N.B. Não se trata de uma tradução exata do original turco e sim uma tradução revisada, baseada nas observações do Sr. Pipes da entrevista.
Fundador do Middle East Fórum, Daniel Pipes é um dos nomes de destaque da ala conservadora Neoconservadora dos EUA. Ele também é uma das principais autoridades a promover a ideia do Islã moderado. Tivemos a oportunidade de avaliar os recentes acontecimentos na Turquia por telefone com o Sr. Pipes, quando ele se encontrava em Paris, em 12 de março.

Momento decisivo, as eleições de junho de 2011
- Como o senhor interpreta o conflito entre o movimento Gülen e o AKP (Partido da Justiça e do Desenvolvimento)?
Deixe-me começar com um exemplo histórico: durante a época do Império Bizantino, duas facções chamadas de os Azuis e os Verdes competiam entre si na Praça de Istambul, ao ponto de sua rivalidade entrelaçar-se com questões políticas e religiosas, por vezes causando distúrbios. A situação atual me lembra um pouco os choques de então. Os islamistas se mantinham unidos enquanto o inimigo comum era o exército. Entretanto, o exército foi afastado da política em julho de 2011, e desde então os islamistas viraram-se uns contra os outros.
O que me causou surpresa é que a partir de 2001, ano de fundação do AKP, até o ano passado, o Primeiro Ministro Recep Tayyip Erdogan mostrou extraordinária habilidade política. Mas desde então, ele nada fez além de cometer erros. Mergulhou até o pescoço na Síria, envolveu-se em escândalos de corrupção, é autocrático e furioso. E tem mais: a cada passo em falso, repete o erro e o repete novamente. Contudo, as eleições municipais revelam que ele perdeu terreno, provavelmente para sempre.
- Como Erdogan, islamista modelo por 11 anos, de repente tornou-se tão autocrático, corrupto e furioso?
Isso se encaixa em um padrão universal: os islamistas são cautelosos quando fracos e agressivos quando poderosos. Por exemplo, a Irmandade Muçulmana do Egito sob o governo de Morsi, passou pelo mesmo processo, só que mais rapidamente.
- O senhor acredita que tanto Gülen quanto o AKP representam o Islã moderado?
Nenhum dos dois representa o Islã moderado. Ambos querem implementar a Sharia. Ambos são islamistas e as únicas diferenças entre eles são diferenças pessoais e táticas.
Os acontecimentos na Turquia têm importância bem além da Turquia. Até o ano passado, o AKP serviu como modelo do islamismo bem sucedido e cauteloso, mas agora que Erdogan mostrou sua verdadeira cara, essa função acabou. Além disso, os islamistas turcos, brigando entre si, enfraqueceram o movimento islamista no mundo todo.
Quando as Forças Armadas Turcas perderam poder político
- Por que acabou a aliança Gülen-Erdoğan?
Ela começou a acabar com a expulsão das forças armadas do cenário político após as eleições de junho de 2011, deixando apenas os islamistas no poder e a postos para se enfrentarem.
- O senhor está se referindo à demissão do chefe do exército e dos oficiais comandantes?
Exato, estou falando sobre o período em que começou com a demissão deles, em 29 de julho de 2011.
- E quanto ao incidente do Mavi Marmara?
Esse confronto com Israel, em maio de 2010, marcou o primeiro sinal mais grave dos conflitos entre os islamistas turcos. As tensões então se agravaram e se transformaram em hostilidades abertas com manifestações de protesto no Parque Gezi em junho de 2013 e, em seguida, em dezembro de 2013, vieram as revelações de corrupção.
- Assumindo que as hostilidades entre eles surgiram somente após as eleições de 2011, implica que organizaram as operações de Balyoz e de Ergenekon em conjunto.
Certo, as tensões entre o AKP e o movimento Gülen já existiam antes de junho de 2011. Entretanto eles precisavam um do outro para confrontar as forças armadas e trabalharam juntos de forma eficiente.
O AKP agora se aliou com o exército
- O que o senhor acha dos noticiários de 17 de dezembro sobre a corrupção do AKP e o timing dessas revelações?
Foi um acontecimento extraordinário, e mais incrível ainda, foram as fitas descobertas há duas semanas das conversas privadas do primeiro ministro com seu filho Bilal.
- Dizem que Erdogan e o movimento Gülen criam oportunidades para o exército.
É verdade, criam mesmo. O fato dos islamistas lutarem abertamente entre si levou Erdogan a chamar as forças armadas para o seu lado. Elas aceitaram, agora o AKP está trabalhando com elas contra Gülen.
- Os que foram presos por Erdoğan estão agora sendo liberados. Isso significa que o exército voltou ao cenário político?
De certa maneira, o exército está de volta sim. E com mais poder político do que há seis meses.
- Aqueles que estavam presos também estão participando?
Estão, principalmente İlker Başbuğ, ex-chefe do estado maior.
![]() İlker Başbuğ quando ainda era chefe do estado maior, com o Primeiro Ministro Erdoğan. |
- Em sua opinião, trata-se, de uma tentativa do AKP de estabelecer uma aliança com o exército contra o movimento Gülen.
Isso mesmo, e Erdogan pode no futuro lamentar essa jogada, já que a liderança dos militares não lhe deve nenhuma lealdade.
Alternativas para Erdoğan
- Há alguém, da estatura de Erdoğan, no AKP?
Talvez. A evidente tensão entre o Presidente Abdullah Gül e Erdogan vem à mente. Entretanto, Gül assinou tanto as leis da Internet quanto do Conselho Supremo de Juízes e Promotores do Ministério Público (HSYK), mostrando que, em última análise, está com Erdogan, não contra ele.
- Sendo assim, isso mostra que Gül tem desavenças com Fethullah Gülen.
Correto.
- Mas até recentemente Abdullah Gül estava trabalhando com o movimento Gülen.
Estava sim. São políticas complexas de poder.
Erdoğan e Washington
- O senhor acredita que a aliança entre Erdogan e Washington chegou ao fim?
Não, mas está bem mais fraca do que costumava ser. Pela primeira vez, a administração americana vê o primeiro-ministro turco, não como solução e sim como obstáculo.
- Pois bem, qual é a solução dos EUA? Com quem a administração americana pode colaborar na Turquia?
Francamente, no presente momento, a administração Obama não tem um aliado na Turquia. O CHP e o MHP não são amistosos e o BDP não está voltado para o cenário internacional. As forças armadas não são protagonistas políticos independentes. Restam outros líderes do AKP, que permanecem sob controle de Erdoğan.
- Portanto, no presente momento Washington não tem alternativas, a não ser o próprio Erdoğan.
Correto.