Pelo fato das recentes décadas terem sido atormentadas pelo terrorismo islâmico e pelas guerras no Oriente Médio, o islamismo se posicionou no centro do discurso político Ocidental. E o Dr. Daniel Pipes tem estado no centro desse debate, provendo a dezenas de milhares de pessoas as suas reveladoras análises. Essas análises fizeram do Dr. Pipes uma autoridade nas questões relacionadas ao Islã e ao Oriente Médio. Além de proporcionar análises através do seu Web site pessoal e do Middle East Forum, fundado por ele, Pipes viaja pelo mundo, dando palestras em universidades, para grupos de especialistas e em outras localidades. Suas apresentações frequentemente provocam interrupções e protestos exasperados, e ao mesmo tempo inspiram apoio fervoroso.
Pipes usa palavras duras para com a liderança política israelense. Segundo ele, Israel simplesmente tenta enfrentar as crises quando aparecem, sua liderança carece de visão estratégica ou de um plano para lidar com as questões básicas de segurança. De acordo com o enfoque de Pipes, Israel se tornou o oposto dramático do que o jovem país era nos anos 50 do século passado e subsequentemente, quando era governado por uma liderança talentosa, com visão, a longo prazo, dos interesses de Israel.
A entrevista ocorreu em Herzliya, Israel, em 16 de setembro de 2010.
Sentamos com ele para conversar sobre Israel, Irã, a presidência de Barack Obama e outros assuntos do momento. Ele também relembrou um debate — que ele chama de marco da sua carreira — ocorrido em Londres em 2007 no qual ele juntamente com o neo-conservador britânico, Douglas Murray, derrotaram seus oponentes, o prefeito de Londres Ken Livingstone e Salma Yaqoob, filiada ao Partido Respect de Birmingham.
Israel necessita de uma estratégia
P: Israel desistiu da ideia da vitória?
Daniel Pipes: Eu diria que ele não está tentando vencer, ele não tem ideia do que está fazendo.
P: O senhor não concordaria que a comunidade internacional está impedindo Israel de vencer?
Daniel Pipes: Não. Trata-se de um problema interno. De 1948 até 1993 Israel tinha uma estratégica de contenção onde estava implícito o objetivo da vitória. Em 1993 os líderes adotaram a política do apaziguamento, i.e., dê algo ao seu inimigo na esperança de que ele o deixe em paz. O apaziguamento foi abandonado em 2000 em favor de retiradas unilaterais que por sua vez terminaram em 2006. Agora não há estratégia alguma.
Não há um lugar para onde o governo de Israel esteja tentando ir, está simplesmente tentando apagar pequenos incêndios. O que ele está tentando fazer em Gaza, por exemplo? Se livrar do Hamas? Fazer com que o Egito incorpore o lugar? Ou tentando a libertação de Gilad Shalit? Eu vejo isso como falta de objetivos estratégicos. Não se trata de problemas vindos de pressão externa.
P: Israel necessita de uma política rígida, uma clara visão do futuro, levando em conta que a sua economia é próspera?
Daniel Pipes: Israel é próspero economicamente, porém cada vez mais criticado, chegando a beira de ser deslegitimado, ao ponto da possibilidade de ocorrer um boicote econômico europeu, com a adesão de outros países. Israel poderá se tornar um país isolado como a África do Sul. A Nova Zelândia não precisa de uma estratégia, Israel sim.
P: Quais são as possibilidades de um acordo de paz entre Israel e a Síria?
Daniel Pipes: Mínimas. Não vejo na liderança Síria o desejo de romper com o Irã, a força dinâmica no Oriente Médio. Estar com o Irã parece estar na equipe vencedora. Portanto, um acordo com Israel parece improvável.
P: E se o Irã mudasse?
Daniel Pipes: Sim, se algo acontecesse que fizesse com que o Irã fosse a equipe perdedora, o mais fraco, então os outros, como Assad, pensariam duas vezes.
P: E se o Irã se tornar uma potência nuclear, aí a Síria não romperá com o Irã.
Daniel Pipes: Isso daria a Damasco razões de sobra para se manter fiel a Teerã.
P: Não se vê um desejo no lado Sírio de fazer a paz com Israel?
Daniel Pipes: Os sírios só teriam a ganhar com tal acordo, esse acordo seria sensato. Mas porque Bashar al-Assad iria querê-lo e desistir do que ele vê como a equipe vencedora, a mais forte? Lembre-se, a Síria é governada de forma a beneficiar seus governantes, não seus súditos. Não vejo nenhuma evidência de que ela estaria disposta a mudar de lado.
O mesmo argumento podia ser ouvido na década passada, que Hafez al-Assad devia ter assinado um acordo de paz com Israel e obter todos os benefícios daí advindos. Eu duvidei disso, visto que ele sabia como governar uma ditadura, não um país com uma bolsa de valores, imprensa livre e uma cultura aberta. Seu filho, muito menos capaz, jogou seu destino de forma mais abrangente ainda, nas mãos dos iranianos. Ele pertence ao bloco deles, ponto final.
Dito isso, Netanyahu por pouco não chegou a um acordo com Assad em 1998, impedido apenas pelo seu ministro das Relações Exteriores, Ariel Sharon. Eu expus essa história na revista New Republic um ano depois. Se Netanyahu estava disposto a devolver as Colinas de Golã há doze anos, ele poderia estar novamente.
P: Essa informação foi depois desmentida por Netanyahu?
Daniel Pipes: Ele desmentiu sim. Durante a hora que passamos juntos em 2001, ele me repreendeu por ter entendido mal a história. Contudo, mantenho o que eu disse.
Será que Obama irá bombardear as instalações nucleares do Irã?
P: O senhor acredita na possibilidade de Obama usar a força contra o Irã?
Daniel Pipes: Acredito que ele poderia atacar, por duas razões: ele afirmou que não aceitaria que o Irã se tornasse uma potência nuclear e o seu desempenho em casa é fraquíssimo. Sobre esse último fator: se ele desejar mudar o foco, bombardear a infraestrutura nuclear iraniana, funcionará melhor do qualquer outra coisa.
Além disso, voltando ao bombardeio da usina nuclear iraquiana em 1981, os israelenses não sinalizaram que iriam atacar e sim indicaram que não poderiam levar a cabo essa operação. Aí de repente, bum, eles o fizeram. O que leva a crer que a desinformação sempre faz parte do jogo. Logo, não sei o que nós sabemos.
P: O Sr acredita que atacar o Irã irá garantir o segundo mandato a Obama?
Daniel Pipes: Eu não iria tão longe, mas isso mudaria a dinâmica política a seu favor.
P: O Sr concorda que o presidente Obama mostra uma incompetência fora do comum?
Daniel Pipes: Não tenho certeza. Há duas maneiras de entendê-lo: uma seria avaliar o declínio nas pesquisas de opinião e a incompetência em geral, a outra seria vê-lo como um visionário com metas específicas, como o do estado se apropriar de um sexto da economia, nesse caso a reeleição não seria prioridade. Eu o vejo como o quarto presidente do Partido Democrata que procura alterar a relação do estado para com a sociedade: Wilson, Franklin Roosevelt, Johnson e agora Obama.
P: O presidente é um visionário, não um pragmático?
Daniel Pipes: Sim, mas ele poderá se tornar um pragmático e bombardear o Irã seria pragmático. A propósito, a esquerda nos Estados Unidos — o que o porta voz da Casa Branca chama de "profissionais da esquerda" — está atacando Obama. Comentários esquerdistas são às vezes até piores do que os da direita. Na esquerda você encontra terríveis decepções.
Aumentar o sentimento anti-islâmico nos Estados Unidos?
P: Qual seria o seu comentário sobre a Iniciativa de Córdoba?
Daniel Pipes: Ela representa mais um esforço em expandir o islamismo. Mais interessante ainda é a reação a ela, que equivale a uma resistência às mesquitas em geral, no Tennessee e em outros lugares.
P: Mas não há incidentes antimuçulmanos; há nove vezes mais incidentes antissemitas.
Daniel Pipes: É claro, mas há alguns contra os muçulmanos, embora sejam os incidentes antimuçulmanos em número menor do que os antissemitas, como o Sr observou. Observamos um aumento no sentimento anti-islâmico, não anti-islamista. Não endosso isso. Quero que a resistência seja restrita e cuidadosa.
P: A minoria muçulmana nos Estados Unidos é mais bem sucedida do que qualquer outra minoria muçulmana em outro país Ocidental. O sentimento anti-islâmico é realmente um problema no contexto dos Estados Unidos?
Daniel Pipes: Sim, é. E está aumentando.
P: Mas não há fanáticos encorajando as pessoas a saírem nas ruas a fim de combater os muçulmanos.
Daniel Pipes: Não, não é organizado, mas existe a sensação de que aqueles que não gostam da islamização e os que não gostam de muçulmanos encontraram uma voz e um tema. Sob certos aspectos estou satisfeito e sob outros preocupado. Estou satisfeito que os americanos estejam rejeitando a islamização, mas eles deviam aceitar o Islã moderado.
P: Qual a sua opinião sobre o homem por traz da mesquita, o Imam Abdul Rauf?
Daniel Pipes: Ele é um oportunista e um caçador de publicidade. Ele se auto denomina Imã, mas sequer tem o título. O establishment islamista não está feliz com ele pelo fato dele ter criado esse peso para eles. Não me importo que a mesquita dele seja construída, já que ela mancharia o islamismo.
P: Em qualquer um dos casos a vitória é dos americanos.
Daniel Pipes: Sim.
A natureza complexa do mundo árabe
P: Voltando ao mundo árabe. O Sr acredita que o tribalismo seja mais generalizado do que o islamismo no mundo árabe?
Daniel Pipes: O islamismo absorveu o éthos tribal com as características tribais. Tribalismo não é uma característica — o Egito não é uma sociedade tribal — mas é endêmico, é uma lente que explica muitas características.
P: O islamismo está aqui para ficar?
Daniel Pipes: O movimento islamista é dominante no presente momento, mas é temporário. Podemos observar o aumento entre os muçulmanos que rejeitam o islamismo e os que estão se inspirando no modelo liberal Ocidental. Eles não estão numa posição de poder, mas há uma efervescência de ideias entre bravos dissidentes, intelectuais e organizadores difundindo essas ideias. Eles poderão ter êxito, mas não será para breve.
P: E com respeito a Yusuf al-Qaradawi, que tem todo esse poder no mundo muçulmano e é considerado um moderado na comunidade muçulmana?
Daniel Pipes: Ele é um islamista moderado, que significa o mesmo que um nazista moderado.
P: O Sr concorda que Qaradawi representa o catalisador árabe?
Daniel Pipes: Ele é uma personalidade islamista importante e um intelectual que tem um grande alcance com seus livros, programas de televisão e diplomacia, mas não concordo que a maioria dos muçulmanos são islamistas.
P: Não seria o islamismo parte da continuidade histórica na história islâmica? Ele não apareceu do nada.
Daniel Pipes: Com certeza, há antecedentes para os islamistas modernos, por exemplo, Ibn Taymiyya. Mas trata-se de uma elaboração ideológica moderna de um tema antigo.
P: Como o Sr explica a incapacidade da autocrítica coletiva no mundo árabe? Por exemplo, um artigo recente no diário londrino Al-Sharq al-Awsat sustenta que é necessário que haja mais investigações sobre o que realmente aconteceu no dia 11 de setembro.
Daniel Pipes: Eu escrevi todo um livro sobre isso intitulado The Hidden Hand, a respeito das teorias conspiratórias no Oriente Médio. A dependência mental das teorias conspiratórias nos países de língua árabe é realmente extraordinária. Ironicamente não se trata de um fenômeno inerentemente muçulmano, e sim deriva do Ocidente. Uma prova disso, baseia-se no fato dos muçulmanos terem os mesmos dois inimigos de conspiração que os europeus: os judeus e as sociedades secretas como os membros da maçonaria. Contrariamente, dificilmente culpam os hindus, russos, alemães, chineses e japoneses.