Daniel Pipes entrevistado por Vasile Simileanu. GeoPolítica título: "2022: Um Mundo Complicado."
GeoPolítica: qual a sua leitura sobre a evolução do conflito palestino/israelense?
Daniel Pipes: durante 25 anos, de 1948 a 1973, a guerra contra Israel estava nas mãos dos países árabes. Visto que perderam todas as batalhas, eles finalmente desistiram e deixaram o antissionismo para os palestinos, que avidamente assumiram a linha de frente. Quase 50 anos depois, os palestinos provaram serem altamente talentosos na guerra, mesmo sem poder econômico ou militar. Não obstante, eles também perderam todas as batalhas. Surge então a pergunta: por quanto tempo os palestinos continuarão teimando e perdendo? A resposta depende da determinação de Israel de vencer e, até agora, tem se mostrado despreparado para tomar as medidas necessárias. A continuar nesse chove-não-molha, o conflito poderá facilmente se estender por mais 50 anos.
GeoPolitica: em que pé estão as relações de segurança entre Israel e os países árabes?
Daniel Pipes: as relações melhoraram paulatinamente a partir de 1973, marcadas por expressivos acontecimentos como a visita de Sadat a Jerusalém em 1977, o tratado de paz com a Jordânia em 1994 e os Acordos de Abraão em 2020. Hoje, a hostilidade governamental mais ameaçadora a Israel não vem de países árabes, mas de países muçulmanos não árabes: em especial Turquia e Irã, mas também Paquistão e Malásia.
GeoPolítica: comente as declarações beligerantes de Teerã contra o Estado de Israel.
Daniel Pipes: a República Islâmica do Irã deriva muito de sua legitimidade do antissionismo, por isso ataca Israel constantemente, com feroz eloquência. O regime mostrou muito mais cautela em termos militares, embora a escalada no desenvolvimento do programa nuclear sugira que ele espera levar o confronto a este nível.
Em uma exibição pueril de agressividade, o regime iraniano patrocina pisoteamentos e queimas da bandeira de Israel. |
GeoPolítica: qual é o papel dos EUA nas negociações árabe-israelenses?
Daniel Pipes: os "processadores da paz" em Washington se concentram em achar o caminho das pedras para a solução do conflito palestino/israelense, mas esta fórmula sem-fim não leva a lugar nenhum. A hostilidade palestina na Cisjordânia e em Gaza continua tão alta hoje quanto antes dos Acordos de Oslo serem assinados em 1993. O governo Trump tentou seguir esse caminho, não chegou a lugar nenhum e depois mudou o foco para os países, o que trouxe resultados imediatos. O governo Biden voltou ao caminho antigo, de modo que o papel dos EUA por enquanto é tímido.
GeoPolitica: qual a sua previsão para a política externa da Turquia sob o comando de Recep Tayyip Erdoğan, observando sua esperança em recuperar a influência sobre os países do antigo Império Otomano, suas complexas relações com o Irã e a Rússia e o fato de constar no quadro de membros da OTAN?
Daniel Pipes: Erdoğan é um político brilhante no contexto do cenário interno da Turquia, mas bastante inepto quanto a relações externas. Ele tem frágeis relações com todos os países do Oriente Médio, menos com o Azerbaijão e o Catar e também frágeis relações com todas as grandes potências mundiais. Como Erdoğan não aprende com suas próprias experiências (vide a crise cambial em andamento), vide a continuação de sua incompetente política externa.
Erdoğan (esquerda) e seu melhor amigo, Emir Tamim do Catar. |
GeoPolítica: de olho no envolvimento da Turquia na Líbia, Síria e Nagorno-Karabakh, bem como o apoio à Irmandade Muçulmana, para onde ele se encaminhará, de acordo com sua previsão, no Oriente Médio.
Daniel Pipes: a exemplo dos iranianos, Erdoğan fez do Islã seu cartão de visitas internacional. Ele leva dupla vantagem em cima de Teerã: ser sunita (assim como cerca de 90% de todos os muçulmanos) e ser menos violento. Ainda assim, a expectativa em 2011 de liderar uma insurreição islamista pelo Oriente Médio deu com os burros n'água, limitando-o a reabilitar estruturas da era otomana e se juntar às guerras de outros. Contemplando isto, vejo a Turquia como uma potência secundária nos conflitos do Oriente Médio.
GeoPolitica: de que maneira o senhor interpreta o novo teatro Rússia/Turquia/Irã/Azerbaijão/Armênia?
Daniel Pipes: o conflito Azerbaijão/Armênia é que impulsiona este teatro, a Turquia apoiando inequivocamente seus colegas de língua turca no Azerbaijão, o Irã apoiando relutantemente a Armênia cristã e a Rússia explorando a situação para promover seus próprios interesses. Israel é o curinga aqui, que moral e estrategicamente deveria se alinhar com a Armênia, mas ao contrário apoia o Azerbaijão.
GeoPolitica: e quanto à parceria Rússia/Turquia/Irã?
Daniel Pipes: é um pouco como falar sobre a parceria Alemanha/Itália/Japão na Segunda Guerra Mundial, em ambos os casos, o trio divide um tico de algo construtivo, acima de tudo, eles compartilham oposição a inimigos comuns. Isto não irá levá-los ou a aliança muito longe.
GeoPolítica: a Turquia deixará a OTAN para se juntar à Rússia na criação de uma nova aliança geoestratégica?
Daniel Pipes: não, a liderança turca quer jogar um lado contra o outro e o fato da Turquia ser membro da OTAN ajuda muito na manutenção do equilíbrio. A propósito, isto vem a calhar no abrangente ímpeto muçulmano em direção ao neutralismo. Conforme escrevi há 40 anos: "Nasser sintetizou essa propensão quando jogou os Estados Unidos e a União Soviética, um contra o outro, sabendo até onde poderia ir, tirando o máximo de vantagens dos dois lados. Foram principalmente líderes muçulmanos que copiaram esta habilidade característica muçulmana, por exemplo: na Argélia, no Iêmen do Norte e no Afeganistão antes de 1978". Esse costume remonta a uma cautela muçulmana de não se aproximar demais de potências estrangeiras.
GeoPolítica: dada sua base militar em Djibuti e suas ambições econômicas, quais são as implicações da ascensão da China para o Oriente Médio?
Daniel Pipes: a exemplo do que ocorre em outras partes do mundo, o Partido Comunista Chinês está pacientemente preparando as bases no Oriente Médio para materializar maior influência no futuro, fazendo amigos, aprendendo como funcionam as conjunturas locais e construindo infraestrutura econômica. Se isso funcionar como planejado, só o futuro dirá, visto que a truculência da China induziu uma crescente reação adversa tanto populista quanto governamental.
Base militar chinesa em Djibuti. |
GeoPolítica: o senhor é da opinião de que o Oriente Médio e Norte da África (MENA) inclui vários atores, países estáveis, (Egito, Jordânia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos) que se opõem à interferência da Turquia, Irã, Rússia e China?
Daniel Pipes: sim, sou desta mesma opinião. Em outras palavras, do ponto de vista americano, a maioria dos países da região é essencialmente amigável.
GeoPolitica: o terrorismo e os conflitos regionais no MENA tiveram um impacto global. Isso vai continuar assim ou diminuir?
Daniel Pipes: a violência é a principal característica do modo de vida na região e, embora a violência em si não tenha diminuído (veja a Líbia, Síria, Iêmen), parece ter menos impacto no mundo exterior. Talvez a redução na necessidade de hidrocarbonetos, segurança de aeroportos e a "Fortaleza da Europa" tenham conseguido mantê-la mais restrita.
GeoPolítica: a região engloba inúmeros conflitos, árabes/Israel, Líbano, Síria, Iraque, Iêmen, Afeganistão: o senhor tem alguma ideia de como resolvê-los?
Daniel Pipes: lamentavelmente não. Vejo, porém, que os conflitos da região remontam à extraordinária dificuldade muçulmana de se adaptar à modernidade. Embora haja algum progresso nesse sentido, como o declínio do islamismo, o problema como um todo permanece excessivamente arraigado.
GeoPolítica: qual a sua opinião quanto aos desdobramentos de médio e longo prazo do MENA?
Daniel Pipes: na qualidade de alguém que estuda o Oriente Médio desde 1969, aprendi que é melhor ser pessimista. Assim, prevejo novos problemas que substituirão alguns antigos e mais alguns que se somarão a eles.
GeoPolítica: quais são os principais desafios que o mundo se depara hoje?
Daniel Pipes: veja como eu antevi essa questão em um recente tuíte: pulso eletromagnético, Partido Comunista Chinês, Islamismo, Esquerda Global e declínio nas taxas de natalidade, exceto nos lugares mais problemáticos (África em particular). Acrescentei que a mudança climática não me assusta.
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