Seth Frantzman entrevista Daniel Pipes. Com ligeiras diferenças da versão do J.P., incluindo certas elipses. Entrevista realizada em 12 de dezembro de 2022.
Instalado o novo governo de Israel, o país se encontra numa encruzilhada. Após um ano e meio de governo com raízes de centro-esquerda, chega ao poder uma coalizão de direita, liderada por Benjamin Netanyahu.
Netanyahu já liderou Israel no passado, de modo que Israel pode acabar buscando as mesmas políticas do passado. No entanto, há também a chance de Israel dar novos passos que mudariam a trajetória de longo prazo do país bem como a dos palestinos.
Para tanto, o historiador americano Daniel Pipes, presidente do Middle East Forum desde a fundação em 1994, está trabalhando em um livro sobre o conflito israelense/palestino. Recentemente ele foi a Israel para se encontrar com elementos chave e também trocar ideias no sentido de alcançar a vitória de Israel no atual conflito.
O que motivou a sua vinda a Jerusalém?
Eu me encontrei com uma editora há cerca de seis meses que me sugeriu escrever um livro sobre o fim do conflito israelense/palestino. Como eu poderia dizer não? Comecei no final de setembro e espero terminá-lo ainda este ano. Estou em Israel para fazer perguntas a várias pessoas sobre as percepções dos israelenses sobre o assunto.
Qual é a sua proposta?
Para que haja uma resolução justa para o conflito é necessário que os palestinos percam a esperança. Somente quando eles desistirem de seu objetivo de guerrear e eliminar Israel é que o conflito chegará ao fim. Israel tem que vencer e os palestinos tem que perder.
Esta fundamentação pode até causar espanto justamente porque vai na contramão da premissa dos Acordos de Oslo, que promoveu não a vitória, mas uma noção de esperança e compromisso dos palestinos. A argumentação teorizou que apartamentos bonitos, carros último tipo, ensino de qualidade e excelente assistência médica proporcionariam prosperidade aos palestinos, que por sua vez iria reverter a radicalização e que os tornaria verdadeiros parceiros da paz.
Entretanto, passados quase trinta anos, todas as pesquisas de opinião e inúmeros depoimentos informais indicam que a maioria dos palestinos mantém a fantasia de eliminar o estado judeu. Tal meta deve ser combatida para que eles a abandonem, não alimentá-los com esperança. Isso se enquadra em um padrão básico, qual seja, que as guerras procuram fazer com que o inimigo perca as esperanças.
A maioria dos palestinos mantém a fantasia de eliminar o estado judeu. Acima, palestinos atiram pedras contra forças israelenses em 2022. |
Mas Oslo já foi há muito tempo, não?
Sim, os acordos de Oslo de 1993 caíram em descrédito e também praticamente no esquecimento, execrados tanto pelos palestinos como pelos israelenses. Apesar disso, o objetivo principal de enriquecer os palestinos vai muito bem, obrigado. Por exemplo, o plano "Paz e Prosperidade" de Trump disponibiliza aos palestinos US$50 bilhões para que, em troca, deixem Israel em paz. Eu acabei de me encontrar com Avigdor Liberman e até ele falou estar disposto a "substituir a jihad pela prosperidade" e transformar Gaza na "Cingapura do Oriente Médio". A mesma abordagem também se estende aos países árabes, como mostra a recente assinatura de Israel de um acordo de fronteira marítima para lá de generoso com o Líbano.
O que há de errado com isso?
A generosidade para com os inimigos vai também contra a história e o bom senso. Historicamente, os inimigos os sitiavam para que morressem de fome, interrompendo o fluxo de alimentos, água e equipamentos militares, esta tática continua sendo utilizada hoje em dia, vide cortar os laços econômicos com a Coreia do Norte, Rússia e outros países párias. O bom senso confirma isso, a exemplo de uma briga no pátio da escola que continua até que um dos lados desista. A abordagem tradicional da guerra procura perspicazmente derrotar, não passar a mão na cabeça do inimigo.
Mas Israel já não derrotou seus inimigos na Guerra dos Seis Dias em 1967?
Alguns deles, sim. Aquela extraordinária vitória no campo de batalha, provavelmente a maior já registrada na história da humanidade, tirou o fôlego dos países árabes, que logo em grande medida abandonaram o conflito com Israel. Mas, durante o processo, os palestinos pularam de cabeça e tomaram o lugar deles. Embora os palestinos sejam, objetivamente falando, muito mais fracos do que os países árabes, sem poderio militar ou econômico, eles mostraram ser muito mais determinados e persistentes, para eles, eliminar Israel é uma questão de identidade.
Explique a guerra palestina contra Israel.
Ela começa com o rejeicionismo, a recusa palestina em aceitar qualquer aspecto do judaísmo, judeus, sionismo ou Israel em Eretz Israel. Essa ideologia começou há um século com o líder palestino Amin al-Husseini. Embora o rejeicionismo tenha evoluído e se fragmentado, ele continua sendo o consenso palestino e a mola mestra da política palestina. A Autoridade Nacional Palestina e o Hamas têm táticas e recursos diferentes, mas o objetivo é o mesmo, qual seja, eliminar o estado judeu. Isso explica por que as inúmeras concessões feitas por Israel não deram em nada.
Atualmente, o rejeicionismo tem duas frentes: o violento campo de batalha dos atropelamentos, esfaqueamentos, tiroteios e atentados à bomba e o campo de batalha político da deslegitimação por meio da educação, lobby e o movimento de boicote, desinvestimento e sanções (BDS).
O estrategista israelense Efraim Inbar, dirigiu o foco só na violência, chama os palestinos de "inconveniência estratégica". Tal visão não leva a sério o vasto apoio que eles desfrutam em regiões distantes, principalmente entre muçulmanos e esquerdistas. Vide no Irã, na Turquia, em Jeremy Corbyn, em Bernie Sanders e na Assembleia Geral da ONU. A deslegitimação é perigosa e está ganhando força, é o que espero abordar.
Jeremy Corbyn (E) e Bernie Sanders. |
Qual é a diferença entre a hostilidade muçulmana e a da esquerda?
Ao passo que a hostilidade muçulmana a Israel normalmente foca na oposição à existência de um estado judeu, a hostilidade da esquerda é mais limitada à Cisjordânia, Gaza e Jerusalém. Para a esquerda, a situação dos residentes nessas três regiões é o que importa mais e não questões como o desenvolvimento do programa nuclear iraniano, as relações Ashkenazi/Sefarditas, o preço do queijo cottage ou o status dos cidadãos muçulmanos de Israel. É invariavelmente a Cisjordânia, Gaza e Jerusalém. A excepcional máquina de publicidade palestina transformou um problema em termos globais, de somenos, em uma questão de suprema importância.
Israel enfrenta um leque sui generis de ameaças. Elas podem ser divididas em seis categorias: armas de destruição em massa, guerra convencional, conflito de baixa intensidade (terrorismo), demografia, economia e deslegitimação. É digno de nota que Israel neutralizou, eficientemente, as quatro ameaças intermediárias, ficando somente com as armas de destruição em massa e a deslegitimação. A ameaça da deslegitimação, portanto, os palestinos. não são ameaças mais leves a Israel do que o programa nuclear iraniano.
Como é que Israel deveria responder à deslegitimação?
Não dando a ela menos prioridade do que à violência, percebendo que o rejeicionismo não vai desaparecer do nada e que precisa ser desmantelado. Os governos de Israel fracassaram espetacularmente nesse aspecto nos últimos 30 anos. De 1993 a 2000, eles adotaram uma política de apaziguamento, ou seja, "eu lhes dou o que vocês querem e vocês ficam na sua". Seguiu-se então, de 2000 a 2007, uma política ainda mais desastrosa de retiradas unilaterais. Depois disso, até os dias de hoje, veio a política de política nenhuma, de meramente apagar incêndios. Atualmente, não há outro objetivo além de "dar uma palmada" nos palestinos ou deixar tudo para depois. Isso, obviamente, não basta.
A política adequada é convencer os cidadãos da Cisjordânia, de Gaza e os muçulmanos de Jerusalém de que Israel é forte e que está aí para ficar, que eles fracassaram e deveriam desistir da guerra contra Israel. O objetivo, sempre, é coagi-los a abandonarem a fantasia de eliminar o estado judeu de Israel.
Assim que os palestinos aceitarem essa realidade, eles também sairão ganhando, talvez até mais do que os israelenses. Libertados da obsessão irredentista, eles poderão se desvencilhar da atual pobreza e opressão em que se encontram e edificar a política, economia, sociedade e cultura.
Não dá para os dois lados serem prósperos sem derrota? Estou pensando na Irlanda do Norte.
É uma situação totalmente diferente porque na Irlanda do Norte todos são cidadãos britânicos. Um governo democrático não pode derrotar a própria população. Paralelamente, Israel não pode derrotar os cidadãos muçulmanos de seu país.
Os palestinos não foram em grande medida derrotados na Segunda Intifada?
Israel tomou as rédeas naquela onda de violência, sim. A manobra, contudo, não gerou a sensação de derrota, somente uma mudança de tática. Iasser Arafat contou com a violência para pôr abaixo o moral dos israelenses, fazer com que eles emigrassem e acabar com o investimento estrangeiro, Mahmoud Abbas não acabou com a violência quando assumiu em 2004, mas mudou o foco no sentido de deslegitimar Israel no cenário internacional, lembremo-nos do execrável pronunciamento feito na Alemanha sobre os palestinos sofrerem "cinquenta holocaustos". Esta campanha está dando certo, disseminar o antissionismo.
Todos os palestinos apoiam o rejeicionismo de Amin al-Husseini?
Não. Embora estivesse na crista da onda por um século, ao longo desse período todo, cerca de um quinto dos palestinos discordavam e forneciam uma série de serviços a Israel. No livro Army of Shadows: Palestinian Collaboration with Zionism, 1917–1948 ("Exército das Sombras: Colaboração Palestina com o Sionismo, 1917–1948"), Hillel Cohen mostra a crucial importância da ajuda palestina ao Yishuv (comunidade judaica pré-estado em Eretz Israel), eles forneciam mão-de-obra, participavam do comércio, vendiam terras, vendiam armas, entregavam bens do estado, forneciam informações sobre as forças inimigas, espalhavam rumores e dissensões, convenceram outros palestinos a se renderem, lutaram contra os inimigos do Yishuv e até operavam atrás das linhas inimigas. Cohen não diz, mas eu digo: Israel não teria surgido sem a ajuda dos palestinos que trabalhavam em conjunto com os israelenses. Mas sempre foram e continuam sendo uma minoria, sempre foram e continuam sendo ameaçados.
E quanto ao novo governo. O recém empossado primeiro-ministro Netanyahu não acredita na força?
Sim, ele acredita, mas força não é a mesma coisa que vitória. Conversei com ele a respeito da vitória de Israel e ele gostou da ideia, sem prometer nada. Eu entendo, Israel é constantemente criticado. Se a vitória de Israel fosse implementada, ela provocaria mais problemas no curto prazo. Portanto, é mais fácil empurrar o problema com a barriga e manter o status quo de usar as forças de segurança para manter a calma, posicionando-as mais como uma força policial do que como uma força militar. A polícia não almeja a vitória e sim a calma, sem destruir propriedades nem ferir ninguém.
E quanto aos outros do novo governo?
Estou estudando os novos figurões do poder. Pelo que estou vendo, o foco deles não é vencer, mas têm duas péssimas ideias: Bezalel Smotrich quer anexar toda a Cisjordânia e Itamar Ben-Gvir quer expulsar a população palestina do país.
A anexação significa incluir alguns milhões de cidadãos palestinos ao Estado de Israel ou então mantê-los numa situação de subordinação, duas tragédias anunciadas. O rompante "kahanista" de expulsar os palestinos não só não resolve nada, como também cria inúmeros problemas a mais. Os que foram expulsos ficam mais dedicados a destruir Israel. A fúria vem à tona dentro de Israel, entre os judeus na diáspora e no mundo como um todo. Não se vence uma guerra anexando nem desabrigando os inimigos. A guerra é vencida quando o vencedor impõe a sua vontade em cima dos derrotados.
O senhor aceita a "solução de dois estados".
Sim, é a solução menos pior de longo prazo. Mas enfatizo longo prazo. Isso só poderá acontecer depois que os palestinos desistirem da guerra contra Israel, após um período prolongado no qual os judeus que vivem em Hebron não enfrentarem mais perigos do que os muçulmanos que vivem em Nazaré e quando Israel for só mais um membro das Nações Unidas, como qualquer outro. Até que chegue esse auspicioso, porém distante dia, eu prefiro que a Jordânia administre a Cisjordânia e o Egito administre Gaza.
Os Acordos de Abraham e o foco sobre a Ucrânia e sobre a China mudam as coisas?
Não necessariamente. Os Acordos de Abraham são excelentes, tanto em si mesmos quanto por terem feito Netanyahu abandonar o plano de anexar partes da Cisjordânia em 2020. A Ucrânia e a China reduzem a intensidade dos holofotes sobre o conflito palestino/israelense, o que sempre é uma coisa boa. Mas as prósperas relações de Israel com os Emirados Árabes Unidos e com outros países praticamente não diminuíram a campanha palestina de deslegitimação de Israel. E sempre que a Autoridade Nacional Palestina ou o Hamas desejarem que os holofotes voltem, eles conseguirão, num estalar de dedos.
Como é que Israel deveria lidar com os holofotes internacionais?
Reconhecendo que eles fazem parte da vida e achar um jeito de lidar com isso. Quando o Hamas resolve lançar mísseis contra Israel, sabe muito bem que será derrotado militarmente, mas que irá obter apoio político internacional. Na mesma linha, Israel sabe que será derrotado internacionalmente, então deveria aproveitar a crise para mandar um duro recado à população de Gaza de que ela perdeu a guerra. Em última análise, a cobertura da mídia importa menos do que a vitória no palco dos acontecimentos.
A Cúpula da Rocha no Monte do Templo, a mais antiga estrutura islâmica ainda em uso, verão de 1969. © Daniel Pipes. |
Eu prefiro postular a vitória de Israel como objetivo político, sem entrar em detalhes de estratégias e táticas. Primeiro, é prematuro entrar em detalhes. Segundo, se aprofundar nessas pautas desvia a atenção da formulação do objetivo da política.
Dito isto, Israel conta com um extraordinária leque de expedientes por conta do seu incomparável poder, se comparado com o dos palestinos, não só militar e econômico. Um exemplo bastante original: Mohammad bin Salman, príncipe herdeiro saudita, provavelmente adoraria incluir Al-Aqsa à sua coleção de relíquias sagradas islâmicas, justamente quando Teerã contesta o controle saudita sobre Meca e Medina. Que tal Israel abrir negociações sobre esse assunto com Riad e oferecer a joia da coroa da Autoridade Nacional Palestina em troca de plenas relações diplomáticas e a mudança no status quo no Monte do Templo?
Dá para Israel derrotar o Hamas sem reocupar Gaza?
Reiterando, prefiro não fazer considerações estratégias ou táticas, mas, já que você levantou a lebre, vou apresentar uma tática: Israel declara que um único ataque com míssil de Gaza se reverterá no fechamento de fronteira por um dia: nada de água, comida, remédios ou combustível atravessará a fronteira de Gaza. Dois mísseis dois dias e assim por diante. Garanto que tal medida melhorará rapidamente o comportamento do Hamas.
Israel também precisa derrotar os apoiadores de esquerda dos palestinos?
Não, longe disso. Além do que, seria impossível. Fora isso também não é necessário, pois eles são meros seguidores. Imagine se os palestinos reconhecessem a derrota e aceitassem de verdade o estado judeu, isso puxaria o tapete do antissionismo da esquerda. Manter a postura de ser mais santo do que o papa é muito complicado. Israel tem a sorte de seu principal inimigo ser tão pequeno e tão fraco.
Com o tempo, os palestinos se inclinariam em aceitar Israel?
O ex-ministro Yuval Steinitz acabou de me dizer que 75% dos palestinos chegaram à conclusão que é melhor aceitar a existência do Estado de Israel e tocar a vida, não sei não. Recentemente o Palestinian Center for Policy and Survey Research constatou que "72% da população (84% na Faixa de Gaza e 65% na Cisjordânia) disseram que são a favor da formação de grupos armados como o "Cova dos Leões", que não recebem ordens da Autoridade Nacional Palestina e que não fazem parte dos serviços de segurança da ANP, 22% são contra." Sim, há certa calma generalizada, no hotel onde nos encontramos, o Dan Jerusalem no Monte Scopus, o Staff palestino fez seu trabalho ordenadamente sem esfaquear ninguém. Mas na hora do vamos ver, num momento de crise, digamos um ataque de foguete do Hamas, eu evitaria este hotel bem como a maioria dos outros hotéis em Jerusalém.
A liderança passada de Israel parece aceitar a ideia de Micah Goodman de 'encolher o conflito', o senhor também acha isso?
Não, eu vejo isso como mais uma tentativa, na longa lista de tentativas, de enrolar a difícil tarefa de alcançar a vitória. Nas ideias anteriores havia os seguintes preceitos: expulsar os palestinos pela força ou saída voluntária, o esquema Jordânia é Palestina, erguer mais cercas, encontrar uma nova liderança palestina, exigir boa governança, implementar o Road Map, financiar um Plano Marshall, impor uma tutela, estabelecer forças de segurança, dividir o Monte do Templo, arrendar o território, retirada unilateral e assim por diante. Nenhum deu certo, nenhum dará certo. É imperativo que haja derrota e vitória.
A queda da República Islâmica do Irã ajudaria?
Sim, a mudança de regime no Irã traria enormes implicações para o Oriente Médio, mas não muito na guerra dos palestinos contra Israel. O colapso político dos mulás não acabará com a convicção dos palestinos de que o rejeicionismo funciona, de que a "revolução até a vitória" irá prevalecer, de que eles têm condições de eliminar o estado judeu. Israel não pode terceirizar a vitória.
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