Os ministros das Relações Exteriores da Turquia e da Síria encontraram-se em Aleppo em outubro de 2009. |
Três eventos ao longo deste mês revelam a extensão desta mudança. O primeiro foi em 11 de outubro com a notícia de que as forças armadas turcas – um antigo bastião do secularismo e partidário da colaboração com Israel – abruptamente pediu para que as forças israelenses não participassem do exercício anual das forças aéreas "Anatolian Eagle".
Erdoğan citou "sensibilidade diplomática" para justificar o cancelamento e o ministro das Relações Exteriores Ahmet Davutoğlu mencionou "sensibilidade em relação a Gaza, Jerusalém Oriental e a mesquita Al-Aqsa." Os turcos rejeitaram explicitamente os aviões israelenses que poderiam ter atacado o Hamas (uma organização terrorista islâmica) durante as operações no inverno passado na Faixa de Gaza. Enquanto Damasco aplaudia a suspensão, ela pedia aos governos dos Estados Unidos e da Itália que retirassem suas forças do Anatolian Eagle que, por sua vez, significava o cancelamento do exercício internacional.
Quanto aos israelenses, esta "repentina e inesperada" reorientação estremeceu as bases do seu alinhamento militar com a Turquia, que estava em vigor desde 1996. O ex-chefe da força aérea Eytan Ben-Eliyahu, por exemplo, classificou o cancelamento "um acontecimento profundamente preocupante." Jerusalém respondeu imediatamente revisando a prática de fornecimento à Turquia de armamento avançado, como a recente venda à Força Aérea Turca de um sistema de bombas guiadas com precisão no valor de US$140 milhões. Também surgiu a ideia de parar de ajudar os turcos a derrotarem as resoluções sobre o genocídio armênio que aparecem no Congresso dos Estados Unidos.
Ministros dos governos turcos e sírios encontraram-se na cidade fronteiriça Öncüpınar e simbolicamente levantaram uma barra que divide os dois países, em 13 de outubro. |
O segundo ocorreu dois dias depois, 13 de outubro, quando o ministro das Relações Exteriores da Síria Walid al-Moallem anunciou que forças turcas e sírias acabaram "de realizar manobras perto de Ancara." Moallem justificadamente classificou este acontecimento de importante "porque ele refuta informações sobre as fracas relações entre as instituições militares e políticas na Turquia a respeito das relações estratégicas com a Síria." Tradução: as forças armadas da Turquia perderam para os políticos.
O terceiro, dez ministros turcos, liderados por Davutoğlu, juntaram-se aos seus colegas sírios em 13 de outubro sob os auspícios do recém estabelecido "Conselho de Cooperação Estratégica de Alto Nível Turquia - Síria." Os ministros anunciaram terem assinado cerca de 40 acordos a serem implantados no prazo de 10 dias; que "será realizado um exercício militar terrestre maior e mais abrangente" do que o primeiro ocorrido em abril e que os líderes dos dois países assinarão um acordo estratégico em novembro.
A capa do livro de Ahmet Davutoğlu, "Strategic Depth: Turkey's International Position." |
As relações bilaterais realmente sofreram uma dramática reviravolta desde a década passada, quando Ancara estava perigosamente perto de uma guerra com a Síria. Mas a melhora das relações com Damasco é apenas parte de um empenho bem maior de Ancara em intensificar as relações com os estados muçulmanos e da região, uma estratégia anunciada por Davutoğlu em seu influente livro de 2000, Stratejik derinlik: Türkiye'nin uluslararası konumu ("Strategic Depth: Turkey's International Position."
Resumindo, Davutoğlu antevê redução de conflitos com seus vizinhos e a Turquia emergindo como uma potência regional, até certo ponto um Império Otomano. Implícito nesta estratégia está o distanciamento da Turquia em relação ao Ocidente em geral e Israel em particular. Embora não tenha sido apresentada em termos islâmicos, a "profundidade estratégica" se encaixa rigorosamente na visão islâmica de mundo do partido AK.
Como observa Barry Rubin, "o governo turco está politicamente mais perto do Irã e da Síria do que dos Estados Unidos e Israel." Caroline Glick, colunista do Jerusalem Post, vai mais longe: Ancara já "deixou a aliança Ocidental e se tornou um membro integral do eixo iraniano." Entretanto, círculos oficiais no Ocidente parecem praticamente alheios a esta monumental mudança na lealdade turca ou de suas implicações.
O preço pelos seus erros logo ficarão evidentes.