Este texto é o resumo de um artigo que publiquei 1989.
Hoje é o dia em que quase foi declarado um estado palestino, pela terceira vez.
Em 1° de outubro de 1948, Haj Amin Husseini, mufti de Jerusalém, perante o Conselho Nacional Palestino em Gaza declarou a existência de um Governo Pan-Palestino.
Teoricamente tal estado já governava Gaza e em breve iria controlar toda a Palestina. Consequentemente, o incipiente estado apareceu seguido de uma bancada completa de ministros e proclamações elevadas de natureza livre, democrática e soberana da Palestina. Todavia, era tudo uma farsa. Gaza na época era governada pelo governo egípcio, os ministros não tinham nada para supervisionar e o governo palestino nunca se expandiu para nenhum lugar. Invertendo as bolas, este circo midiático foi rapidamente para o vinagre.
Passados quase quarenta anos, em 15 de novembro de 1988, um estado palestino foi novamente proclamado, de novo numa reunião do Conselho Nacional Palestino.
Desta vez, a segunda, o estado foi proclamado por Yasser Arafat. Em certos aspectos, este estado foi ainda mais fútil que o primeiro, ele foi proclamado em Argel, a quase 3 mil quilômetros e a quatro fronteiras da Palestina que sequer controlava um centímetro do território reivindicado. Embora a declaração de Argel tenha recebido enorme atenção na época (a matéria de primeira página do Washington Post dizia "OLP proclama Estado Palestino"), doze anos depois, caiu no esquecimento tanto quanto a declaração de Gaza que a precedeu.
Em outras palavras, a declaração de hoje de um Estado palestino foi chover no molhado.
Não sabemos o significaria a declaração de hoje, mas a exemplo do documento de 1988, provavelmente afirmaria que "o povo árabe palestino forjou sua identidade nacional" na distante antiguidade.
Na realidade, a identidade palestina remonta não à antiguidade e sim exatamente em 1920. Nenhum "povo árabe palestino" existia no início de 1920, só em dezembro tomou forma numa configuração reconhecidamente parecida com a de hoje.
Até o final do século XIX, os residentes que habitavam a região entre o Rio Jordão e o Mediterrâneo se identificavam acima de tudo em termos de religião: os muçulmanos tinham laços muito mais fortes com correligionários remotos do que com cristãos e judeus próximos. Morar naquela região não pressupunha nenhum senso de propósito político comum.
Aí veio a ideologia do nacionalismo proveniente da Europa, o ideal de um governo que incorpora o espírito de seu povo era estranho, sedutor para os habitantes do Oriente Médio. Mas como adotar esse ideal? Quem constitui uma nação e onde devem residir as fronteiras? Estas dúvidas estimularam grandes debates.
Alguns sustentavam que os residentes do Levante constituem uma nação, outros disseram que eram os que falavam o árabe oriental ou todos os que falavam árabe ou todos os muçulmanos.
Mas ninguém sugeriu "palestinos", e por uma boa razão. A Palestina, então uma maneira secular de dizer Eretz Yisra'el ou Terra Santa, personificava um conceito puramente judaico e cristão, totalmente alheio aos muçulmanos, até mesmo repugnante para eles.
Esta aversão foi confirmada em abril de 1920, quando a força de ocupação britânica tirou do fundo do baú a "Palestina". Os muçulmanos reagiram com muita desconfiança, vendo com razão tal concepção como uma vitória do sionismo. Menos à risca, eles se preocuparam que isto sinalizaria a retomada do incitamento às Cruzadas. Nenhuma voz muçulmana relevante endossou a denotação de Palestina em 1920, todas a contestaram.
Em seu lugar, os muçulmanos a oeste do Jordão dirigiram a lealdade a Damasco, onde o tio-bisavô do rei Abdullah II da Jordânia governava, eles se identificaram como sírios do sul. (Curiosamente, ninguém defendeu essa afiliação com mais ênfase do que um jovem chamado Amin al-Husseini, futuro mufti de Jerusalém). Em julho de 1920, no entanto, os franceses derrubaram esse rei hachemita, acabando assim com a noção de um Sul da Síria.
Isolados pelos acontecimentos de abril e julho, os muçulmanos da Palestina tiraram o máximo proveito de uma situação difícil. Um importante habitante de Jerusalém comentou poucos dias após a queda do reino hachemita: "depois dos últimos acontecimentos em Damasco, temos que mudar completamente nossos planos por aqui. O Sul da Síria não existe mais. Temos que defender a Palestina".
Seguindo o conselho, em dezembro de 1920 a liderança adotou a meta de estabelecer um estado palestino independente. Em poucos anos, a empreitada passou a ser liderada por Amin al-Husseini.
Outras identidades: sírias, árabes e muçulmanas, continuaram competindo por décadas com a Palestina, mas esta no final já tinha botado as outras para escanteio reinando praticamente suprema.
Dito isso, o fato desta identidade ser de origem tão recente e conveniente sugere que a primazia palestina encontra-se superficialmente enraizada e que pode chegar ao fim, talvez tão rapidamente quanto começou.
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