Título do Global Review: "entrevista com Daniel Pipes sobre o ataque do Hamas: "a ilusão de que a melhora nas condições de vida na população poderá amainar os palestinos remonta às próprias origens do sionismo e persiste apesar de nunca ter dado certo."
Global Review: o ataque do Hamas era previsível?
Daniel Pipes: dado o seu histórico e a sua ideologia, era sim previsível que o Hamas voltaria a atacar Israel. Mas a magnitude e a natureza do ataque foram uma completa surpresa. O ataque se assemelha ao 11 de Setembro no sentido de que, em ambos os casos, os jihadistas executaram algo jamais imaginado. Aliás, isso fez com que o Governo sul-coreano reconsiderasse o acordo fronteiriço com a Coreia do Norte.
Defesas da Coreia do Sul em 2019 na Zona Desmilitarizada na província de Gangwon. |
GR: o ataque tinha como objetivo impedir a normalização israelense com a Arábia Saudita, a presença da dupla Itamar Ben Gvir e Bezalel Smotrich no governo, a escalada da violência na Cisjordânia, as exigências de Teerã, há exatos (50 anos e 1 dia) ou com outra coisa?
DP: pode ser qualquer uma das alternativas ou todas juntas, não sabemos a razão do timing. Poderia simplesmente ser que tudo já estivesse pronto.
GR: Israel foi pego de surpresa devido a uma falha dos serviços de inteligência ou pelo fato da coligação governamental estar tão obcecada com outros assuntos, como por exemplo: reforma judicial e um acordo com a Arábia Saudita, que acabou ignorando os avisos dos serviços de inteligência?
DP: todos os relatos concordam que ocorreu uma enorme falha da inteligência.
GR: o sistema de segurança israelense focou demasiadamente no Irã e no Hisbolá, considerando-os as principais ameaças, esquecendo-se do Hamas?
DP: não, eu acredito que o verdadeiro problema foi não compreender a natureza do Hamas. Os órgãos de segurança acreditavam que daria para administrar o Hamas por meio da economia. A ilusão de que a melhora nas condições de vida na população palestina poderia amainar os palestinos remonta às próprias origens do sionismo e persiste apesar de nunca ter dado certo.
GR: será que os israelenses, que contam com sistemas de defesa de alta tecnologia, F-35 e armas nucleares, tinham uma falsa sensação de segurança que os tornaram despreparados para a guerra assimétrica?
DP: sim, e as Forças de Defesa de Israel (IDF) se transformaram numa força verdadeiramente defensiva em relação aos palestinos, conforme a eloquente explicação de Lazar Berman.
GR: o que significa a Vitória de Israel no atual contexto?
DP: esta é fácil. Significa extirpar o Hamas, retirá-lo completamente de Gaza.
GR: o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, alertou os habitantes de Gaza para saírem de Gaza. Mas para onde eles deveriam ir?
DP: esta é difícil. Após o alerta, um porta-voz das IDF mostrou mapas e orientou os residentes para onde ir. Eu não tenho condições de dizer se os propostos refúgios realmente proporcionariam abrigo ou não. Eu desconfio que não. As forças israelenses precisam ter como prioridade o mínimo de baixas civis.
GR: o senhor acha que uma ofensiva terrestre das IDF em Gaza será prolongada, especialmente devido aos anos de preparação do Hamas, incluindo o sofisticado sistema de túneis?
DP: depende da meticulosidade das IDF. Se for uma operação de casa em casa, como aconteceu em Jenin em 2002, ela será mais lenta e custará mais em termos de vidas do que se abrir caminho à força. Isso, por sua vez, depende em boa parte do nível da ira em Israel.
GR: que tipo de margem de manobra os reféns israelenses dão ao Hamas?
DP: minha inclinação é prever "não muito". Por mais preciosa que seja cada vida, o corpo político não está disposto a ser dissuadido por mais mortes, quer de reféns, quer de soldados.
GR: o Hisbolá entrará na guerra?
DP: esta é a grande incógnita. Acho que esteja ocorrendo muitos debates acalorados entre os líderes do Hisbolá e Teerã para decidir o que fazer. Se eu tivesse que apostar, eu diria que não, porque a raiva em Israel irá deter o Hisbolá.
GR: qual é a sua previsão sobre a influência do massacre na política israelense: o governo de emergência, deixará de lado a reforma judicial, será o fim da carreira política de Netanyahu?
DP: o governo de emergência foi formado em 11 outubro e quase ninguém se deu conta disto. Mas isto representa um grande desdobramento político com muitas implicações que vão além de Gaza, em particular, a coligação ora no poder já não depende mais dos linhas-duras. A reforma judicial parece que já era. Netanyahu esgotou seu nono mandato no poder durante praticamente os últimos quinze anos em 7 de outubro, não tem como ele escapar da culpa pela catástrofe. Acredito que a sua carreira política chegará ao fim.
Anúncio do governo de emergência de Israel em 11 outubro Ministro da Defesa Yoav Gallant (E), Primeiro Ministro Benjamin Netanyahu e chefe da Unidade Nacional Benny Gantz. |
GR: como é que tudo isto afeta os Acordos de Abraham, um possível acordo entre a Arábia Saudita e Israel, e o Corredor Econômico Índia, Oriente Médio, Europa (IMEC)?
DP: a feroz reação de Israel abala os Acordos de Abraão, mas espero que não desmoronem. O acordo saudita será adiado, mas não interrompido. O IMEC não representa nada mais que um desejo neste momento.
GR: quais são as respostas dos não ocidentais (Rússia, China, países de maioria muçulmana, etc.) ao massacre?
DP: uma enquete realizada pelo Washington Institute for Near East Policy em 11 outubro, concluiu que "ao redor do mundo, representantes de cerca de cem de países reagiram à guerra de diversas formas. Pelo menos quarenta e quatro nações expressaram publicamente a sua inequívoca condenação do Hamas e condenaram explicitamente as suas táticas como o terrorismo." O que equivale a um apoio fortemente atípico a Israel.
GR: a guerra do Hamas poderá afetar o foco dos EUA na Ásia?
DP: o foco volta temporariamente a atenção para o Oriente Médio, mas suponho que no longo prazo as tendências de se afastarem da região continuem.
GR: que medidas concretas deveriam os governos ocidentais tomar em resposta ao ataque do Hamas?
DP: por onde começar? Para começar: exortar Israel a destruir o Hamas. Parar toda e qualquer ajuda à Autoridade Nacional Palestina. Impor sanções à Turquia e ao Catar por ajudarem o Hamas.
GR: que medidas a Alemanha, especificamente, deveria tomar?
DP: as mesmas de outras democracias, e mais ainda, dada a única e imutável dívida da Alemanha para com o povo judeu.
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