Título no A.S.: "Porque os refugiados ucranianos são diferentes dos migrantes do Terceiro Mundo"
Após a invasão russa de 24 de fevereiro, os refugiados ucranianos que chegaram à Polônia reagiram com enlevo e até choque diante do calor humano da receptividade. "Nós temos de tudo, realmente de tudo, até demais. As pessoas daqui são incríveis, tão generosas, não esperávamos tanta generosidade." "É inacreditável o quanto eles ajudam. Eles nos dão tudo que têm." Os poloneses também ficaram gratificados e impressionados com eles mesmo: "Eu não sabia que éramos assim. Ninguém sabia que poderíamos ser mobilizados desta maneira." "Nesta situação crítica, nos engajamos mutuamente e, sério, não conheço ninguém que não esteja ajudando."
Os poloneses também não foram os únicos quanto à generosa resposta aos migrantes ucranianos.Búlgaros, dinamarqueses, gregos, húngaros, italianos, moldavos, romenos, suíços e tantos outros responderam da mesma maneira. Um informe do início de março constatou que "o número de berlinenses que ofereceu ajuda foi tão grande que houve voluntários que foram mandados de volta para casa". Chipre "calorosamente recebeu 6 mil refugiados ucranianos e proporcionou um clima frio para que eles se sentissem em casa". Os americanos apoiaram a imigração da Ucrânia, já que este foi o primeiro grupo a imigrar desde 1939 e os contribuintes enviaram cerca de US$1 bilhão para ajudar os refugiados com moradia, instrução do idioma inglês e serviços de apoio a traumas. Os japoneses abriram suas portas aos estrangeiros como nunca antes.
Por mais reconfortantes que possam ser essas respostas, vindas de todos os lados do espectro político, elas escondem um perigo sutil. Os defensores do multiculturalismo e das fronteiras abertas têm aproveitado, à larga, o exemplo ucraniano para concluir que qualquer resposta menos generosa aos migrantes de fora da Europa configura racismo, xenofobia ou "islamofobia". Embora um tanto fora do circuito neste momento de intenso foco nos ucranianos, depois que a crise atual acabar e os migrantes não ocidentais voltarem aos holofotes, essa linha de raciocínio certamente voltará à tona e será robusta. Agora é hora de nos prepararmos para o próximo ataque às fronteiras e às leis, reconhecer o perigo que ele representa e estarmos afiados para o contra-argumento.
"Os Ucranianos estão Sempre em Primeiro Lugar"
No ano passado a resposta de Polônia foi bem diferente a dois grandes grupos de migrantes acantonados em suas fronteiras orientais.
Estima-se que no final de 2021, 15 mil migrantes, em sua maioria do Oriente Médio, voaram legalmente para a Bielorrússia, onde as autoridades os levaram de ônibus até a fronteira com a Polônia e os estimularam e às vezes até os forçaram a atravessá-la como forma de pressionar a União Europeia. Os poloneses responderam de forma rigorosa, patrulhando a zona com 13 mil seguranças, posicionando canhões de gás lacrimogêneo, drones, câmeras infravermelhas e helicópteros. O primeiro-ministro da Polônia Mateusz Morawiecki pronunciou emocionalmente: "esta fronteira é sagrada. A fronteira do estado polonês não é apenas uma linha no mapa. Gerações de poloneses derramaram seu sangue por esta fronteira". Seu governo aprovou uma lei que permitia ignorar os pedidos de asilo de migrantes ilegais e expulsá-los à força do país, várias vezes, se necessário. O governo polonês continua expulsando imigrantes ilegais em potencial e está construindo um muro de aço de quase 200 quilômetros de comprimento e 5½ metros de altura na fronteira com a Bielorrússia no valor €350 milhões.
Meramente poucos meses depois, Varsóvia respondeu à invasão de Putin de maneira diametralmente oposta. No exato dia da invasão, o ministro do interior polaco Mariusz Kamiński anunciou que "qualquer um que esteja fugindo de bombas, de fuzis russos, pode contar com o apoio do estado polonês". Muito embora o contingente de refugiados ucranianos envolvidos, já tenha ultrapassado a casa dos 3,5 milhões, mais de 200 vezes o dos migrantes da Bielorrússia, o governo e o povo polonês acolheram essa população traumatizada e resolutamente ficaram ao lado deles contra Putin.
Varsóvia calorosamente recebeu refugiados da Ucrânia. |
Com efeito, o governo permitiu a entrada de refugiados sem qualquer documentação e rapidamente aprovou uma lei dando aos ucranianos acesso ao sistema de saúde, educação e viagens gratuitas nos trens estatais, bem como um subsídio diário aos poloneses que hospedassem ucranianos em suas casas. A população de Varsóvia cresceu quase 20% em questão de semanas e mesmo assim a cidade continuou funcionando e o estado de espírito continua alto. Um mês após o início da guerra, a Polônia não tinha campos de refugiados, devido a uma gigantesca ajuda das instituições beneficentes, empresas, indivíduos e governos locais.
"Todos aqueles que fogem das bombas de Putin são bem-vindos na Europa", anunciou Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia. Ao tomar a medida sem precedentes, a União Europeia ativou o "mecanismo de proteção temporária" que dá aos refugiados ucranianos o direito de viverem e trabalharem por pelo menos de um até três anos em todos os 27 países membros, juntamente com garantias de moradia, saúde e educação. A UE também apresentou uma nova maneira dos ucranianos gastarem €300 em sua moeda, a Grívnia. Empresas de ônibus, de trens e companhias aéreas transferiram, de graça, ucranianos para países mais distantes para aliviar os vizinhos fronteiriços da Ucrânia de arcarem com todo o fardo dos refugiados.
Os refugiados que não provêm do Ocidente, no entanto, contam uma história bem diferente. Alegando terem sido expulsos dos abrigos para darem lugar aos ucranianos, um refugiado afegão ora na Alemanha concluiu que "os ucranianos são refugiados de primeira classe e nós somos só de segunda classe." Najeeb, intérprete que trabalhou anteriormente para o governo americano no Afeganistão, perguntou: "o povo da Ucrânia pode ir livremente para qualquer país europeu, e nós, vamos fugir para onde?" As mesmas autoridades polonesas que acolhem os ucranianos não "nos ofereceram sequer um copo d'água", protestou um sírio. Os africanos reclamam que "os ucranianos vêm sempre em primeiro lugar, embora nós africanos estejamos aqui por dias, às vezes três dias sem comida. Todos nós estávamos exaustos. Sempre que aparecem os ucranianos, somos mandados de volta (para casa). Ele gritam: 'voltem'."
As experiências dos migrantes que se encontram em Calais, França, no Canal da Mancha, explicitaram um contraste que salta aos olhos. Um documento constatou que "horas depois de chegar a Calais, uma jovem mãe ucraniana e seu filho foram recebidos por funcionários da imigração britânica e colocados em um ônibus com destino ao Reino Unido. Anos depois de chegar a Calais, (Ahmed, um homem de 41 anos do Sudão do Sul) continua no limbo. 'Eles são europeus', disse Ahmed se referindo aos refugiados ucranianos, arregaçando as mangas de seu moletom, apontando para sua pele. 'África, esta é a diferença'." O documento constata que os que não são europeus lotam acampamentos enquanto as autoridades hospedam os ucranianos em pousadas à beira da praia. Outro documento de Calais conta que os ucranianos foram recebidos pelo prefeito da cidade e agraciados com hospedagem gratuita e uma refeição com frango assado e mousse de chocolate, guloseimas inimagináveis para migrantes que não sejam do Ocidente.
"Loiros de Olhos Azuis"
Confrontados com essa diferenciação, políticos e jornalistas deram explicações constrangedoras e de mau gosto.
David Sakvarelidze ex-vice-procurador-geral da Ucrânia, abriu caminho com seu comentário segundo o qual observar a situação na Ucrânia: "é muito emocionante para mim, porque vejo europeus loiros de olhos azuis sendo mortos... todos os dias". O primeiro-ministro búlgaro Kiril Petkov observou que os ucranianos "são europeus", acrescentando que "eles são inteligentes, educados... Esta não é a onda de refugiados a que estamos acostumados, pessoas que não sabíamos nada sobre suas identidades, pessoas com passado obscuro, que poderiam até ter sido terroristas. Em outras palavras, agora não há nenhum país europeu que esteja receoso coom a atual onda de refugiados."
Notis Mitarachi, ministro da migração da Grécia, também notou "grande diferença" entre os ucranianos que vêm para a Grécia e migrantes de lugares mais remotos: Os refugiados ucranianos estão passando por uma guerra em um país que faz fronteira com a União Europeia, ao passo que muitos migrantes de outras regiões entraram no bloco "ilegalmente " e que 7 em cada 10 (destes migrantes) não são considerados "refugiados" pelo governo grego. Um porta-voz de Éric Zemmour, então candidato a presidente da França, que focava na exclusão de migrantes muçulmanos, explicou que ele "diferenciava refugiados europeus deslocados e refugiados cristãos ucranianos de migrantes econômicos do mundo árabe/muçulmano".
Os jornalistas fizeram uso implícito do tema da superioridade europeia:
- Charlie D'Agata, consagrado correspondente estrangeiro da CBS News: Kyiv "não é um lugar, com todo o respeito, como o Iraque ou o Afeganistão, que estão às voltas por décadas com conflitos avassaladores. Este é um país relativamente civilizado, relativamente europeu, eu tenho que escolher as palavras com muito cuidado, também, cidade onde você não esperaria isso ou tem a esperança de que isso não aconteça."
- Daniel Hannan, destacado jornalista britânico: "eles se parecem tanto com a gente. É isso que faz com que seja tão chocante. A Ucrânia é um país europeu. O povo assiste a Netflix e tem contas no Instagram, vota em eleições livres e lê jornais sem censura. A guerra não é mais algo que acontece a populações empobrecidas e remotas. Pode acontecer a qualquer um."
- Lucy Watson, repórter da ITV: "agora o impensável aconteceu com eles. E não se trata de uma nação do terceiro mundo em desenvolvimento, é a Europa!"
- Peter Dobbie , âncora inglês da Al Jazeera: "para saber o que cativa, basta olhar para eles, a maneira como eles se vestem. São prósperos... de classe média, obviamente que não são refugiados tentando fugir de regiões do Oriente Médio que ainda estão em massivo estado de guerra. Não são pessoas tentando fugir de regiões do Norte da África. Eles se parecem com qualquer família europeia que moraria ao lado de sua casa."
- Phillipe Corbé, jornalista francês: "não estamos falando aqui de sírios que fogem do bombardeio do regime sírio apoiado por Putin, estamos falando de europeus que estão saindo em carros que se parecem com nossos carros, para salvarem suas vidas".
- Ulysse Gosset, jornalista francês: "estamos no Século XXI, numa cidade europeia e mísseis cruzeiro são disparados como se estivéssemos no Iraque ou no Afeganistão, imagine só!"
Vale notar que tais comentários constituem uma porcentagem infinitesimal dos comentários sobre os refugiados ucranianos. No entanto, eles se destacam pela franqueza, quantos observadores pensam como eles, mas são discretos?
"Implicações Orientalistas e Racistas"
Essa combinação de acolhimentos diametralmente opostos e explicações despropositadas fomentou acusações de preconceito, intolerância, discriminação e "orientalismo". Por exemplo, o Washington Post não dá trégua neste ponto, artigo após artigo.
- Abigail Hauslohner: "a agressiva pressão do Presidente Biden para que fossem acolhidos até 100 mil refugiados ucranianos gerou ressentimento naqueles que clamam que a Administração ajude a tirar dezenas de milhares de cidadãos afegãos desesperados para fugir do domínio do Talibã".
- Chico Harlan e Piotr Zakowiecki: eles citam uma polonesa que pergunta: "os ucranianos são considerados refugiados de guerra e os iemenitas são considerados migrantes. Por que? Qual é a diferença?"
- Dan Rosenzweig-Ziff et al.: "embora a Europa esteja relativamente unida no desejo de ajudar os ucranianos, alguns questionaram porque uma proteção temporária nos mesmos moldes não foi dada a afegãos em fuga, por exemplo ou ajudar outros candidatos a asilo a alcançarem o litoral da Europa."
- Isaac Stanley Becker et al: "à medida que o tamanho da crise foi ficando clara, os líderes europeus forjaram um consenso político ausente de desastres humanitários anteriores, deixando de lado os procedimentos ainda usados no sentido de bloquear outros candidatos a asilo numa discrepância concebida por raça, geografia e geopolítica."
- Marc Stern: "países europeu que há poucos se revoltaram protestando contra a chegada de migrantes que fugiam de guerras e extremismo no Oriente Médio e Norte da África estão de repente dando boas-vindas a centenas de milhares de refugiados."
- Rick Noack: "ao passo que ondas anteriores de refugiados e migrantes enfrentaram lentos procedimentos de asilo, que muitas vezes não deram em nada, hoje os governos europeus, num piscar de olhos, contornaram e suspenderam as leis existentes só para acomodar os ucranianos."
- Sarah Dadouch: "moradores em países em crise, como Síria, Afeganistão e Iraque, ficaram furiosos com certas coberturas da mídia que pintam o conflito ucraniano como sendo totalmente diferente do derramamento de sangue pelo que passam seu compatriotas em seus países".
- Sarah Ellison e Travis M. Andrews: eles citam críticos que condenam"conceitos orientalistas de 'civilização'" e "o racismo casual".
Com equiparável estado de espírito, o New York Times relatou que a empatia pelos ucranianos "tinha um quê de amargura" dos levantinos que viram poloneses e outros não ocidentais "assumindo uma postura mais misericordiosa em relação aos ucranianos do que pelos migrantes árabes e muçulmanos que tentavam desesperadamente chegar com segurança ao litoral europeu nos últimos anos. " O The Economist observou que "muitos europeus se sentem mais à vontade em receber um grande número de ucranianos do que sírios ou afegãos" e consideraram o racismo "com certeza um fator" a ser levado em conta por esta diferenciação.
E assim foi indo. A Associação de Jornalistas Árabes e do Oriente Médio, uma organização americana, rejeitou "implicações orientalistas e racistas" segundo a qual alguma população ou país é "incivilizada", e salientou que isso "desumaniza" os que não são do Ocidente. Moustafa Bayoumi, acadêmico americano, lamentou que dar refúgio "com base em fatores como proximidade física ou cor da pele" ou simpatia somente por aqueles "que se parecem com a gente ou oram como nós" reflete um "nacionalismo estreito e ignorante".
Em Israel, Pnina Tamano-Shata, ministra da Imigração e Absorção, de origem etíope, criticou abertamente os colegas pela "hipocrisia dos brancos" em relação ao tratamento que o governo concede aos refugiados da Ucrânia comparado com os da Etiópia.
Um nigeriano em Atenas acrescentou: "eu ouço as pessoas dizerem: 'todas as vidas importam', mas não, elas não importam da mesma maneira. Vidas negras importam menos." Ayo Sogunro, escritor nigeriano, tuitou: "não consigo tirar da minha cabeça que a Europa ficou estressada por causa de uma 'crise migratória' em 2015 porque 1,4 milhão de refugiados que fugiam da guerra na Síria foram absorvidos e, no entanto, rapidamente absorveu cerca de 2 milhões de ucranianos em poucos dias, como manda o figurino, com bandeiras e música de piano. A Europa nunca teve uma crise migratória. O que ela tem é uma crise de racismo."
"Todos os Necessitados"
Tais críticas têm um propósito nítido e notório: fazer os ocidentais se sentirem culpados e, assim, transformar a experiência ucraniana em modelo para o mundo inteiro. Todos os migrantes, sem exceção, devem ser acolhidos como os da Ucrânia.
E, assim o ministro das Relações Exteriores do Catar Mohammed bin Abdulrahman al-Thani botou a boca no trombone com respeito aos ucranianos se dando melhor do que sírios, palestinos, líbios, iraquianos e afegãos, depois exigindo que a crise na Ucrânia sirva como "sinal de alerta" para que as questões do Oriente Médio sejam tratadas "com o mesmo nível de comprometimento". O Presidente Emmanuel Macron da França disse o mesmo, porém de forma mais evasiva, apontando como "esta crise lembra alguns em torno da mesa que mostraram menos solidariedade quando a pressão migratória veio de outras fronteiras da Europa de que é bom que a Europa seja totalmente solidária e responsável como um todo".
Acadêmicos(as) como Lamis Abdelaaty da Universidade de Syracuse, especialista em respostas políticas a refugiados, concorda. "É maravilhoso ver a resposta verdadeiramente acolhedora dispensada aos ucranianos. Torço para que esse tipo de resposta seja implementada a outros grupos de refugiados que estejam fugindo de situações muito semelhantes e que são igualmente dignos da nossa compaixão e nossa assistência. Espero que este momento realmente fará com que as pessoas reflitam criticamente sobre a motivação de acharem que certas pessoas são dignas de proteção e outras não."
ReliefWeb, um serviço prestado pelo Escritório das Nações Unidas de Coordenação de Assuntos Humanitários, imediatamente elogiou o tratamento dado aos refugiados ucranianos sobre "como o regime internacional de proteção a refugiados deveria funcionar". Na opinião da ReliefWeb, os países deveriam
manter suas fronteiras abertas para aqueles que fogem de guerras e conflitos, evitar verificações desnecessárias de identidade e segurança, os que fogem da guerra não deveriam ser penalizados por chegarem sem identidade e documentos de viagem válidos, medidas de detenção não deveriam ser usadas, os refugiados deveriam ter o direito de se juntarem livremente aos membros da família em outros países, comunidades e seus líderes deveriam acolher os refugiados com generosidade e solidariedade.
Isso soa bastante razoável até que nos lembremos que na linguagem da ONU, o termo refugiado inclui praticamente todos os migrantes, de modo que o apelo se refere a quase todos que se encontram além das fronteiras de seu país.
Como não poderia deixar de ser, grupos de defesa de imigrantes entraram nessa onda. Conforme o Washington Post favoravelmente reporta, eles "aplaudem o tratamento mais acolhedor aos ucranianos, mas querem que outros recebam o mesmo nível de generosidade". Suas declarações replicaram o mesmo ponto de diversas maneiras:
- Andy Hewett do Refugee Council do Reino Unido: "não há diferença entre os riscos enfrentados pelos refugiados ucranianos e os riscos enfrentados pelos refugiados de outras zonas de conflito mundo afora. E a resposta do governo do Reino Unido tem que ser consistente. Eles não podem ter uma porta aberta para um grupo e ao mesmo tempo bater a porta na cara de outro grupo."
- François Guennoc do L'Auberge des Migrants: "é ótimo ver tudo isso sendo posto em prática (para os ucranianos). Mas gostaríamos que todos que fogem da guerra fossem tratados assim... Refugiado é refugiado. Não deveria haver discriminação."
- Jenny Yang do World Relief: "sem dúvida, precisamos reassentar um grande número de ucranianos por vários meios, mas espero que nosso compromisso com os ucranianos também aprofunde nosso compromisso com outros grupos de refugiados que precisam de proteção".
- Nikolai Posner do Utopia 56: a diferença na recepção é "boa vontade versus maus tratos".
- Judith Sunderland do Human Rights Watch: a "enorme empatia e solidariedade (para com os ucranianos) deveria se estender a todos os necessitados".
Atente para as palavras: "todos os necessitados". Isso define um grupo potencialmente ilimitado de pessoas. Semanticamente, refugiado = candidato a asilo = migrante = todos os necessitados.
Essas declarações sinalizam a extensão do que os políticos, instituições internacionais, organizações não governamentais, intelectuais e ativistas, que defendem os migrantes têm em mente. A título de exemplo: se essas novas regras fossem aplicadas a Melilha e Ceuta, dois enclaves espanhóis no Marrocos, qualquer um que chegasse ao Marrocos poderia entrar em um ou outro destes enclaves, ser enviado sem qualquer questionamento, gratuitamente para a Espanha, receber benefícios financeiros, moradia, educação e saúde e ficar por lá durante anos ou para sempre.
Esclarecendo a Diferença
Focar apenas e tão somente no preconceito, no entanto, ignora uma infinidade de razões que explicam a diferença na recepção dada aos migrantes ucranianos e aos que não provêm do Ocidente:
Refugiados x migrantes econômicos: os ucranianos estão flagrantemente fugindo da guerra, ao passo que os que não vêm do Ocidente querem melhorar de vida. Os ucranianos que estão deixando seu país são, acima de tudo mulheres e homens com menos de 16 ou com mais de 60 anos (o governo da Ucrânia proibiu que homens entre essas idades deixem o país), os que não vêm do Ocidente são em grande parte o oposto, homens em idade de prestar o serviço militar, pouquíssimas mulheres, crianças e idosos. Na migração em massa de 2015, por exemplo, 73% dos migrantes eram do sexo masculino e 42% tinham entre 18 e 34 anos. (Entre estes se encontravam 17% de migrantes da Europa, portanto a porcentagem de migrantes de outras regiões é consideravelmente maior.) E também não se trata somente da demografia, o fato dos que não vêm do Ocidente raramente pararam no primeiro país da UE em que entraram, conforme exige a Convenção de Dublin, mas continuaram viajando para destinos mais privilegiados como Alemanha e Suécia, o que confirma as motivações econômicas.
Pouquíssimas mulheres, crianças e idosos nessa multidão de migrantes ilegais em marcha em 2015. |
Relutância x avidez: os ucranianos saem de casa sob coação e veem o exílio como emergencial e temporário, não como um assentamento permanente. De fato, são tantos os voltam para casa que há dias em que a Polônia registra mais ucranianos saindo do que entrando, ocasionando longa espera na fronteira. Segundo uma mãe acompanhada de cinco filhos, "todos os países europeus nos deram comida grátis, abrigo grátis. Devemos muito a eles e estamos muito gratos", salientou ela. "Mas nós queremos ir para casa." Uma jovem deixou a avó na Itália e explicou que "todos os dias minha avó tenta nos convencer a ficar, mas é complicado viver num país estrangeiro sem nosso dinheiro, sem trabalho. As pessoas não querem ser refugiadas. Não queremos começar uma nova vida no exterior. Quero ficar na minha casa, no meu país. Tudo o que temos em nossas vidas está lá." Ou então, nas palavras de um Ucraniano de 70 anos em prantos: "queremos voltar para casa. Uma terra estrangeira sempre será estrangeira. Agradecemos a todos em diferentes países, mas sempre desejaremos voltar para casa. Assim que os bombardeios pararem, voltaremos para casa." Por outro lado, os que não vêm do Ocidente deixam voluntariamente suas terras natais, às vezes com festas de despedida e esperam se estabelecer permanentemente no Ocidente.
Proximidade x distância: os ucranianos são geograficamente vizinhos ou quase vizinhos. Seus anfitriões já podem até ter visitado a Ucrânia, conhecer pessoas de lá, falar um idioma parecido ou ter outras ligações. Isso lhes dá um interesse pessoal na Ucrânia geralmente ausente em relação a lugares distantes. Conforme apontou o economista escocês Adam Smith em 1817, se um europeu comum não tiver nenhuma ligação pessoal com a China, ele se "disporia a sacrificar a vida de cem milhões de chineses" na China do que perder um dedo da sua mão. Via de regra chegando de longe, os não ocidentais obteriam menos empatia.
Solidariedade x discórdia: os não ocidentais compartilham um cotidiano político com os ucranianos, uma conexão instantânea e emocional com o sofrimento de um povo inocente. Curdos e somalis podem até ter histórias comparáveis, mas elas permanecem em grande parte obscuras para os não ocidentais. A extrema ambiguidade moral de um país como a Síria exacerba a indiferença.
Invasão x problemas internos: a manifestação de preocupação pelos ucranianos lembra a resposta dada à situação dos kuwaitianos em 1990/1991, nos dois casos, um poder belicoso consideravelmente maior invadiu e tentou abocanhar o vizinho. Esses casos, e possíveis casos futuros relacionados a Taiwan, Bahrein ou Israel, inspiram muito mais simpatia do que os problemas mais generalizados de agitação civil e tirania.
Interesse próprio x indiferença: em se tratando de Putin, o Ocidente divide um inimigo comum com a Ucrânia e quer que ele seja urgentemente derrotado antes que possa causar mais tragédias. Um especialista em política externa polonesa observa a "generalizada compreensão de que os ucranianos não estão lutando só por si próprios, mas também pelos nossos objetivos. As aspirações de Putin não terminam na Ucrânia... Se ele se sair bem na Ucrânia, ele irá mais longe". Embora governos ocidentais aleguem interesses de segurança quanto a países como Somália ou Iraque, poucos cidadãos comuns se preocupam muito quando os países em questão não são democracias.
Qualificações viáveis x desemprego: os ucranianos têm mais know-how para a economia do que a maioria dos migrantes que não vêm do Ocidente, tornando-os mais propensos a se tornarem membros produtivos da sociedade e não beneficiários do estado de bem-estar social. Isso, obviamente, melhora a sua acolhida.
Trabalho x bem-estar social: os ucranianos têm em si uma forte ética de trabalho juntamente com um senso de dignidade no trabalho. Na simples eloquência de um pintor com necessidades especiais de 42 anos: "não quero ser um fardo. Quero continuar ganhando a vida, para poder contribuir com dinheiro para o esforço de guerra e, mais dia menos dia, reconstruir minha vida na Ucrânia". Muitos migrantes que não vêm do Ocidente, ao contrário, preferem viver sob a tutela do Estado, em alguns casos notórios com várias esposas e um grande número de filhos.
Boa cidadania x criminalidade: quando da elaboração deste artigo, 5,8 milhões de ucranianos já tinha deixado seu país, uma diligente busca na mídia em vários idiomas não achou um único relato de uma onda de crimes. Contrastando, os migrantes que não vieram do Ocidente não só multiplicaram os índices de criminalidade onde quer que chegaram, como também até inventaram novas formas de criminalidade que precisaram de nomes novos, como gangues de abusadores de meninas, taharrush (agressão sexual em massa) e förnedringsrån (assaltos a menores).
Este aviso na beira de uma piscina alemã de 2013 não seria necessário para refugiados ucranianos: "é proibido assédio sexual verbal e físico a mulheres, independentemente de suas vestimentas!" |
Moderação x islamismo: a Ucrânia não abriga grupos jihadistas ou outros islamistas. A pequena população muçulmana do país não se envolveu em nenhuma violência ou em outras formas de supremacia em nome do Islã, ao contrário de tantos migrantes muçulmanos. (Na medida em que a jihad existe na Ucrânia, ela é composta acima de tudo de estrangeiros vindos para lutar a favor ou contra as forças russas.)
Semelhança x diferença cultural: as pessoas procuram os que lhes são semelhantes, tornando o pendor cultural uma poderosa força poderosa. Os ucranianos fazem parte da mesma civilização de outros não ocidentais, desde a Roma antiga e a religião cristã até semelhanças linguísticas e o Iluminismo. Em contrapartida, muitos não ocidentais mantêm atitudes hostis em relação à civilização ocidental.
Assimilação x separatismo: os ucranianos se consideram semelhantes aos seus vizinhos, ao contrário de muitos migrantes não ocidentais, em especial muçulmanos, que estabelecem suas próprias comunidades. Macron chama isso de "separatismo islamista". Os anfitriões ocidentais podem ficar tranquilos que os ucranianos e seus descendentes não incendiarão carros de polícia, não ensurdecerão seus serviços ortodoxos orientais por meio de alto-falantes, não marcharão a favor do Hamas ou decapitarão um professor que exibiu um desenho animado em sala de aula.
Números limitados x ilimitados: a Ucrânia antes da invasão tinha uma população de 44 milhões, se todos os ucranianos saíssem e se mudassem para a Europa (não russa) e América do Norte, esse contingente poderia ser prontamente absorvido por uma população de cerca de 900 milhões. À medida que a população da África cresce de 1,4 bilhão para estimados 4 bilhões em 2100, tamanho contingente poderia sobrecarregar ou até substituir os ocidentais.
Em suma, o contraste é gritante. De um lado estão os ucranianos, um povo vizinho de tamanho limitado e cultura, idioma, religião e qualificações semelhantes, fugindo de um ataque genocida externo. De outro, povos de culturas estrangeiras, línguas estrangeiras, muitas vezes com uma religião historicamente rival, abrigando várias formas de hostilidade, chegando em grande número sem autorização, somente para seu benefício econômico pessoal, apesar do nível geralmente baixo de qualificação.
Pensando no Futuro
A análise acima leva a três conclusões. Em primeiro lugar, não deveria pegar ninguém de surpresa que as respostas ocidentais aos migrantes ucranianos e não ocidentais variem tanto quanto os dois grupos e não deveriam causar constrangimento. Raça e religião inegavelmente desempenham algum papel nas diferentes reações do Ocidente, mas outros inúmeros fatores de maior importância explicam a aceitação mais fácil dos migrantes ucranianos. Em vez de se flagelar por acolher ucranianos, europeus e americanos deveriam se orgulhar dessa generosidade.
Em segundo lugar, o acolhimento concedido aos refugiados ucranianos não pode virar modelo para todos os migrantes de todos os lugares, em todas as circunstâncias, em todos os momentos. Só para lembrar, ele é realmente excepcional: os ucranianos podem entrar em países estrangeiros sem documentos onde, graças ao "mecanismo de proteção temporária" da UE, eles não acabam sendo enviados a campos de refugiados e têm acesso automático a moradia, saúde e educação. Eles podem usar gratuitamente ônibus, trem e transporte aéreo. Eles podem gastar €300 em sua moeda local. Tais privilégios não devem se tornar padrão para todos os estrangeiros, baseados na falsa ideia segundo a qual migrante é migrante e que todos devem ser tratados da mesma maneira, independentemente da cultura, idioma, religião e qualificação, independentemente do status legal, número, motivação e ideologia. As distinções devem continuar sendo feitas. Sucumbir às pressões que fazem a Europa voltar à imigração ilegal de 2015/2016, quando qualquer um de qualquer lugar poderia entrar, é abrir as portas ao caos e ao colapso da civilização ocidental.
Em terceiro lugar, a crise da Ucrânia aponta para a necessidade de se pensar em termos de zonas culturais, cada qual acolhendo seus próprios povos. Os levantinos e africanos, de maneira geral, deveriam ficar em suas próprias regiões, os europeus nas deles. O que seria mais natural do que isso? Levantinos que buscam uma vida melhor poderiam olhar para seus irmãos árabes e muçulmanos, não para o Ocidente, o mesmo vale para os africanos. É tão absurdo os curdos se refugiarem na Alemanha e os somalis na Suécia quanto os ucranianos se refugiarem nos Emirados Árabes Unidos (que acabou com a isenção de visto para os ucranianos dias após o início da guerra). [1]Em seu lugar, os do Oriente Médio poderiam procurar refúgio na Arábia Saudita e em outros países ricos e estáveis. Os africanos poderiam ir para o Gabão ou África do Sul. E assim por diante, em todo o mundo. A avalanche de refugiados ucranianos mostrou como nenhum outro evento desde a Segunda Guerra Mundial que o Ocidente é o refúgio natural para seus próprios povos, não para os do mundo inteiro.
Daniel Pipes (DanielPipes.org, @DanielPipes) é o presidente do Middle East Forum. © 2022 por Daniel Pipes. Todos os direitos reservados.
[1] A Turquia é a exceção. Devido ao desejo de sua liderança pré-Erdoğan de ser visto como europeia, o governo limita o status de refugiado aos europeus e ainda permite que eles entrem.
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