A tarefa do historiador é, amiúde, não a de apurar o que a imprensa diz, mas de averiguar as consequências nas entrelinhas e determinar porque ela diz o que diz, quando diz e qual o efeito do que foi dito.
-- Lucy Maynard Salmon, The Newspaper and the Historian (1923)
Foco em Israel e nos Estados Unidos
A cobertura da imprensa americana da guerra de 1982 no Líbano provocou, merecidamente, muitas críticas. Conforme mostram diversas análises, foram cometidos erros nas reportagens sobre fatos e a parcialidade contra Israel se tornou desenfreada. Mas mentiras e preconceitos não são normalmente as principais fontes de incorreções em relação ao Oriente Médio. Isso ocorre, de preferência, a partir de uma matéria escolhida para a cobertura.
Trocando em miúdos, jornalistas americanos estão interessados, apenas e somente, em dois tópicos quando o assunto é o Oriente Médio: Israel e os Estados Unidos. Aconteça o que acontecer que esteja relacionado a esses países é ampliado e transmitido para o mundo, o que não estiver relacionado é virtualmente ignorado.
Usando estatísticas provarei meu ponto de vista. Observando as três redes entre 1972 e 1980, concluímos que a média em minutos por ano dedicados a Israel era de 98,4. Em contrapartida, ao Egito foram dedicados apenas 54,7 minutos, para a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) 42,4, Síria 25,7, Líbano 18.4, Arábia Saudita 12,7, Jordânia 8,5 e Iraque 7,2. Quanto aos Estados Unidos no Oriente Médio, a média de cobertura em um período de nove anos foi de 152,7 minutos enquanto a cobertura da União Soviética se limitou a 19,4 minutos e da Europa, 13.
A fascinação da mídia com os Estados Unidos se mostra, de forma mais dramática, no caso do Irã. De 1972 a 1978 a presença do Irã nos noticiários das redes foi de apenas 9,6 minutos por ano, logo em seguida no período entre 1979 e 1980, a crise dos reféns, chamou a atenção para o Irã, saltando 39 vezes, para 375,2 minutos. Segundo William C. Adams, autor do estudo em que as estatísticas foram publicadas, conclui:
No total, a ênfase no conflito árabe-israelense tem desviado a atenção do noticiário sobre o Oriente Médio de outras partes da região não contíguas a Israel. Ao mesmo tempo, a ênfase na política dos EUA e seu papel desviaram a atenção do noticiário das relações do mundo com o Oriente Médio. . . . Até o aparecimento dos acontecimentos no Afeganistão e Irã em 1979 e 1980, o noticiário sobre o Oriente Médio tratava principalmente do conflito árabe-israelense e o papel dos EUA na região.
Essa preocupação com apenas duas partes de um todo muito maior, diminui significativamente a limitação da visão, que por sua vez explica a enorme série de distorções e erros do jornalismo americano em relação ao Oriente Médio.
Israel aos Olhos dos Americanos
Apesar do pequeno tamanho e grande distância, os americanos sabem mais sobre a vida política de Israel do que de qualquer outro país. Por exemplo, mais líderes israelenses são conhecidos pelo nome nos Estados Unidos do que de qualquer outro governo, incluindo Grã-Bretanha e URSS. Muitos americanos podem conversar com desenvoltura sobre os últimos acontecimentos no conflito entre Israel e os árabes ou articular enfoques específicos em relação a atual política israelense. Conforme observa Marvin Shick, muito embora a população de Israel seja uma margem de erro estatístico comparado aos censos chineses, "eu sei muito mais sobre a economia israelense do que sobre o sistema econômico chinês, ou seja, praticamente nada". Em suma, Israel pode ser citado como tendo o quociente de fama per capita mais elevado do mundo. (A Índia provavelmente o mais baixo). Nenhum país com tamanho semelhante, Benin, Laos, Noruega, Paraguai, usufrui uma fração sequer da familiaridade que Israel goza nos EUA.
Essa familiaridade se deve, em grande parte, graças ao resultado do especial interesse que a imprensa tem para com Israel. Organizações de notícias americanas têm mais correspondentes em Israel do que em qualquer país fora a Grã-Bretanha. Parece que nada que diga respeito a Israel, é pouco demais para se dar cobertura nos EUA, qualquer coisa pode ser manchete. Além dos grandes acontecimentos que ocorrem com impressionante regularidade, operações militares, terrorismo, resoluções das Nações Unidas e por aí a fora, muitos aspectos da vida cotidiana, quando acontecem em Israel, merecem atenção internacional. Sobre qual país, pequeno como Israel, são dedicadas reportagens, com tal frequência e destaque, em relação à taxa de inflação e política de assentamentos? Até episódios sem importância, normalmente ignorados pela imprensa americana, greve de médicos ou atritos municipais entre facções religiosas e não religiosas, levantam interesse quando acontecem em Israel.
Um exemplo de um jornal regional. The News of Lynchburg (Notícias de Lynchburg), Virginia limita sua reportagem internacional em uma coluna chamada "World News (Noticiário Internacional)", mas Israel aparece de forma desproporcional na coluna. Por exemplo, em 6 de agosto de 1984, um dos quatro itens do Noticiário Internacional foi uma exposição bem detalhada sobre acusações do governo israelense sobre a alegação que os quatro maiores bancos do país formaram um cartel ilegal para manipular a taxa de juros. De tudo que aconteceu pelo mundo no dia anterior, fica difícil aceitar que isso seria da maior importância para os moradores do sul da Virginia.
O mesmo acontece no nível internacional, onde Israel e qualquer coisa associada a Israel é digno de notícia. Libéria, quando restabeleceu relações diplomáticas com Israel em 1983, chamou a atenção da imprensa que até então era totalmente ignorada. A venda de armas de Israel faz parte, constantemente, das conversas sociais. Em meio à crise das Ilhas Falkland (Malvinas) em 1982, Israel estava fornecendo armas à Argentina, depois o corte no fornecimento de armas americanas para a América Central transformou Israel em substituto dos EUA. Toda essa atenção faz com que seja fácil esquecer o quão pequeno Israel é, no mercado global de armamentos e, com que frequência outros aliados dos EUA vendem armas para regimes que despertam polêmica (Grã-Bretanha para a Argentina, França para a África do Sul, Itália para a Líbia e assim por diante).
Sem dúvida, reportagens consistentes e profundas sobre Israel, são por si só louváveis. Os americanos em geral são pouco expostos aos acontecimentos fora de suas fronteiras e a cobertura dada a Israel remedia, até certo ponto essa deficiência. Aliás, as condições de Israel são tão diferentes das dos Estados Unidos, a começar pelo pequeno tamanho e posição, no meio de vizinhos agressivos, passando pela cultura multilíngue e economia socialista, que ficar informado sobre Israel, por bem ou por mal, ensina aos americanos muitas coisas sobre o mundo afora.
Mas também há um preço a pagar por isso. A ênfase dada a Israel distorce, de maneira fundamental, o modo com que os americanos veem o Oriente Médio, fazendo com que fique mais difícil e não mais fácil compreender o desenrolar dos acontecimentos entre Israel e os árabes.
Para começar, a extraordinária proeminência dada aos assuntos pertinentes a Israel, dão a impressão que Israel é o fator chave em todos os aspectos da política no Oriente Médio. Qualquer que seja o assunto, cotação do petróleo, segurança do Golfo Pérsico, relações dos EUA e dos soviéticos com os árabes, Israel parece sempre desempenhar o papel principal. Isso não só minimiza a importância de outros fatores fundamentais, como o islamismo e o pan-arabismo, mas também restringe a complexidade da política do Oriente Médio a uma única dimensão. A verdade é que Israel não tem nada a ver com a volatilidade da política árabe, a política contrária da OPEC ao Ocidente, a guerra Irã/Iraque, a guerra civil no Líbano ou o alinhamento pró soviético do governo sírio. Se a mídia não estivesse tão preocupada com Israel, os americanos poderiam ter uma visão mais correta e ponderada do seu papel no Oriente Médio.
Outra distorção vem a seguir, um tanto paradoxal poderia se dizer, dependente da anterior: já que quando se trata de Israel as manchetes aparecem em letras garrafais e quando não, na melhor das hipóteses ficam escondidas nas últimas páginas, os americanos tendem a não perceber que a extensão dos problemas políticos de Israel são típicos do Oriente Médio. Por exemplo, praticamente todas as fronteiras, em qualquer lugar do mundo, da Líbia ao Paquistão, da Turquia ao Iêmen, estão mal definidas ou sendo contestadas. Alguns desses problemas de fronteira acabaram levando países à guerra (como por exemplo as diferenças entre o Iraque e o Irã). Mas os americanos tendem a se interessar apenas nos problemas das fronteiras de Israel e não percebem que eles se encaixam em um padrão recorrente em todo o Oriente Médio. Como resultado tendem, erroneamente, a ver o caso de Israel como se fosse único.
A preocupação da mídia com Israel também a leva a exagerar a importância de um agente árabe, a OLP. Ao contrário dos países árabes, que são nações por inteiro com políticas nacionais e identidades separadas de Israel, a OLP por natureza, está ligada a Israel. Como organização que existe para destruir Israel, seu destino está inextricavelmente ligado ao destino do estado judaico. Como contra-ego de Israel, ela também recebe excessiva cobertura da mídia americana. Comentários de cada líder, de segundo ou terceiro escalão, são destacados com o mesmo cuidado dado às figuras políticas israelenses de mesma importância. Assim como Israel, imagina-se que a OLP seja mais poderosa do que realmente é, por ser observada tão de perto.
Por razões semelhantes, aos refugiados palestinos é dada uma atenção fora de qualquer proporção em relação ao seu número ou sofrimento. Muito depois que outras pessoas deslocadas da geração passada desapareceram da memória americana, turcos da Criméia, alemães orientais, coreanos, indianos, paquistaneses, judeus de países árabes, os palestinos permanecem vivos na lembrança. Em um período em que um número bem maior de refugiados vietnamitas, cambojanos, afegãos e somalis está passando por sofrimentos mais intensos que os deles, a obsessão com Israel leva muitos observadores, erroneamente, a concluir que a situação dos palestinos é a que mais merece sua atenção.
Reportagens sobre os vizinhos de Israel são distorcidas pela ênfase atribuída ao relacionamento deles com Israel. Somente uma fração do noticiário sobre a vida política do Líbano, Síria, Jordânia e Egito chega ao público americano, sendo que a maior parte dessa fração se refere a Israel. Por exemplo, questões chave no Egito, como problemas endêmicos de economia, crescimento do islamismo fundamentalista e a ameaça da crise populacional, atraem a atenção da imprensa na medida em que possam afetar as relações com Israel. Anwar as-Sadat se tornou uma estrela da mídia nos Estados Unidos porque ele deu o passo para acabar com o estado de guerra com Israel, Husni Mubarak continua desconhecido para os americanos porque não tomou nenhuma iniciativa importante em relação a Israel.
Se julgarmos o Egito em termos de seu relacionamento com Israel é injusto para com sua vida política, no caso do Líbano isso é ainda mais acentuado. A guerra civil começou naquele país em abril de 1975 e continua uma década depois. Ela se tornou um tema importante na imprensa americana somente em 1978 quando Israel lançou uma operação no sul do Líbano. Aí o interesse passou de novo, recomeçando somente quando da segunda incursão israelense no verão de 1982. Em se tratando de noticiário, o Líbano é um apêndice de Israel.
A cobertura de massacres no Líbano acentua, significativamente, essa questão. Ocorreu uma série de massacres durante a guerra civil, alguns (como o de Tel az-Zataar e Damur) com milhares de vítimas. Esses acontecimentos tiveram uma ligeira repercussão na mídia americana, as reportagens eram devidamente realizadas, mas com a tendência de se perderem nas incertezas das alegações e contra-alegações. Coisas terríveis estavam acontecendo, mas os americanos mal conheciam a natureza do conflito, muito menos identificar a identidade dos combatentes ou os motivos de suas tendências assassinas. Então vieram os assassinatos de Sabra e Shatila, que permaneceram nas coberturas dos noticiários nos Estados Unidos, por semanas a fio, em setembro e outubro de 1982, seguidos por debates e controvérsias por meses. Nesse caso, a mídia iniciou reportagens investigativas de grande vulto, cobrindo cada detalhe das mortes, foram atrás dos criminosos e especularam a quem deveria ser dada determinada parcela de culpa.
Qual é a diferença entre massacres anteriores e os de Sabra e Shatila? Nem o número de vidas perdidas nem a brutalidade dos assassinos. Sabra e Shatila se sobressaíram porque, de alguma, maneira Israel estava envolvido. Árabes massacrando árabes não é algo digno de sair nos noticiários, agora, a presença de Israel torna a mesma ocorrência em um espetáculo de mídia. No entanto, a negligência em relação a horrores anteriores e a total imersão nos de Sabra e Shatila, como se fossem um caso sui generis e não um evento de uma longa sequência, induz, novamente, a distorções e a uma visão seriamente deturpada da política e história árabes.
A obsessão com Sabra e Shatila teve ainda outro efeito preocupante. A cobertura internacional estava tão focada em Israel, que qualquer um que não prestasse muita atenção nos acontecimentos, acharia que soldados israelenses tinham praticado os assassinatos (muito embora sua culpabilidade tenha, de fato sido limitada, por terem dado acesso à milícia falangista aos campos palestinos e não terem intervindo). Nos meses subsequentes, a atenção americana ficou focada na comissão de inquérito israelense, não na comissão de inquérito libanesa, desordenada e inconclusiva, dando ainda mais a impressão de que somente Israel merecia estar no banco dos réus. Os libaneses assassinaram os palestinos e a opinião pública americana condenava os israelenses. Nesse caso, a exagerada ênfase dada a Israel fez com que os registros dos acontecimentos fossem falsificados.
De mais a mais, a superexposição de Israel faz com que o país seja julgado por padrões morais irrealizáveis. Os próprios israelenses, é claro, também aceitam os mesmos padrões que as democracias ocidentais e também almejam viver à altura do código moral contido na religião judaica. Além do mais, como maiores beneficiários da ajuda americana, os israelenses devem aceitar e, de fato aceitam os critérios exigidos pelos americanos, aplicados a seus aliados. Nada mais justo. Mas, para a imprensa, Israel parece ser tão grande e seus inimigos tão pequenos, que o país é julgado não em relação a esses inimigos ou outros países e sim em relação a ideias abstratas. O restante do mundo é visto no contexto de sua época e lugar, Israel é visto de forma isolada.
Exemplos não são difíceis de se encontrar. Praticamente nenhum jornalista que analisa o governo israelense na Cisjordânia inclui informações em seus relatórios sobre o governo jordaniano naquela região entre 1948 e 1967, nem fazem comparações com outras regiões do mundo árabe. Embora uma avaliação adequada da governança israelense sobre os árabes deve levar em consideração o histórico árabe, a preocupação da mídia com Israel apaga a presença árabe, removendo assim a situação de hoje na Cisjordânia de todas as considerações de tempo e lugar.
Paralelamente, as ações militares de Israel são frequentemente julgadas sem levar em consideração as ações de seus inimigos. Durante o cerco a Beirute no verão de 1982, muitos jornalistas americanos condenaram Israel pela morte de libaneses inocentes de Beirute, mas para começar, normalmente eles não citam o fato de que civis estavam sendo expostos ao perigo pela estratégia da OLP de usá-los como reféns contra o ataque israelense. Discussões sobre a moralidade da OLP nunca chamaram a atenção dos americanos com o mesmo interesse que chamam a atenção sobre a moralidade israelense e, se for constatado, no final que o comportamento de Israel foi superior ao de seus oponentes, não terá nenhuma importância. O verdadeiro teste é a discrepância entre as ações de Israel e seus ideais, ambos servem de melhor material jornalístico do que os dos árabes.
Em cada um dos casos a obsessão da mídia em relação a Israel prejudica, de forma dramática, a compreensão dos americanos da realidade israelense, bem como de outros protagonistas no Oriente Médio. Israel não é, de fato, a chave para os problemas da região, a OLP tem pouca margem de manobra para ações independentes, a importância do Egito vai muito além de seu relacionamento com Israel; Sabra e Shatila não são nenhum evento novo no Líbano, os assassinatos foram cometidos por libaneses e não por soldados israelenses e a derradeira responsabilidade quanto ao cerco de Beirute é da OLP. Dito isso, essas afirmações parecem ser nada mais que o óbvio, todavia, frequentemente elas se perdem na avalanche da atenção dada a Israel e, virtualmente só a Israel.
Por que o foco sobre Israel?
O que explica Israel ser tão interessante para o noticiário? Deriva em parte do fato de Israel ser o principal aliado americano em um conflito regional importante, dramático e contínuo. Nesse sentido, Israel pode ser comparado ao Vietnã do Sul, que na época da guerra do Vietnã, também sofria de excessiva exposição na imprensa, e que também era julgado por princípios morais abstratos e não em relação ao seu inimigo. Mas Israel dispõe de um fascínio próprio, que vai além da posição de aliado mais importante dos EUA. Mesmo acontecimentos que nada tem a ver com o conflito árabe-israelense, como por exemplo, a interrupção de vôos da companhia aérea El Al ou discussões sobre arqueologia, são motivos de notícias no exterior, de uma forma nunca vista no caso do Vietnã do Sul, Egito, Jordânia ou Arábia Saudita.
Para entender essa fascinação é necessário se afastar um pouco do fluxo do noticiário diário e se lembrar de alguns fatos culturais. Tanto para a imprensa americana quanto para sua clientela, o que motiva colocar tamanha ênfase sobre Israel é o fato dele ser o Estado Judeu.
Israel causa grande preocupação aos judeus americanos, que sentem a conexão entre seu destino e o destino deles próprios, e também têm o desejo de ter informações detalhadas sobre o país e tudo que acontece por lá, o que provavelmente não tem paralelo entre outros grupos nos Estados Unidos. A presença de um número considerável de judeus na mídia contribui ainda mais para a preocupação com Israel, como também o fato dos judeus estarem concentrados em grandes cidades onde a mídia mais importante tem suas bases, especialmente em Nova Iorque.
Entretanto, ainda mais importante é a inesgotável fascinação dos cristãos para com os judeus, o que deriva em termos gerais, de forma equilibrada, entre teologia e história. O fato do cristianismo ter se desenvolvido a partir do judaísmo criou uma série de tensões contínuas entre as duas religiões, com diversos e complicados pontos de contato. Jesus foi um judeu que rejeitou diversas práticas judaicas, os judeus por sua vez, rejeitaram Jesus como messias. Cristãos frequentemente responsabilizam os judeus pela morte de Jesus e acreditam que a Segunda Vinda de Cristo depende da conversão de todos os judeus. Cristãos consideram sagrado o Velho Testamento, mas o interpretam de forma diferente dos judeus. Por estas e por outras razões, os judeus ocupam um lugar singular na teologia cristã e por isso mesmo na civilização cristã. Durante séculos, o que os judeus fazem sempre tem sido de suma importância para os cristãos.
A história acentuou esse interesse. A maior parte do período medieval e moderno, os judeus foram os únicos não cristãos que cruzaram com a maioria dos europeus. E eles se sobressaíram: de forma diferente, praticavam costumes religiosos exóticos e viviam em comunidades separadas. Sendo uma minoria religiosa extravagante, com um papel crucial na teologia cristã, os judeus sempre tiveram um destaque desproporcional na Europa.
Dois acontecimentos tiveram lugar, recentemente, que alteraram esse quadro. Primeiro, os Estados Unidos herdaram, com pequenas alterações, o interesse europeu pelos judeus. Segundo, Israel herdou o destaque atribuído ao povo judeu da Europa. No entanto, enquanto os judeus da Europa atraiam a atenção por serem diferentes, os judeus do Oriente Médio, ironicamente, atraiam a atenção por serem conhecidos. Israel, fundado por colonos vindos da Europa, é a nação mais ocidental da região. Consequentemente, para um americano, Israel é o país mais fácil de se entender do Oriente Médio. (O surgimento da maioria oriental em Israel não muda isso, porque a cultura política dominante continua sendo aquela fundada pelos pioneiros no início do século). As esperanças e os medos dos israelenses estão muito mais ao alcance dos americanos do que as de seus vizinhos.
A relativa familiaridade em relação a Israel faz toda a diferença para jornalistas com falta de conhecimento sobre o Oriente Médio. A mídia não é nenhuma exceção no que diz respeito à regra geral, que as instituições americanas cultivam amadores. Um funcionário é promovido na empresa quando faz frequentemente rodízio em diferentes funções, na organização, mostrando habilidade nas variadas atividades. Respectivamente, jornalistas americanos enviados ao Oriente Médio são quase que invariavelmente novatos no assunto e na cultura da região que irão cobrir. A familiaridade em relação a Israel, diferentemente da qualidade exótica da vida muçulmana, faz com que o estado judeu seja ainda mais sedutor, quer dizer, eis um país que eles acreditam que possam entender. E além disso, conforme observa S. Abdallah Schleifer, é também o único país do Oriente Médio onde um correspondente pode arrumar uma namorada.
Israel também possui o único governo democrático e a única sociedade aberta do Oriente Médio, e como tal, oferece à mídia internacional oportunidades não encontradas em outros lugares. (O governo libanês tem sido mais ou menos democrático, dependendo das circunstâncias, a imprensa pode até trabalhar livremente, desde que respeitados os limites impostos pelo governo sírio e pela OLP). Jornalistas israelenses, sendo dinâmicos e com ideias próprias, fornecem aos colegas americanos muitas ideias para reportagens. Pelo fato de muitos jornalistas americanos serem preguiçosos no que diz respeito a averiguar todos os lados do conflito do Oriente Médio, acabam se concentrando em assuntos israelenses. Nos países árabes (às vezes conhecidos pelos jornalistas como "o arco do silêncio"), eles normalmente ficam sob rigoroso controle estatal. O governo sírio de Hafez al-Assad poderia devastar uma de suas próprias cidades, Hama por exemplo, sem que uma única foto fosse publicada. Na Arábia Saudita, o sigilo em volta da família real motivou uma autoridade da embaixada dos EUA a admitir que "aprender o idioma complexo dos pôsteres de Pequim, entender os painéis do Dia do Trabalho em Moscou para saber quem continua e quem foi substituído, é muito mais fácil do que entender a Arábia Saudita". Anos após o ocorrido, a tomada da Grande Mesquita em Meca em novembro de 1979, ainda permanece um enigma. Quem eram essas pessoas e o que elas esperavam atingir? Relatos do acontecimento atribuem o evento a todos, de marxistas a fundamentalistas islâmicos. Fatos enganam nos países árabes, especialmente para aqueles que não estão familiarizados com o idioma e a cultura.
Por todas essas razões e, pelo drama de seu nascimento, ressurreição do idioma hebraico, reunião dos judeus de todo mundo, associações religiosas de longa data com a terra, Israel atrai uma atenção desproporcional da mídia americana.
Refletores em cima dos Estados Unidos
O segundo foco do interesse da mídia dos EUA, os próprios Estados Unidos, requerem uma pequena explicação. Os americanos têm enormes interesses econômicos, políticos e militares no Oriente Médio. Empresas de energia fazem negócios na maioria dos países da região e seus equipamentos de petróleo estão praticamente espalhados por toda parte. Cerca de cinco sextos de toda ajuda externa americana é destinada apenas a quatro países do Oriente Médio (Turquia, Israel, Egito e Paquistão), além da Grécia. Instituições americanas de ensino superior estão localizadas em Istambul, Beirute e Cairo. Enormes quantidades de armas dos EUA foram enviadas, desde 1971, a Israel, seus vizinhos e para a região do Golfo Pérsico. Em 1980, foi montado o Comando Central para coordenar as forças de ataque rápido nas regiões do Golfo Pérsico e Oceano Índico. Acordos de cooperação estratégica foram assinados com Israel em 1981 e 1983. Fuzileiros Navais dos Estados Unidos e os navios e aviões para protegê-los se encontravam no Líbano de 1982 até o início de 1984. E assim por diante.
A presença do time da casa longe de casa distorce a maneira com que jornalistas dos EUA cobrem o Oriente Médio. Eles estão atrás dos interesses dos americanos de uma maneira que, digamos, jornalistas canadenses, não podem ir atrás dos interesses canadenses. Os jornalistas americanos reconhecem isso e são sinceros a respeito. Larry Pintak, correspondente em Beirute da CBS News, explicou de forma sucinta: "Enquanto os Marines estavam no Líbano, a CBS também tinha que estar lá".
Problemas aparecem quando o ponto de vista americano começa a dominar o cenário, os americanos acham mais interessante se informar sobre si mesmos do que sobre os estrangeiros. É demasiadamente fácil para eles perderem o foco da questão como um todo em favor do papel dos EUA. Os jornalistas são os primeiros a caírem nessa armadilha.
Por exemplo, quando jornalistas americanos votaram para escolher a notícia mais importante de 1983, escolheram por ampla maioria o atentado aos alojamentos dos Marines em Beirute em 23 de outubro que deixou 241 mortos. Isso faz sentido do ponto de vista americano: foi a maior perda de vidas dos militares americanos desde a Guerra do Vietnã. Mas do ponto de vista do Oriente Médio, foi uma votação surpreendente. O atentado contra os Marines, por mais trágico que tenha sido, causou apenas mais algumas mortes em uma guerra civil que começou em 1975. As mortes foram importantes somente na medida em que abalaram a determinação dos EUA em continuar mantendo tropas em solo libanês. Os jornalistas americanos estavam muito pouco interessados nas histórias que ocorreram em 1983, já que não tratavam dos Estados Unidos, ainda que fossem muito importantes para o Oriente Médio como a pacífica transição para a democracia na Turquia, o fracasso das negociações para a reconciliação nacional no Líbano, a renúncia do Primeiro Ministro Begin em Israel, a reunião entre Arafat e Mubarak no Egito, a recusa do Rei Hussein em aceitar o plano Reagan, a divisão da OLP, o posicionamento dos mísseis antiaéreos SA-5 e técnicos soviéticos na Síria, só para citar alguns exemplos.
Quando jornalistas americanos dirigem o foco para o envolvimento direto de seu país, eles estimulam o restante do país a fazer o mesmo. O que resulta em dois problemas. Primeiro, discussões sobre questões internacionais acabam se tornando coisas do dia-a-dia. O que começa com desentendimentos entre os EUA e outros governos acaba como rixas internas. Depois que os Marines passaram a desempenhar um papel ativo no Líbano, em setembro de 1983, o principal assunto nos EUA passou a ser o posicionamento deles. A cada soldado morto, o debate interno (sobre a Resolução dos Poderes de Guerra e assuntos relacionados) se torna mais importantes e as questões internacionais perdem terreno. Em uma questão de meses o embaixador do Líbano nos Estados Unidos, Abdallah Bouhabib, salientou com certo desânimo que os líderes americanos "só se interessam em conversar sobre a questão dos Marines. Eles não falam mais sobre o Líbano: reconciliação nacional, fortalecimento do governo. . . . A questão virou apenas os Marines, não o Líbano". Transformar questões relacionadas ao Oriente Médio em questões internas compromete os esforços dos EUA em formular uma política efetiva, porque quanto menos atenção os americanos dão aos fins e mais aos meios, tanto menos objetivos são concretizados.
Além disso, ater-se aos Estados Unidos significa avaliar os acontecimentos do Oriente Médio através do prisma dos interesses americanos. De janeiro de 1978 a janeiro de 1981, a imprensa iludiu seriamente o público, ao retratar os eventos no Irã sob a luz do envolvimento dos EUA. À medida que o regime do xá titubeava, a segurança dos cidadãos americanos que viviam no Irã passou a ser a principal preocupação. Depois os resultados da queda do xá foram avaliados em termos dos negócios americanos, recursos militares americanos, relações dos EUA com a URSS e o preço do petróleo nos Estados Unidos. A imprensa também debateu detalhadamente o papel do governo americano no regime do xá e o que Washington poderia ter feito para evitar sua queda. Independentemente das atitudes dos iranianos, os interesses americanos continuavam em primeiro plano.
A tomada da embaixada americana em Teerã em novembro de 1979 deixou de lado todas as outras relacionadas ao Irã. Durante quinze meses, a questão dos sequestrados dominou todos os aspectos das reportagens sobre o Irã. Pior do que a excessiva atenção dada a esse tipo de matéria, como por exemplo, quem viu os sequestrados, qual prato eles comeram no Natal, foi a tendência da mídia americana a fim de apresentar tudo que estava acontecendo no Irã, contanto que girasse em torno do problema do sequestro. O drama da embaixada, sintoma (não causa) da grande luta pelo poder em Teerã, foi visto pelos americanos como um fim em si próprio, de fato, como problema central da política iraniana. O envolvimento direto dos Estados Unidos levou nesse caso, e não é a primeira vez, a uma compreensão totalmente errada dos acontecimentos no Oriente Médio.
A armadilha do oposto é tão perigosa quanto. Se os americanos não estiverem diretamente envolvidos em um problema, ele desaparece da imprensa. Dois conflitos, a guerra Irã/Iraque e a invasão soviética no Afeganistão, não faziam mais parte, por um bom tempo, da participação militar americana ou mesmo de algum papel diplomático importante dos EUA. Como era de se prever, ambos foram negligenciados pela imprensa americana. Em termos de perdas de vidas, a guerra entre o Irã e o Iraque foi a mais cara do século XX (seguida pelas duas guerras mundiais e pelo conflito na Indochina). Líderes iraquianos ameaçaram bloquear as exportações de petróleo do Golfo Pérsico, o que levaria a um déficit de milhões de barris de petróleo por dia no mercado mundial. Mas a perda de vidas e a segurança no abastecimento de petróleo, são coisas distantes quando os EUA não estão envolvidos, os jornais fizeram reportagens sobre a guerra de maneira tão superficial (normalmente nada mais do que explicações superficiais das baixas em cidades desconhecidas) que mesmo os leitores mais assíduos perderam o interesse. Quanto ao Afeganistão, jornalistas americanos correram para lá logo após a invasão soviética, talvez em parte porque previam um papel direto dos EUA, mas quando isso não aconteceu, a imprensa perdeu o interesse na história dos aldeãos combatendo tropas soviéticas.
Dificuldades de acesso às áreas de combates no Iraque, Irã e Afeganistão não explicam essa escassez de notícias. Quando jornalistas acreditam que um assunto é interessante, não se acovardam diante de restrições do governo. No Irã, por exemplo, após jornalistas americanos serem expulsos no terceiro mês da crise dos sequestros, a mídia dos EUA continuava a cobrir quase que ininterruptamente, contando com cidadãos não americanos. No Afeganistão, se alguém fizesse questão de cobrir a guerra, havia uma rota, a pé, pelo Paquistão. O nível do interesse americano nesses dois conflitos provavelmente permaneceria inalterado se um aliado, como a França, apoiasse militarmente o regime iraquiano ou enviasse armas para os rebeldes afegãos. Contudo, se os EUA tomassem qualquer uma dessas duas medidas, o interesse aumentaria imensamente, mostrando mais uma vez, que o fato dos Estados Unidos se envolverem é mais digno de virar notícia do que a razão do envolvimento.
Repercussões Internacionais
O papel da mídia americana em moldar a opinião pública dos EUA e de influenciar a política de Washington requer uma explicação mais detalhada, mas o impacto fora do país é pouco conhecido. Em grande parte, eles determinam a pauta do resto do mundo. As reportagens dos ingleses e japoneses se tornam notícias em alguns países, mas para que um acontecimento tenha repercussão internacional, ele deve ser divulgado pelas principais empresas de notícias dos Estados Unidos. Notícias, não menos que sopranos, têm que aparecer na cidade de Nova Iorque. Não interessa de onde vem, o carimbo americano faz com que a notícia vire um evento de alcance mundial.
Portanto, a tomada da embaixada americana em Teerã virou manchete em todos os lugares porque foi divulgado incessantemente nos Estados Unidos. No Irã propriamente dito, a ocupação da embaixada tomou toda essa dimensão por causa da atenção causada nos EUA. Em contrapartida, quando sessenta e seis tchecos foram capturados pelas forças da UNITA em Angola em março 1983, a cobertura da imprensa fora da Tchecoslováquia foi praticamente nula. Ao ser perguntado sobre a diferença da atenção dada aos sequestrados americanos, Zdenek Porybny, editor para assuntos internacionais de um importante jornal da Tchecoslováquia, o Rude Pravo, resmungou em relação ao "egocentrismo da grande mídia americana" salientando que um único americano cativo constitui uma notícia importante, "mas não quando sessenta e seis tchecos são mantidos em cativeiro. Acreditamos que se a imprensa internacional fosse mais ativa, a UNITA teria liberado bem antes os sequestrados".
O mundo todo é influenciado pela maneira como a imprensa americana faz reportagens sobre o Oriente Médio. Superestimar Israel e os Estados Unidos também se espalha para outras regiões. Até os chineses, que não têm interesse histórico em relação a Israel e que estão mais interessados nas ações dos soviéticos do que nas ações dos americanos, tendem a se ater a problemas de Israel e dos EUA. Os próprios povos do Oriente Médio, que se espera tenham seu próprio ponto de vista sobre os assuntos regionais, são profundamente influenciados pela exposição da mídia americana, eles também se atêm aos mesmos tópicos.
Dessa maneira a mídia não só relata os acontecimentos no Oriente Médio, ela os cria. Semanas de atenção dirigidas à Sabra e Shatila exacerbaram a crise para o governo de Israel. A pouca atenção dada à invasão soviética no Afeganistão ajudou a prejudicar as forças da resistência. Ao adequar as preocupações, a imprensa americana desviou a atenção dos Estados Unidos, aliados e amigos de grandes problemas para problemas menores, o que causa vários efeitos prejudiciais.
Para um historiador do Oriente Médio, muito do que a mídia acha significativo deve ser descontado. O historiador pode discernir um rascunho entre as matérias que os jornalistas disponibilizam, mas deve ignorar, com muita cautela, a ênfase e interpretação, que frequentemente se revelam incorretas e por vezes pior que isso.
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Atualização de 1988: Algumas estatísticas podem confirmar que os jornalistas americanos ainda estão interessados em dois tópicos no Oriente Médio, Israel e os Estados Unidos: Em janeiro de 1988, o segundo mês da intifada dos palestinos, as três redes de TV americanas dedicaram um tempo extraordinário aos blocos dos noticiários noturnos dos eventos na Cisjordânia e Faixa de Gaza. De acordo com a A.D.T. Research de New York, a ABC designou 67 minutos aos palestinos e 5 minutos para a reportagem da retirada soviética do Afeganistão.
Na NBC foram 50 minutos e apenas 10 minutos para a convenção para a indicação presidencial em Iowa.
Na CBS, as mesmas reportagens receberam 48 e 16 minutos, respectivamente.
Atualização de 17 de novembro de 2009: A Google News de hoje apresenta uma impressionante ocorrência da importância do interesse em relação a Israel.
Os dois tópicos na Google News de 17 de novembro de 2009, dizem respeito a Israel. (Clique aqui para ampliar a imagem). |