Sara Lehmann entrevista Daniel Pipes.
Título no Hamodia: "Entrevista – De Olho no Islã
Edição com poucas alterações.
O que levou o senhor a se interessar pelo estudo do Islã?
Na época em que eu estava na faculdade viajei pelo Oriente Médio e pela África, ávido para saber mais. Assim, deixei o curso de matemática para estudar o Oriente Médio e o idioma árabe. Acima de tudo, eu queria entender o impacto do Islã na vida das pessoas, tanto muçulmanas quanto não muçulmanas, nem tanto a teologia e mais o papel histórico do Islã. Meu PhD. foi exatamente sobre esse assunto, entender o papel do Islã na política e na vida pública. Nunca deixei o tema, contudo também fiz outras coisas. Uma delas foi fundar o Middle East Forum.
Quais pontos de vista o senhor almeja promover com a instituição?
Com a queda do Muro de Berlim e a assinatura dos Acordos de Oslo, achei que tinha chegado a hora de fundar um instituto interdisciplinar de estudos que focasse no Oriente Médio, especificamente sob a ótica dos interesses americanos. Na qualidade de historiador, acredito ser necessário contemplar uma perspectiva histórica como um todo. Ela mudou ao longo de 29 anos, mas a ideia básica de olhar para os interesses americanos continua a mesma. O principal incremento foi olhar também para o Islã no Ocidente.
O senhor é conhecido como especialista na área e um ferrenho crítico do Islã radical, responsável em grande medida pelo terrorismo islâmico. Como o senhor explica as raízes do terrorismo no que se refere à religião e à cultura islâmica?
O Islã é a mais politizada das religiões, cujas leis públicas continuam em vigor. Para aplicar as leis públicas islâmicas é necessário que haja um governante muçulmano. Assim sendo, o Islã, por sua própria natureza, inclui a ânsia ao poder. Isso significa que se os muçulmanos não estiverem governando, eles deverão ser substituídos por muçulmanos e se os muçulmanos estiverem governando e não aplicando a lei islâmica à risca, eles deverão ser substituídos por governantes que irão aplicar as leis islâmicas tim-tim por tim-tim. É uma poderosa dinâmica no Islã. O movimento islamista moderno se apega a isso e a torna o ponto nevrálgico de seu programa, é poder, poder, poder. A dinâmica sofre a influencia dos movimentos radicais ocidentais do Século XX, como o fascismo, que resulta em algo como o Talibã ou o ISIS, no qual o Islã é tudo, assim como o marxismo é tudo. Não há escapatória, ao passo que o Islã tradicional é muito menos caxias.
Certa feita o senhor disse que "o Islã radical é o problema, o Islã moderado é a solução". Quantos muçulmanos são moderados se comparados aos radicais e como aqueles poderiam moderar o Islã?
Quando eu apresentei a frase acima há 20 anos, os moderados eram realmente uma parca minoria. Eles têm mais visibilidade agora do que naquela época. Eles contam com mais expressividade, são mais organizados e mais combativos agora. Eles estão inseridos em governos, como o presidente egípcio Abdel Fattah El-Sisi e o príncipe herdeiro da Arábia Saudita Mohammed bin Salman, só para dar alguns exemplos de dois pesos pesados. Também é possível ver isso no Ocidente. Nos Estados Unidos, já há muçulmanos articulados que mostram a cara e combatem a variante islamista com livros e plataformas. mas ainda há um longo caminho pela frente.
O senhor considera os Acordos de Abraham uma derivação bem sucedida desse processo?
Sim. Na realidade o processo começou na Administração Obama, quando o governo dos EUA de um lado mitigou a importância do Oriente Médio e do outro lado procurou acomodar o governo iraniano. Isso alarmou muitos no Oriente Médio, particularmente no Golfo Pérsico e Israel estava presente como alternativa aos EUA. Não foi tanto a fraqueza do islamismo e sim a fraqueza dos Estados Unidos que fez com que os Emirados e outros confiassem mais em Israel.
Em um recente discurso diante da AIPAC, Netanyahu ressaltou que está otimista visto que "os líderes árabes mudaram seu jeito de ver Israel e agora eles nos veem como parceiros, não como inimigos". No entanto, Israel foi duramente criticado por conta da visita de Ben-Gvir ao Monte do Templo pelos Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Jordânia. O quão confiável são esses países islâmicos considerados "parceiros" quando eles sentem que há alguma rusga em relação à sua religião?
Há dois meses eu escrevi um artigo na revista Commentary, com o título "Vitória Parcial de Israel", no qual argumentei que os países árabes estiveram em guerra com Israel durante 25 anos, de 1948 a 1973. Já faz 50 anos que eles não guerreiam com Israel, salvo duas pequenas exceções em 1982 e 1991. Eles jogaram a toalha. Não me refito a todos os países árabes, o governo sírio não faz parte deste bloco. Mas, de modo geral, os governos de língua árabe se acomodaram com a existência de Israel. É uma realidade. Os israelenses estão vendendo a eles armamentos sofisticados. Não se vende armamentos desta magnitude a um governo que se imagina poderá se voltar contra o seu próprio país.
Mas, conforme o senhor apontou, há diferenças importantes, sendo Jerusalém de modo geral e o Monte do Templo em particular provavelmente os mais polêmicos e emotivos. Via de regra, o padrão é os países árabes terem melhores relações bilaterais com Israel do que multilaterais. No âmbito da Liga Árabe, de organizações islâmicas ou da ONU, eles invariavelmente são negativos a Israel, mas quando as relações são bilaterais, eles tendem a ser positivos. Há tensões, mas não acho que sejam graves o suficiente para comprometer o relacionamento. O que poderia sim comprometer o relacionamento seria os iranianos se tornarem ainda mais ameaçadores e os Emirados e outros ficarem com medo e voltarem atrás em relação a Israel.
Benjamin Netanyahu na AIPAC. |
Por outro lado, e se a ameaça iraniana desaparecer, talvez resultado da mudança de regime devido às manifestações em andamento, e se o que inicialmente uniu esses países a Israel se dissipar? Há razões econômicas e outras suficientes para justificar a longevidade dos Acordos de Abraham?
Não deixa de ser uma pergunta interessante. Estou inclinado a acreditar que sim. Eu acho que se trata de uma dinâmica de longo prazo e ela está indo de vento em popa. O inimigo iraniano em comum é um incentivo. Mas mesmo sem ele, não acho que as boas relações vão desaparecer. A questão palestina continua sendo um problema, mas não é suficiente para acabar com as relações. Há uma mudança de longo prazo por parte dos países árabes em relação à feroz hostilidade do período de 1948 a 1973 para relações, a grosso modo, mais tranquilas, incluindo os seis acordos de paz.
Quanto à sustentação do que o senhor chama de Projeto Vitória de Israel no que diz respeito ao relacionamento de Israel com os palestinos. O senhor poderia ilustrar o que este projeto propõe e que tipo de apoio ele amealhou dentro e fora de Israel?
Muitos falam sobre a necessidade de convencer os palestinos de que Israel está aqui para ficar e que seu governo não pode ser derrotado. O Projeto Israel Victory dá um passo a mais e diz que não só os palestinos precisam entender que Israel não será derrotado, como também que os palestinos têm que ser derrotados. Esta posição vai mais além ainda do que qualquer outra.
Nosso trabalho no Congresso dos Estados Unidos foi bastante eficiente. No período entre 2017 e 2018, no auge da nossa bancada, contávamos com 35 deputados na Câmara. Desde então, abandonamos a causa e nos concentramos em Israel, no Knesset e em inúmeras outras instituições. Estamos detectando que há amplo apreço pela ideia, visto que se trata de uma ideia bastante radical.
Como o senhor definiria derrota?
De uma maneira bem simples, derrota é impor a sua vontade ao inimigo, seja ele qual for. Neste caso, seria aceitar que Israel está aqui para ficar e que ficará para sempre. Meu levantamento sugere que, ao longo do século passado, cerca de 20% dos palestinos aceitaram esta visão. Os árabes desempenharam um papel muito importante, principalmente no período pré independência, quando vendiam terras, inteligência e armas além de fornecer todo tipo de assistência aos judeus. O restante se encontra em estado de negação, a meta tem que ser atingir a percentagem ao redor de 40% a 60%.
Como atingir tal meta?
Este é o desafio. Primeiro estabelecer o objetivo de derrotá-los, o que o governo israelense não fez. Capturar Gaza. O objetivo atual é apenas e tão somente manter a calma. Meu ponto é que os órgãos de segurança de Israel, FDI, serviços de inteligência, polícia e demais agências, querem somente a calma. Eles não querem que foguetes ou mísseis sejam lançados de Gaza e isso é aceitável para eles. Eu digo que isso não é aceitável.
Minha fundamentação é que há três perigos: primeiro a violência, seja ela mísseis, facadas ou qualquer outra coisa. O segundo é, de novo, os governos dos Estados Unidos e da Europa fazendo fila para implementar um processo de paz, que chamo de processo de guerra e que é contraproducente. O terceiro e, talvez, o mais importante, é a virulenta hostilidade a Israel ao redor do mundo, na esquerda, entre os muçulmanos, da extrema direita, da mais variada espécie de ditadores e também de certos elementos cristãos. A nenhum outro país é dirigida tanta hostilidade quanto a Israel. Até agora, ela não impactou muito. Israel está florescendo e, assim, os israelenses tendem a dar de ombros. Estou dizendo, não ajam como se vocês estivessem com a bola toda.
Efraim Inbar |
Não. Efraim Inbar, estrategista de direita, chama os palestinos de "fardo estratégico", quer dizer, melhor se acostumar com isso. A violência é um problema, mas é mais do que isso, ela gera hostilidade a Israel, que os israelenses tendem a não dar a devida atenção, inclusive o governo atual. Eles estão focados na violência, não nas repercussões internacionais. Eu acho que fazem pouco caso diante deste perigo.
O senhor não acha que "dar de ombros" poderia ser a resposta de Israel a essa ameaça, exatamente porque eles reconhecem a oposição internacional? Será que eles estão pisando em ovos com respeito aos palestinos para não botar mais lenha na fogueira da crítica mundial?
Não, minha sensação é que na direita prevalente (a esquerda praticamente desapareceu, pelo menos no eleitorado), há um certo descaso quanto a isso. Eles dizem: "deixe que o mundo diga o que quiser, nós temos o que o mundo precisa, somos fortes e podemos, a grosso modo, não dar bola para isso". Eu continuou dizendo, não, não se pode ignorar uma coisa dessas. Porque, muito embora Jeremy Corbyn não tenha se tornado primeiro-ministro e Bernie Sanders não tenha se tornado presidente, a visão deles é poderosa e pode muito bem virar uma política governamental. Assim, Israel está correndo perigo sim. Nada aconteceu, por enquanto, mas isso não significa que se pode dar de ombros.
Corbyn e Sanders estão interessados em quê? Somente em uma coisa, as condições dos residentes em Gaza, na Cisjordânia e no leste de Jerusalém. Isso precisa ser resolvido e eu estou mostrando um jeito de lidar com a questão. Se for possível convencer os moradores daquelas localidades de que eles perderam, a pressão internacional irá diminuir.
O senhor acha que o ódio aos judeus ou o ódio de si mesmo desempenha um certo papel nessa pressão internacional, que se metamorfoseou em chamar Israel de estado "apartheid"?
Com certeza há um elemento de ódio aos judeus, não nego isso. Mas diferentemente da hostilidade muçulmana a Israel, que tende a ser sobre a própria existência do país, a hostilidade da esquerda tende a ser sobre o tratamento que os israelenses dispensam aos palestinos. A maior parte do ódio tóxico não muçulmano a Israel não tem como meta o fim de Israel, Sanders não quer que Israel desapareça. Há uma raiva quanto a situação dos palestinos.
Por exemplo, Gaza está fora do controle israelense desde 2005, mas ainda é retratada como uma prisão a céu aberto de Israel. Não dá para entender. E há muitas mercadorias indo e vindo de Gaza para Israel, não há necessidade de nada disso, Israel não tem nenhuma obrigação de fazer comércio ou qualquer outra coisa. O antissemitismo tem muito a ver com isso, mas acho que não menos importante é o imperialismo antiocidental.
Usar o termo "Apartheid" não é nenhuma coincidência. Era a palavra usada pelos descendentes de holandeses na África do Sul. Os israelenses são vistos como se fossem europeus, não importa que muitos nem o sejam. A ONU o justifica como descolonização. Há a sensação de que Israel é o último bastião do colonialismo europeu e que deve ser destruído ou transformado como ocorreu com a África do Sul. Para que haja plena integração palestina, é necessário extrair o judaísmo, a Lei do Retorno e o idioma hebraico.
Para combater isso, o Projeto Vitória de Israel procura convencer os palestinos que eles perderam. Não só em termos de violência, mas também e não menos importante, a deslegitimação que ocorre nos campi universitários, organizações internacionais e assim por aí afora.
O quão realista é a Vitória de Israel se grande parte do mundo apoia os palestinos e se os EUA ainda continuam promovendo a solução de dois estados?
Isso não é apoio aos palestinos propriamente dito, isso é dar-lhes benefícios antecipadamente e esperar que tal medida se converta em algo positivo. Eu não diria que a solução de dois Estados, que, aliás, eu apoio, é por si só uma má ideia. Eu a apoio no sentido de que, em última análise, quando os palestinos aceitarem Israel, tudo bem, eles poderão ter um país.
Que medidas práticas o senhor recomendaria para que isso aconteça?
Eu tenho um monte de ideias de medidas práticas, mas não quero enfatizá-las porque não sou israelense nem coronel e também não acho que seja de alguma ajuda entrar em detalhes. Quero levar a cabo o objetivo da vitória, o objetivo de compelir os palestinos a aceitarem que Israel está aqui para ficar, para sempre.
Dito isto, deixe-me dar um exemplo. Israel deveria dizer ao governo de Gaza, o Hamas, que um único foguete ou míssil vindo disparado contra o país equivaleria a um dia sem água, comida, remédios ou energia. Dois mísseis, dois dias. Acho que haverá muita raiva contra Israel por conta disso, mas são medidas eficazes e não exigirão força militar. Vale a pena pagar o preço de aguentar as críticas para convencer os palestinos que eles perderam.
Embora tal medida realmente iria exacerbar o conflito no cenário mundial em detrimento de Israel, que segundo o senhor deveria agir com cautela, ainda assim o senhor acredita que, ao fim e ao cabo, tal medida seria eficaz e, portanto, vale a pena implementá-la?
Exatamente. Há uma tensão nesses dois pontos. A senhora é muito perspicaz em perceber isso. O ambiente internacional é extremamente importante no longo prazo, mas no curto prazo sim, então arrisque e vá fundo. Não é necessário se preocupar com a opinião internacional a cada instante, e sim, no longo prazo, acho que o cenário de Sanders ou, pior ainda, de líderes no melhor estilo Corbyn é real e precisa ser abordado.
Corbyn (E) e Sanders. |
O senhor acha que o governo Netanyahu está no caminho certo quanto às medidas punitivas contra a Autoridade Nacional Palestina (ANP) por sua ação na ONU de arrastar Israel para a Tribunal Internacional de Justiça no seu empenho de deslegitimar Israel?
Estou impressionado com algumas das medidas, particularmente a de subtrair privilégios dos assim chamados ministros da ANP, subtrair dinheiro, o MK Smotrich dizer que não se importa se a ANP existe ou não. De modo geral eu gosto da abordagem, mas ela precisa ser colocada no contexto do objetivo maior. Estas são apenas políticas passo a passo. Costumava haver o objetivo de dissuasão de 1948 a 1993. Depois veio o objetivo do apaziguamento e a retirada de territórios. Agora não há objetivo algum.
Mas há uma longa história de doutrinação anti-Israel entre os palestinos muito difícil de erradicar. Como se muda esta mentalidade?
Em parte por meio de medidas econômicas, articulando-as, criando problemas para o Hamas e para a ANP. Israel tem um poder incrível e toda uma gama de passos. Tem que agir de forma inteligente, sábia e taticamente.
Em vez de oferecer incentivos econômicos como o plano de paz de Trump, o senhor sugere o contrário, medidas econômicas punitivas?
Sim. Veja o que aconteceu com a Rússia no ano passado. Putin fez algo horrível. Veja como o mundo reagiu. Não lhe ofereceu novos contratos e dinheiro. O mundo cortou suas conexões econômicas. Voltando um século, os sionistas trabalhistas tentaram conquistar os palestinos com benefícios econômicos, água potável, eletricidade e muita comida, achando que se reconciliariam com a sua presença. Não deu certo. Não deu certo em Oslo nem no plano Trump. Mas esta forma de agir persiste. Todo mundo diz vamos recompensar os palestinos. Eu digo que não. Não lhes dê nada, faça-os passar pela derrota, deixe-os sentir a dor da derrota.
De modo que, uma vez que eles admitam a derrota, poderá haver acordos e benefícios no estilo de Oslo. É totalmente ilógico dar benefícios ao inimigo enquanto se está em guerra com ele. Esta é uma ideia exclusivamente israelense. Só houve o Plano Marshall após a derrota do Eixo. Temos que fazer com que paguem o preço por continuarem insistindo em eliminar o estado judeu.
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