Manchete no Australian: "Two Enemies, Two Paths – and One Deadly Objective."
O que ocorreu após o 7 de outubro escancarou a realidade: muito embora a maioria das pessoas e dos governos ao redor do mundo aceita a existência de Israel e deseja o bem ao seu povo, dois grupos determinados de inimigos com diferentes atributos, representando ameaças distintas, querem que o país e seus habitantes judeus sejam destruídos. Cada um deles, o regime do Irã e os palestinos, possui uma rede que os torna apavorantes de maneiras contrastantes.
Contexto, O Estado judeu enfrentou uma enxurrada de seis ameaças sui generis. Entre elas, da mais para a menos violenta:
- 1. Armas de destruição em massa: o Irã representa a principal ameaça, mas tanto o Iraque quanto a Síria tentaram anteriormente construir bombas atômicas, a Arábia Saudita, o Egito e a Turquia também mostraram interesse.
- 2. Ataques militares convencionais: exércitos, marinhas e forças aéreas atacaram Israel em várias ocasiões, especialmente os do Egito, Jordânia e Síria, mas também da Arábia Saudita, Iraque e Líbano.
- 3. Guerra de baixa intensidade, também chamada de terrorismo: os ataques vieram de inúmeros lados, incluindo a extrema esquerda (por exemplo, o Exército Vermelho Japonês), extrema direita (neonazistas), nacionalistas árabes (a Frente de Libertação Árabe), nacionalistas palestinos (a Frente
- Popular para a Libertação da Palestina) e islamistas (Hamas, Hezbollah, Houthis).
- 4. Ataque demográfico: taxas de natalidade mais altas apresentam o apelo de sobrepujar Israel, especialmente se o país puder ser induzido a abrir suas portas ao "direito de retorno".
- 5. Boicote e bloqueio econômico: boicotes financeiros e comerciais, bem como outras articulações para minar a sua economia, sempre complicaram a vida de Israel.
- 6. Deslegitimação ideológica: para minar o magnetismo de Israel, os inimigos palestinos e esquerdistas associam o sionismo ao imperialismo, comunismo, nazismo, apartheid, racismo, supremacia branca, exclusivismo judaico e demais ideias repulsivas.
O quadro leva a duas observações. Primeira, nenhum outro país contemporâneo enfrenta tal gama de ameaças; na realidade, provavelmente nenhum na história. Nesse sentido, Israel herdou o fardo do judeu. Segunda, Israel derrotou com propriedade os números de 2 a 5, deixando somente o nº 1 e o nº 6 como grandes desafios. São eles, o Irã e os palestinos.
Hostilidade de Teerã. Desde o seu início, a República Islâmica do Irã se definiu pela inimizade com os Estados Unidos e com Israel, os chamados Satã Maior e Satã Menor. Ao longo de um período de 45 anos, o regime iraniano canalizou vastos recursos e suportou grandes dificuldades na busca desses objetivos. Mais especificamente, construiu um "anel de fogo" em torno de Israel com a intenção de cercar o estado judeu, a partir do Iraque, Síria, Líbano, Cisjordânia, Gaza e até do Iêmen, com inimigos tão numerosos e bem armados que suas forças juntas subjugariam o país. Embora tal campanha tenha conquistado algum apoio político, o foco principal sempre foi via meios violentos. A agressão iraniana integrou Israel numa aliança regional anti-Teerã.
O "Anel de Fogo" de sete frentes do Irã cercam Israel de três lados. |
Depreciando os palestinos. A ameaça palestina é mais sutil. Os pontos fortes de Israel e a fraqueza palestina geram a necessidade de cativar os palestinos. Já em 1977, o primeiro-ministro de Israel, Menachem Begin, declarou: "não preciso do reconhecimento palestino para o meu direito de existir". O político e diplomata israelense Abba Eban ecoou a visão de Begin em 1981: "ninguém presta nenhum serviço a Israel proclamando seu 'direito de existir'". Benjamin Netanyahu acrescentou em 2007: "nossa existência não depende da disposição dos palestinos de fazer a paz com a gente".
O "processo de paz" que dominou a política do país por décadas esfriou, em 2013, somente 10% dos judeus israelenses consideravam essas negociações a prioridade nº1. O "processo de paz", praticamente não teve nenhuma influência nas cinco eleições israelenses de 2020/2022. Para a maioria dos israelenses, debater os delicados pontos da diplomacia palestina tornou-se, segundo um ex-assessor do primeiro-ministro israelense, tão irrelevante quanto "debater a cor da camisa que você irá usar ao pousar em Marte". Resumindo o clima geral, o estrategista israelense Efraim Inbar descartou os palestinos como um "fardo estratégico".
Contudo o desprezo pela questão palestina faz sentido se olharmos somente para a violência, visto que os palestinos ameaçam menos do que o Hezbollah e muito menos do que o Irã. Eles apresentam um perigo diferente, no entanto, tecendo uma narrativa de duras críticas antissionistas incalculavelmente prejudiciais ao redor do planeta.
Foco nos palestinos. A oposição esquerdista a Israel foca a raiva estritamente nas políticas israelenses em relação aos cerca de 3,5 milhões de palestinos que vivem na Cisjordânia, em Gaza e em Jerusalém Oriental. Este é o problema quase que exclusivo da esquerda em relação a Israel. Ela mal observa ou se importa com as pautas domésticas de Israel, e não está nem aí com questões externas, como um possível ataque à infraestrutura nuclear do Irã ou a posse de armas nucleares por Israel.
Por meio de um marketing magistral, a vitimização captada de uma população pequena e impotente a projetou bruscamente para que ela virasse uma questão global nº1 de direitos humanos, absorvendo infinitamente mais atenção do que os conflitos muito maiores em Burkina Faso, Camarões, República Democrática do Congo, Sudão, Etiópia ou em Mianmar.
O apoio da esquerda explica porque a Autoridade Nacional Palestina e o Hamas se envolvem em violência contra Israel, mesmo sabendo de antemão que perderão todas as disputas militares, porque eles também sabem que os confrontos armados aumentam o seu status perante a esquerda. Os acadêmicos promovem a sua causa, os burocratas mandam dinheiro e os políticos celebram o seu extremismo. Os palestinos podem invariavelmente iniciar a violência, mesmo assim os israelenses são criticados por responder. Assim, os ataques dos palestinos têm o duplo benefício de matar israelenses e alimentar o rancor da esquerda.
Alguns exemplos: Entre os antissionistas de esquerda se encontram educadores, jornalistas, artistas, burocratas, padres, pastores e rabinos. Uma ampla gama de organizações não governamentais, da Anistia Internacional ao Conselho Mundial de Igrejas, entraram na onda. A plataforma Black Lives Matter acusa Israel de "apartheid" e de "genocídio". Políticos de extrema esquerda praticamente em tudo quanto é canto defendem os posicionamentos mais antissionistas em seus países.
George Floyd usando uma keffiyeh e em frente a uma bandeira palestina, na pintura no muro que separa Israel da Cisjordânia. |
Corporações "woke" se alinharam na luta. A Airbnb, uma plataforma de aluguel de hospedagens residenciais, proibiu os israelenses que moravam na Cisjordânia de alugarem suas casas em sua plataforma, ao mesmo tempo em que permitia que os palestinos alugassem, mas voltou atrás ao enfrentar processos de discriminação.
Entre os políticos, é verdade, Bernie Sanders não se tornou presidente dos Estados Unidos nem Jeremy Corbyn primeiro-ministro da Grã-Bretanha, mas os antissionistas raivosos têm uma base nas legislaturas de ambos os países, a título de exemplo, eles se opuseram a uma resolução na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos para parabenizar Israel por seu 75º aniversário. As forças antissionistas estão globalmente em ascensão, conforme testemunhado por Gabriel Boric ("Israel é um estado genocida e assassino") e Luiz por Inácio Lula da Silva, eleitos presidentes do Chile e do Brasil
em 2022, respectivamente, e Humza Yousaf foi eleito primeiro-ministro da Escócia em março do ano passado. As tendências de hoje sugerem que o Palácio do Eliseu, o número 10 da Downing Street e a Casa Branca estarão ao fim e ao cabo ao seu alcance.
A hostilidade esquerdista em relação a Israel pode assumir formas verbais extremas, conforme mostram vários exemplos de antes de 7 de outubro. As palavras de ordem entoadas durante uma manifestação na Grand Central Station de Nova York, um dos espaços mais proeminentes da cidade, incluíam: "Liberte todos, o sionismo tem que cair! Colono, colono, volte para casa! A Palestina é só nossa! Não queremos dois estados, queremos tudo! Cinco, seis, sete, oito, esmague o estado sionista colonizador! O músico inglês Roger Waters comparou Israel à Alemanha nazista. Rafiki Morris, do Partido Revolucionário do Povo Africano, declarou em um comício em Washington, D.C. que "o único sionista bom é o sionista morto".
Manifestantes anti-Israel se reuniram em frente à Opera House de Sydney em 9 de outubro de 2023. |
Alguns esquerdistas vão além das palavras: Rachel Corrie fez o sacrifício supremo em 2003 ao se posicionar propositalmente no caminho de uma escavadeira blindada operada pelas Forças de Defesa de Israel, sendo esmagada e morta, virando "mártir" palestina.
Conclusão. O Irã e os palestinos representam perigos existenciais opostos para Israel: violência, não narrativa; narrativa, não violência. Do ponto de vista do estado judeu, a aceitação palestina é tão importante quanto acabar com a ameaça iraniana. Sua interação tem sinergismo, um reforçando o outro. Juntos, obstruem Israel de se tornar um estado normal. Até que Israel possa derrotá-los, ele pertence a esse pequeno número de países (Bahrein é outro) cuja própria existência permanece em questão.
Daniel Pipes (DanielPipes.org, @DanielPipes) é o presidente do Middle East Forum e autor do livro Israel Victory: How Zionists Win Acceptance and Palestinians Get Liberated (Wicked Son), que acaba de ser publicado e do qual este artigo decorre parcialmente. © 2024 por Daniel Pipes. Todos os direitos reservados.