros ao redor do mundo. Eles tendem a se converter, sem que ninguém perceba, porque é realmente complicado.
D'Souza: Dan, você disse que há muçulmanos,que, de certa maneira, não só deixam o Islã, mas deixam todas as religiões e viram ateus. Tomemos o caso de Ayaan Hirsi Ali, que escreveu o livro Infidel, que em sua essência disse: "eu desisti não só do Islã, eu desisti de todas as religiões".
E estou assumindo que para esses caras, para muitos desses caras, Rushdie outro bom exemplo, é o stress extremo que os transformou em ateus. Em outras palavras, eles veem as coisas do Islã que são execráveis, que são assassinas. Eles veem o ISIS, eles veem a Al-Qaeda e dizem: "sabe de uma coisa? Se esta é a cara da religião, não quero ter nada a ver com isso". Você diria que essa é provavelmente a explicação mais aceitável para o fato de haver muçulmanos que essencialmente desistiram definitivamente da religião?
Pipes: isso. Há uma distinção entre os muçulmanos que viram ateus, que rejeitam qualquer religião, aí é uma resposta totalmente negativa e aqueles que viram cristãos, quiça budistas, judeus ou hindus. Estes estão rejeitando apenas o Islã, não a religião como um todo.
A maioria dos apóstatas que abandonaram a religião muçulmana viram ateus de carteirinha. Um contingente menor se torna membro de outra comunidade religiosa, em particular, a cristã, onde vira uma mistura de "empurra-puxa", onde o atrativo, em particular, de Jesus figura a rodo. Isto não é só negativo. É positivo também.
D'Souza: vamos abordar este assunto por um instante e nos aprofundarmos mais um pouco. O que me chamou muito a atenção em seu artigo é a análise detalhada de uma gama bastante ampla de fontes e também de incidentes que não estão ocorrendo em um só lugar especificamente, no qual você poderia dizer: "bem, isso ocorre no Irã ou isso ocorre no Iraque." Você trata de incidentes que ocorrem na Indonésia. Eles ocorrem no Oriente Médio. Eles ocorrem na África, até mesmo na África Subsaariana. Isso sem falar dos muçulmanos que estão no Ocidente. Fale sobre o impressionante fenômeno dos muçulmanos que sonham com Jesus que têm visões de Jesus. Fale-nos sobre isso. Como você ficou sabendo disto? E o que você acha disso?
Pipes: você está certo. Há uma enorme literatura a respeito. Tudo o que eu escrevi no meu breve artigo foi separar o joio do trigo. Há uma vasta literatura sobre o tema. Há muitos, muitos ex-muçulmanos que narram seu processo de saída do Islã. Muitos são comoventes. Há livros, muitos livros, muitos livros em inglês sobre o assunto, tanto no Ocidente quanto nos países de maioria muçulmana. De modo que não são difíceis de achar. É só prestar atenção a isto, de dizer: "ah... Este é um fenômeno significativo."
Quanto à figura de Jesus, parece ser um pouco onírica, ele muitas vezes aparece para os muçulmanos nos sonhos. Ele frequentemente está vestido de branco. Não é uma coisa específica. É uma aparição. E eles são atraídos por ele. Eles querem aprender mais. Eles querem levar a Bíblia a sério.
Como você provavelmente já sabe, no Islã, a Bíblia judaica e a Bíblia cristã são vistas como livros desatualizados. Sim, eles têm verdade neles, mas eles estão desatualizados. O Alcorão veio e os substituiu. Os muçulmanos não precisam olhar para a Bíblia. Ela está desatualizada. É como olhar para o catálogo do ano passado. Não tem mais importância.
Mas aqueles muçulmanos que são atraídos pelo cristianismo e que dizem: "ah, talvez haja algo interessante na Bíblia. Deixa eu dar uma olhada. Talvez não esteja desatualizado." Então eles vão e ouvem ou leem ou assistem hoje em dia. E ficam impressionados. Eles veem algo que não consta na religião deles.
D'Souza: ... Dan, você apresentou dados e é difícil encontrar informações confiáveis, mas aqui se trata de um volume considerável, na casa dos milhões. Uma das estimativas aponta para 10 milhões. Você cita um cara na Líbia que diz se tratar de milhões deles que anualmente fazem a transição.
Pipes: seis milhões.
D'Souza: é. Seis milhões deixaram o Islã. Vejamos. Você mencionou Barack Obama num tom provocador. E acho que quando você falava sobre sua criação muçulmana, você não estava se referindo tanto ao Barack Obama pai, que eu entendi ter sim, nascido muçulmano, mas em grande medida ateu. Acho que você estava se referindo a Lolo Soetoro, o homem com quem a mãe dele se casou na Indonésia, onde Obama frequentava uma escola onde foi educado em conformidade com o Islã, também havia o Islã em casa e ele vivia no ambiente islâmico. E, claro, a Indonésia ainda é hoje o maior país islâmico do planeta.
Pipes: bom, eu estava me referindo a ambos. Na lei islâmica, filho de pai muçulmano é muçulmano. De modo que, nesse sentido, ele é muçulmano. E então, como você aponta corretamente, ele foi para a Indonésia com sua mãe que lá se casou com um muçulmano. E ele foi para a escola e foi registrado como muçulmano que frequentava uma mesquita e que convivia em um ambiente muçulmano. Ele orgulhosamente recitou o chamado muçulmano à oração a um jornalista alguns anos atrás, antes de ser alçado à presidência.
Portanto ele foi criado em um ambiente muçulmano e depois decidiu mudar e virar cristão. Agora, ele não reconhece isso, mas tem indicado tal fato de tempos em tempos, ele não reconhece o episódio diretamente, não sabemos o porquê e como isso aconteceu, nem mesmo quando. Mas sabemos que aconteceu. Sem a menor sombra de dúvida.
D'Souza: não é um assunto que ele aborda em A Origem dos Meus Sonhos, qualquer que seja a profundidade. A bem da verdade, ele passa ao largo, furtivamente.
Pipes: ele faz alusão a isso inúmeras vezes no livro e também em outros lugares, em ambas as autobiografias. E em muitas, muitas entrevistas, ele se refere a isso. Mas o que salta aos olhos é que ele é inconsistente. E é isso que acontece quando não se diz a verdade, quando se omite a verdade, se diz coisas diferentes em horas diferentes.
Na realidade eu já escrevi sobre isso. Não bate. O incontestável é que ele nasceu e foi criado como muçulmano e que a imprensa fanzoca de Obama odeia este fato e o esconde, a ponto de eu, o primeiro a documentar esse importante fato sobre o aspirante e depois presidente, agora ex- presidente dos Estados Unidos, tenha sido vaiado e xingado porque falei sobre o assunto. Então houve excessos, é uma loucura. E, no entanto, aí está. Um fato saltando aos olhos.
D'Souza: vamos falar sobre um cara chamado Michael Stollwerk, que é uma espécie de vigário na catedral de Frankfurt. Citando suas palavras: "eu estava parado na saída, ainda nos devidos trajes, me despedindo dos fiéis quando uma mulher de véu se aproximou". Ele diz: "eu procurei minha carteira no bolso da batina, achando que se tratava de uma mendiga. 'Não, não', disse ela, 'eu só quero fazer uma pergunta. O senhor é o imã aqui?'" E ele disse: "bem, eu acho que de certa forma, eu sou o imã. Eu sou o pastor". E ela continua dizendo: 'bem, o senhor é o homem certo. Deus me ordenou em um sonho para que eu fosse até a grande igreja na praça do mercado e pedisse para o imã a verdade."
Esta era uma muçulmana no fundo no fundo pedindo para ser iniciada no cristianismo. E há inúmeros casos como o dela... Fale sobre a mensagem maior do cristianismo e porque é sedutor para alguém que foi criado nos recintos talvez mais severos do Islã.
Pipes: bem, o testemunho que aparece via de regra é que no cristianismo, Deus é um Deus do amor. E no Islã, não. Eles sentem falta disso. Eles estão buscando isso. E eles encontram isso no cristianismo.
D'Souza: você aponta que o Islã se radicalizou nas últimas décadas e deu origem a grupos como o ISIS até mesmo, conforme você mencionou, Mohamed Morsi. Mohamed Morsi foi o líder da Irmandade Muçulmana que virou, pelo menos por um tempo, primeiro-ministro do Egito. E você cita a frase que me fez rir um pouco, você escreveu que Morsi é "o grande evangelista". Eu acho que o que você quis dizer é que esse cara afastou tantos muçulmanos por conta do seu fanatismo, que eles acharam melhor "cair fora".
Pipes: é por aí mesmo. Seu primeiro ponto foi a maneira do Islã não permitir a saída de ninguém. E segundo foi o porquê de haver tantos muçulmanos devotos. E eu diria não só muçulmanos, mas islamistas, ou seja, muçulmanos que querem retornar à era medieval e também transformar o islamismo em um "ismo" moderno, uma ideologia moderna. É pegar o Islã medieval e transformá-lo em uma ideologia moderna. Isso é islamismo. E Morsi é islamista, melhor dizendo, foi (por que ele já morreu). E são os islamistas que estão atormentando tantos muçulmanos.
Agora, a Irmandade Muçulmana é ruim, mas quando se trata do ISIS, Talibã, Shabab e as versões mais extremas, então há realmente medo e aversão por parte daqueles muçulmanos meros mortais que estão basicamente dizendo: "se isso for o Islã, eu não quero nem saber".
O caso mais dramático acontece, talvez, no Irã, onde os islamistas estão no poder há mais de quatro décadas e as mesquitas estão praticamente vazias. E enquetes e outras informações confiáveis sugerem que a maioria significativa dos iranianos rejeita o Islã, não querem nem ouvir falar disso. Eles dizem: "eu não gosto do que o governo faz" ou "eu acho que não sou muçulmano".
Contudo, um pequeno número, não tão pequeno assim, talvez 1%, 2% se converteu ao cristianismo, mas muitos mais são irreligiosos. Há um grande contingente de iranianos irreligiosos, consequência de 40 anos de islamismo.
D'Souza: você conclui o artigo dizendo que para os muçulmanos que viram cristãos, a vida não é tão fácil porque, sob vários aspectos, eles ficam separados de suas famílias, à parte da sua comunidade. Eles têm que ficar de bico fechado, em alguns casos levam uma vida dupla. Ou eles não mantêm sigilo, são condenados ao ostracismo.
E então você curiosamente diz que mesmo aqueles que emigram para países de maioria não muçulmana, ou seja, para países ocidentais, por exemplo, muitas vezes ficam sujeitos a pesadas críticas mesmo no Ocidente, de modo que não há como escapar do tormento de sair do rebanho islâmico.
Pipes: exatamente. É uma situação constrangedora, onde quer que você esteja. A única saída a longo prazo é através do tamanho do contingente. À medida que o número de ex-muçulmanos, sejam eles ateus, cristãos ou qualquer outra coisa, aumenta, em especial no Ocidente, há uma certa proteção. Há uma certa legitimidade. Há uma certa inevitabilidade. Eu acho que isso já está acontecendo. Hoje já é menos complicado.
Senão vejamos, a título de exemplo, Ibn Warraq, usando o pseudônimo, escreveu um livro há 25 anos com o título Why I Am Not a Muslim (Porque Não Sou Muçulmano). Ele o escreveu sob o nome falso, Ibn Warraq. Não é seu verdadeiro nome. Ele estava assustado. Isso aconteceu somente poucos anos após o caso Rushdie. E era uma situação extremamente assustadora naquela época. Agora, 25 anos depois, ele está mais tranquilo. Já não é tão perigoso como então.
D'Souza: Dan, este é um tema fascinante e eu realmente achei o artigo muito instigante. Falei sobre isso no podcast há várias semanas e houve muito interesse a respeito, foi ótimo e gostaria muito vê-lo de novo falando mais sobre o tema. Eu realmente gostei muito. Adoraria tê-lo de volta, talvez para falar sobre algumas questões estratégicas. Obrigado, Dan. Realmente obrigado.
Pipes: fico na expectativa de continuar nossa conversa. Obrigado Dinesh.