Em uma investigação sensacionalista, Barbara Frale, uma medievalista que trabalha no departamento dos Arquivos Secretos do Vaticano, se deparou em 2001 com o Processus Contra Templarios, uma compilação de documentos originais datados de 1307 a 1312 que trata do julgamento francês dos Cavaleiros Templários e a resposta do Vaticano.
A seguir um ligeiro background da mais longeva de todas as "sociedades secretas" do meu livro, Conspiracy: How the Paranoid Style Flourishes, and Where It Comes From (Free Press, 1997), pp. 57-59, para explicar porque esta obra sobre acontecimentos medievais ainda interessa e muito para alguns hoje em dia:
No início de 1119, um nobre francês de nome Hugues de Payns e nove de seus companheiros se empreenderam a proteger os peregrinos cristãos em sua jornada de ida e volta para Jerusalém, solenizando o juramento adotando os votos monásticos de pobreza, castidade e obediência. O grupo aderiu a uma norma não muito diferente da de outras ordens monásticas, salvo as disposições para poder guerrear. O desenvolvimento deles foi novo, notável e confuso, que fundiu dois chamamentos totalmente diferentes: o clero (inequivocamente proibido de envolvimento em conflitos) e os soldados (que se envolviam o tempo todo). Um grupo de soldados, afamados por seu anarquismo e devoção à pilhagem e às mulheres, viraram soldados de Cristo. Ao colocar em prática essa mistura, eles "inventaram uma identidade totalmente nova, a do monge-cavaleiro". Essa concepção radical se mostrou tanto poderosa quanto ameaçadora.
O rei de Jerusalém recebeu com satisfação a ajuda prestada por Payns e seus companheiros, simbolizando tal estima, ele os instalou no lugar mais sagrado de Jerusalém, o Monte do Templo, onde moravam na Mesquita de Al-Aqsa. O grupo passou a ser conhecido como Cavaleiros do Templo de Salomão, abreviação: Templários. Os Templários também conquistaram o fervoroso apoio de Bernard of Clairvaux, um clérigo para lá de influente, e através dele, o patrocínio de papas e nobres, bem como aclamação quase universal na Europa católica. O modelo inspirou a fundação de outras ordens militares cristãs, entre elas os Cavaleiros Hospitalários de São João e os Cavaleiros Teutônicos.
À medida que os homens que participavam das batalhas, sempre uma atividade cara, os Templários necessitavam constantemente de recursos o que os diferenciavam de outras ordens monásticas. O vasto poder militar e a reputação de probidade, estimulava os Templários a oferecer práticas proto bancárias em uma época em que ainda não havia depósitos bancários. Sem demora, eles mantinham enormes valores em depósito, por exemplo, eles se tornaram os banqueiros da maior parte da família real francesa. Aliado ao seu nobre patrocínio, tal atividade tornou os Templários muito ricos. Contudo as práticas bancárias também os tornavam moralmente suspeitos, posto que tais atividades financeiras transgrediam enormemente as normas feudais além de serem vistas em si contraditórias com a sua professada devoção.
Outro problema surgiu quando Acre, último reduto dos cruzados, caiu em 1291. Os Templários tiveram um papel tão ativo e proeminente nas guerras dos cruzados que seu prestígio, mais do que o de qualquer outra ordem, dependia da situação no Oriente e a queda de Acre azedou a sua reputação. O fracasso desses monges guerreiros em manter a Terra Santa longe das mãos dos muçulmanos, junto com seu sigilo, grande riqueza e arrogância, alimentaram o ressentimento em relação ao seu poder, bem como os rumores sobre seus objetivos ocultos.
Em 1307, quando os Templários planejavam mais uma Cruzada para retornar à Palestina, esse ressentimento transbordou. O rei Filipe IV da França atacou a ordem, capturou seus membros e confiscou seus bens. Após um processo judicial de sete anos em que os promotores recorreram pesadamente à tortura, humilhação e outros incentivos psicológicos para obter as respostas que queriam, os Templários foram no final considerados culpados de apostasia. Em uma grande demonstração de poder, Philip mandou o grão-mestre dos Templários, Jacques de Molay, ser queimado na fogueira (em 1314). Soberanos em toda a Europa, menos na Península Ibérica, seguiram o exemplo de Filipe e conseguiram suprimir completamente a ordem. Séculos depois, fica claro que, por mais poderosos e talvez até fora de controle que os Templários estivessem, eles jamais foram hereges e nem representavam uma ameaça à ordem existente.
Ah, as prisões ocorreram em 13 de outubro de 1307, exatamente há 700 anos. Nada mais tendo a acrescentar, vejamos agora o porquê de tudo isso ainda cativar os teóricos da conspiração:
Inúmeras características em relação aos Cavaleiros Templários os tornam perenemente enigmáticos. Eles tinham um ar conspiratório, por exemplo, na cerimônia de iniciação, se dizia a um candidato que "da nossa Ordem você só vê a superfície que está do lado de fora", dando a entender que algo muito secreto acontecia a portas fechadas. No final da iniciação, cada cavaleiro beijava o calouro na boca, um ato com óbvias conotações homossexuais. Além disso, a brutal repressão de Philip tinha um ar misterioso. Até hoje "as acusações de heresia não foram comprovadas e as evidências do declínio interno são impossíveis de serem avaliadas".
Junto, a espetacular ascensão, o grande poder e o pavoroso fim dos Templários os transformaram em permanente elemento em destaque das teorias da conspiração europeias. Os Cavaleiros Templários se destacam como a sociedade secreta mais original e onipresente. Olhando para trás, mesmo aqueles grupos conspiratórios no canto obscuro da antiguidade tomam forma definitiva só com os Cavaleiros Templários. Olhando para o futuro, praticamente todas as sociedades secretas dos últimos séculos são vistas como derivativo deles: "os Templários têm algo a ver com tudo." Os ocultistas os imbuíram de poderes mágicos e os racionalistas do Iluminismo os transformaram em uma conspiração anticristã. Além disso, muitos românticos caíram no feitiço do sensacional conto dos Templários, perdendo horas incontáveis em busca de seus ídolos, normas secretas e tesouros escondidos, especulações que não passam de "uma fantasia que raia o absurdo" da "mistagogia e da ofuscação". "
Réplica do "Processus Contra Templarios", 799 exemplares estão à venda por €5.900 cada.
A Reuters cita Frale, 37, relatando seu espanto há seis anos ao encontrar as atas: "O pergaminho foi catalogado incorretamente a certa altura da história. No começo quase não acreditei. Fiquei com uma pulga atrás da orelha. Era mesmo o documento que muitos historiadores estavam atrás."
Os Arquivos Secretos do Vaticano, em colaboração com a fundação cultural Scrinium, está publicando 799 cópias de uma réplica do documento a ser apresentada oficialmente em 25 de outubro. As réplicas custam € 5.900 cada porque vêm "em uma capa de couro com um livro em grande formato, com comentários acadêmicos, reproduções de pergaminhos originais em latim e, para seduzir os fãs de carteirinha dos Templários: réplicas dos selos de cera usados por Inquisidores do Século XIV. Um dos pergaminhos medindo cerca de meio metro de largura por cerca de dois metros de comprimento é tão detalhado que inclui reproduções de manchas e imperfeições vistas nos originais."
Segundo a Reuters, os Cavaleiros Templários serão "parcialmente reabilitados" por esses documentos. Em particular, o assim chamado Pergaminho Chinon
contém frases nas quais o Papa Clemente V absolve os Templários das acusações de heresia, que foram a espinha dorsal das investidas do Rei Filipe para eliminá-los. Frale disse que o Papa Clemente estava convencido de que, embora os Templários tivessem cometido alguns pecados graves, eles não eram hereges. Acredita-se que fazia parte da cerimônia de iniciação dos Templários cuspir na cruz, mas Frale disse que eles justificaram o ato por ser um ritual de obediência em preparação para uma possível captura pelos muçulmanos. Eles também teriam praticado sodomia. "Resumindo, o papa reconheceu que eles não eram hereges, mas culpados de uma série de pequenos delitos, como abusos, violência e atos pecaminosos dentro da ordem", ressaltou ela. "Mas isso não é a mesma coisa que heresia."
Apesar da sua convicção de que os Templários não eram culpados de heresia, em 1312 o Papa Clemente ordenou que os Templários fossem dissolvidos pelo que Frale chamou de "para o bem da Igreja" após seus repetidos confrontos com o rei francês. Frale retratou os julgamentos contra os Templários ocorridos entre 1307 e 1312 como uma batalha de ambições políticas entre Clemente e Filipe, salientando que o documento significa que a posição de Clemente deveria ser reavaliada pelos historiadores. "Isso permitirá que qualquer um veja o que realmente está contido nos documentos e esvazie as lendas que estão em voga hoje em dia", enfatizou ela.
Mas arrefecer lendas não será nada fácil. Vortex, um teórico da conspiração, reagiu a esses desdobramentos com dúvidas que provavelmente são típicas daquela mentalidade: "eu me pergunto o quanto foi censurado pela Santa Sé ou escondido para que não visse a luz do dia que vai contra alguns ensinamentos ou que coloque uma luz de 'culpa' em Roma." E uma organização chamada Ordo Supremus Militaris Templi Hierosolymitani afirma que há "mais de 5 mil Cavaleiros e Damas dos Cavaleiros Templários em todo o mundo", então de alguma forma, os Templários ainda estão vivos. (12 de outubro de 2007)
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