Entrevista realizada em Berlim em 27 de outubro de 2010
Citizen Times: Sr. Pipes, o senhor dirige várias organizações que se interessam pelo Oriente Médio e pelo Islã e é um dos melhores escritores americanos sobre esse tema. Como tudo isso começou?
Daniel Pipes Eu sou um historiador do Islã com interesse especial no papel do Islã na vida pública. Eu obtive meu Ph.D. em 1978, na mesma época em que o Aiatolá Khomeini apareceu. Pela primeira vez na história moderna, o Islã conquistava um papel importante e notável na vida pública Ocidental. O que era um interesse abstrato nos anos 70 do século passado se tornou muito funcional. Subsequentemente as questões islâmicas se tornaram muito atuais. Isso me estimulou a passar da história medieval para os eventos atuais. Embora eu cubra muitos outros tópicos além do Islã, o Islã permanece como o tema central dos meus interesses. Eu tenho uma perspectiva que espero seja útil para a compreensão do papel do Islã na política.
Citizen Times: E qual seria essa perspectiva?
Daniel Pipes Que o Islã é extremamente importante na vida pública dos muçulmanos. Que o Islã é uma religião baseada em leis e essas leis são um tanto quanto permanentes e universais. Que elas não são as mesmas em todos os lugares todo o tempo, porém o básico é consistente. Que há épocas de maior ênfase e épocas de menor ênfase, mas os muçulmanos sempre voltam para essas leis. Atualmente, é claro, estamos numa época de maior ênfase. As leis muçulmanas estão muito mais fortes do que quando eu entrei nesse campo há mais de quarenta anos. Como compreender essa mudança; como os muçulmanos a vêem e como o Ocidente responde a ela? – essas são algumas das questões que eu coloco em foco.
Citizen Times: O senhor enfatiza a diferença entre Islã e islamismo. Por que?
Daniel Pipes É um erro ver todo o Islã como islamismo. O islamismo é uma tendência dentro do Islã, no momento muito intensa. As pessoas que estão começando a se interessar por esse tópico frequentemente inferem que o islamismo é o Islã por completo. Como eu venho acompanhando as questões islâmicas há quarenta anos, quando o islamismo mal existia, tenho uma perspectiva diferente. Além disso, muitos muçulmanos odeiam o islamismo. Portanto, é um erro igualar os muçulmanos aos islamistas, assumir que todos os muçulmanos concordam em aplicar a lei islâmica para se tornarem ricos e fortes ou atingirem a justiça social.
Citizen Times: O que o islamismo significa para você? Trata-se apenas de uma forma tradicional do Islã ou a forma terrorista da Al-Qaeda ou a forma política do Islã como a Irmandade Muçulmana?
Daniel Pipes A Irmandade Muçulmana é a mais importante organização islamista. No Egito, Hassan al-Banna modernizou as ideias islâmicas nos anos 20 do século passado e adaptou-as ao modo de vida atual. Ele assim como outros, transformaram o Islã tradicional em uma ideologia. Nos anos 20 do século passado houve um período em que o totalitarismo parecia ser o futuro caminho na Alemanha, na Rússia e especialmente na Itália. Banna tomou as ideias básicas do totalitarismo e aplicou-as ao Islã. Inseriu o conteúdo islâmico na estrutura totalitária. O islamismo é moderno assim como o fascismo e o comunismo são modernos.
A Al-Qaeda vem de uma tradição completamente diferente, a Wahhabi originária da Arábia.
Citizen Times: Por que o Islã e o totalitarismo combinam com tamanho sucesso?
Daniel Pipes Durante décadas essa combinação não tinha esse sucesso. No final ela acabou predominando graças a muito trabalho de um grande número de islamistas por um longo período de tempo – além da carência e do desejo de concretizar essa expectativa. O grande desafio para os muçulmanos no período moderno é o de explicar o que deu errado: Por que os muçulmanos, que acreditam que deveriam ser o povo mais próspero e mais poderoso, na realidade são os menos prósperos e os menos poderosos? O que deu errado? Especialmente a partir dos anos 70 do século passado, o islamismo apresentou uma resposta muito convincente e amplamente aceita para essa questão: Se quiser ser próspero, diz a resposta, então aplique a lei islâmica. Viva de acordo com a lei. Difunda a lei.
Citizen Times: Mas essa visão é bem semelhante a judaica. E os judeus não são de maneira alguma um perigo para o mundo…
Daniel Pipes O Islã e o judaísmo são semelhantes no tópico em que ambas se baseiam em leis, diferente do cristianismo. Porém a lei judaica, conforme compreendida nos últimos 2.000 anos, está limitada ao direito privado. Em comparação, a lei islâmica é tanto pública quanto privada. Não existe lei judaica para tratar da guerra; mas há uma lei islâmica para a guerra.
Citizen Times: O Islã é uma religião?
Daniel Pipes É, o Islã é uma religião monoteísta como o judaísmo e o cristianismo. O islamismo é uma ideologia utópica radical como o fascismo e o comunismo.
Citizen Times: Nós derrotamos o fascismo e o comunismo através das guerras. Há a possibilidade de se derrotar o islamismo e ficar apenas com Islã, a religião?
Daniel Pipes Há. A Segunda Guerra Mundial acabou com o fascismo como força mundial; não tem mais sido um sério fenômeno desde então. A Guerra Fria efetivamente acabou com o comunismo. O desafio islamista precisa ser derrotado de maneira semelhante. 1945 foi o resultado de sangue e aço; 1991 foi o resultado de fatores complexos, mas os seus estágios finais não foram violentos. Esses são os pontos finais, violência total e quase sem violência. O caminho da vitória contra o islamismo certamente cairá em algum ponto entre os dois.
Citizen Times: O que isso significa na prática? Temos que guerrear no Iraque, Afeganistão ou no Irã para levar a eles a democracia e para no final parar com o islamismo?
Daniel Pipes Em princípio, sim para a democracia, mas atualmente é bom ir devagar, devagar, devagar porque, ironicamente, no presente momento a democracia fortalece o islamismo. Eu concordei com a mudança na política de George W. Bush em 2003 de se concentrar na formação da democracia, mas avisei então quanto da necessidade em ir com cuidado. Ele não foi cuidadoso, portanto acabou criando novos problemas.
Derrotar o islamismo requer o uso desde bombardeios até rádios, de travar a guerra quente até o enfrentamento na guerra cultural. Devemos usar a economia, a diplomacia e tudo mais. As guerras não são mais travadas literalmente apenas no campo de batalha e sim frequente e principalmente a respeito de ideias. Converge-se muito na violência, especialmente na violência terrorista. As pessoas tendem a reduzir o problema a "guerra contra o terror". É claro, o terrorismo faz parte dela, mas não de toda ela.
Citizen Times: Não é necessário o terror para fomentar o islamismo?
Daniel Pipes De maneira alguma. Os registros mostram que os islamistas tiveram mais sucesso com meios não violentos do que com meios violentos. O Primeiro Ministro Recep Tayyip Erdoğan na Turquia e as organizações islamistas no Ocidente tiveram mais sucesso do que Khomeini ou a Al-Qaeda. Eles alcançaram mais operando através do sistema político, escolas, mídia e tribunais de justiça do que seus colegas por meio das explosões. Como é possível chegar ao topo matando pessoas sendo tão fraco quanto os islamistas o são? Por outro lado, não é difícil compreender como operar através do sistema o levará ao topo. Eu observo com fascinação e horror como esse processo funciona no Ocidente e com maior rapidez no Reino Unido. A Turquia e o Reino Unido são países especialmente importantes a se observar.
Assumindo que os iranianos não adquiram ou não explodam bombas atômicas, a Turquia é uma ameaça maior a longo prazo, digamos em 20 ou 30 anos. O Irã não será um problema de tão longo prazo porque os iranianos resistem ao islamismo. A Turquia é o maior problema em desenvolvimento porque lá os islamistas estão operando através do sistema e estão trabalhando direito. Nota: Não há terrorismo vindo da Turquia.
Citizen Times: Mas como podemos vencer essa guerra de ideias em nossos países? Nós mostramos nossa vida livre todos os dias para as comunidades muçulmanas, mas elas parecem se distanciar mais e mais.
Daniel Pipes São necessários dois passos para se vencer essa guerra. Primeiro, os não muçulmanos devem utilizar os diversos meios de que dispõem. Segundo, os muçulmanos devem oferecer uma alternativa ao islamismo. Precisamos de um Adenauer, de um Yeltzin, para apresentar algo melhor. Essas analogias não são perfeitas, mas dão uma ideia do que eu quero dizer. Não é suficiente derrotar o regime totalitário; alguém precisa apresentar uma visão alternativa. É aí que os muçulmanos reformistas desempenham um papel crucial. Eles estão apenas no começo desse trabalho e ainda irá demorar muito até que tenham um programa completo para oferecer. É crucial que eles obtenham ajuda e encorajamento dos não muçulmanos.
Citizen Times: O senhor discorda da Ayaan Hirsi Ali, que se opõe aos muçulmanos reformistas, porque acredita ele, eles misturam tudo e pioram ainda mais as coisas?
Daniel Pipes Eu a respeito muito, porém também discordo dela nesse ponto. Necessitamos de uma política que coloque o Islã em nossa direção. Condenar o islamismo não é o suficiente; necessitamos de um programa para derrotá-lo, um mecanismo que nos leve à vitória. Os críticos do Islã como Ayaan Hirsi Ali não apresentam um programa desse tipo.
Todas as religiões têm história, o que significa que elas mudam com o passar do tempo. Eu vi isso na minha própria carreira, porque o islamismo era praticamente inexistente quando entrei no campo de estudos islâmicos no final dos anos 60 do século passado. Hoje ele domina. Se o islamismo pode ascender, também pode cair. Em contrapartida, Hirsi Ali vê o Islã como permanentemente estático e imutável.
Citizen Times: Ela diria que seu programa é educação: Educação sobre o estado secular e os valores humanistas. Isso não é um programa?
Daniel Pipes Dois pontos: Primeiro, ela está repetindo em parte o que eu digo sobre o Islã reformista. Ensinar humanismo aos muçulmanos em última análise significa reformar o Islã. A propósito, essa era a situação que predominava no "período liberal" muçulmano entre 1800 e 1940.
Segundo, a ideia islamista é tão poderosa que a educação secular Ocidental não obtêm êxito. Vemos isso na Europa, onde as escolas estaduais ensinam secularismo, mas na maioria das vezes fracassam em convencer os estudantes muçulmanos que acreditam ter uma ideia superior, na realidade uma civilização superior. "Não é possível combater o islamismo com ideias vindas da Europa". Somente algo vindo de dentro do Islã poderá derrotá-lo; ideias vindas dos muçulmanos deverão debater ideias vindas de muçulmanos. Trata-se de uma guerra civil muçulmana, sem que um lado ainda tenha mobilizado tropas dando a ela uma dimensão desproporcional.
Citizen Times: Isso significa que Geert Wilders está errado quando diz que o Islã é imutável?
Daniel Pipes Sim. Eu o considero uma personalidade heróica e escrevi que ele é o político mais importante na Europa. Ele e eu estamos na mesma trincheira. Estamos combatendo os mesmos inimigos. Porém entendemos de forma diferente o futuro do Islã. Não vejo que ele tenha um programa viável dentro do contexto de uma democracia liberal. Não se pode, e eu não quero, jogar fora tudo que alcançamos para lidar com os islamistas. Quero lidar com eles de maneira condizente com o que somos.
Os muçulmanos têm os mesmos direitos e as mesmas responsabilidades de qualquer outro. Eles só não possuem direitos especiais. Quero que sejam cidadãos normais, nem em condições piores nem em condições melhores. Temos o poder legislativo porque as coisas mudam. Não é possível ter leis que não mudam nunca. Estou perfeitamente disposto a me adaptar aos muçulmanos e ao Islã de maneira razoável. Contudo, não estou disposto a aceitar mudar basicamente o que nós somos. Quando os muçulmanos vêm para o Ocidente, eles devem aceitar os costumes Ocidentais. Eles podem postular uma adaptação razoável ao sistema existente; eles não podem mudar o próprio sistema. Os islamistas estão tentando mudar o sistema. Temos que fazê-los recuar e dizer não, de maneira alguma.
Citizen Times: O número de criminosos muçulmanos na Europa é maior do que o da população local, têm menos emprego e são mais dependentes dos programas de bem estar social.
Daniel Pipes Os muçulmanos na Europa estão repletos de patologias: miséria, desemprego, crimes violentos, tráfico de drogas e assim por diante. Sim, os muçulmanos são parcialmente responsáveis por esse conjunto de problemas, mas francamente, também é o resultado de ações praticadas pelos europeus nativos. Os europeus frequentemente resistem em aceitar, empregar e negociar com os muçulmanos de igual para igual. Günter Wallraff, jornalista alemão, se fez passar por um turco em 1985 e dessa forma demonstrou os transtornos pelos quais passa um trabalhador estrangeiro. Eu não gostaria de procurar trabalho na Alemanha, nem naquela época nem hoje, com o nome de Maomé.
Citizen Times: Quanto a procurar um trabalho com um nome muçulmano: Os alemães sempre rejeitaram essas pessoas em virtude da xenofobia ou rejeitaram-nas devido a todos os problemas relacionados aos funcionários muçulmanos?
Daniel Pipes Ambos: A situação resulta do preconceito e do comportamento dos muçulmanos.
A título de comparação, observe os Estados Unidos, onde as patologias sociais mal existem entre os muçulmanos. Os Estados Unidos têm problemas com os extremistas, sem dúvida, contudo lá, em geral, não existe um "problema muçulmano". Não foram desenvolvidas áreas de concentração geográfica muçulmana, apenas uma ou duas exceções, sendo que essas não são particularmente problemáticas. Os americanos aceitam e empregam os muçulmanos com mais facilidade. Além disso, o sistema de bem estar social menos abrangente nos Estados Unidos, faz com que os muçulmanos sejam menos dependentes das benesses do governo e mais empreendedores. A combinação de preconceito e bem estar explica muito sobre a situação difícil dos muçulmanos na Europa.
Citizen Times: O jornalista americano Christopher Caldwell escreveu um livro intitulado On the Revolution in Europe no qual sustenta que a imigração muçulmana mudará a Europa a partir de suas raízes.
Daniel Pipes Concordo e acredito que a Europa enfrenta grandes problemas e opções sombrias. Eu vejo um desses dois prováveis futuros complicados para a Europa. Um deles está resumido pela palavra Eurábia, significando a extrapolação das tendências dos últimos 55 anos: mais muçulmanos, mais Islã, mais leis islâmicas e mais islamização, conforme simbolizado pela Mesquita de Notre Dame em Paris. O outro futuro envolve resistência à islamização, conforme representado pelo seu mais novo partido político, Die Freiheit.
Na realidade, a última está aumentando com mais rapidez. Se for feito um gráfico dos muçulmanos e do Islã a partir de 1955, ele sobe gradualmente. Mas se for feito um gráfico do anti-islamismo desde 1990 a ascendência é mais rápida. Em todos os lugares que você olhar há um aumento nos sentimentos anti-islâmicos.
Eu me preocupo em ambos os casos. Não gosto da Eurábia e temo que os sentimentos anti-islâmicos irão levar ao populismo, fascismo, insurreição civil e a violência. A ampla relutância dos líderes em cuidar desse tópico só pioram as coisas.
Citizen Times: Então, esse movimento anti-islâmico é apenas uma nova forma de fascismo ou xenofobia ou realmente existe um perigo no Islã?
Daniel Pipes A realidade inspira sentimentos anti-islâmicos, mas eu me preocupo a respeito. Espero muito que os europeus ajam com responsabilidade. Agora mesmo, há relutância em lidar com partidos políticos críticos ao Islã. Atualmente há uma crise política na Suécia devido a isso. Quando Jörg Haider era primeiro ministro, a Áustria era tratada como a Rodésia. Não me importo com Haider, porém há a necessidade do reconhecimento dos temores que ele representa.
Quanto mais os partidos antigos ignorarem esses temores tanto mais extremadas poderão se tornar suas manifestações. Os partidos antigos têm a responsabilidade de reconhecer esse conjunto de questões e incorporá-los, legitimá-los para que não se radicalizem. A Holanda é provavelmente o país chave devido ao fato de estar mais adiantada nesse processo. O que Geert Wilders irá fazer? Qual será a reação a ele? Trata-se de um importante precedente para a Europa.