À medida que a economia da Turquia cai vertiginosamente por conta do colapso da lira, a moeda turca, investidores e economistas se perguntam porque o presidente Recep Tayyip Erdoğan continuou com a excêntrica política econômica que causou a crise. Ele deixou claro que a motivação é acima de tudo religiosa.
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Erdoğan esteve à frente da política turca por quase 20 anos ocupando várias pastas, presidente do Partido da Justiça e do Desenvolvimento, primeiro ministro e presidente. Vale lembrar duas características que marcaram a primeira metade de seu governo: a infindável preocupação de que a fervorosa liderança militar secular tentaria dar um golpe e um extraordinário crescimento econômico.
Tudo mudou em julho de 2011, quando Erdoğan forçou o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas a pedir a exoneração do cargo, juntamente com os chefes do exército, marinha e aeronáutica, assumindo ele próprio o controle das forças armadas. Assim, sem medo de um golpe, ele finalmente teve condições de nadar de braçada e botar em prática a ideologia islamista que os oficiais seculares haviam aplacado.
A ideologia veio à tona num piscar de olhos. Erdoğan apoiou colegas islamistas na Síria e no Egito em 2011, provocou tensões com Israel e com o Ocidente, insinuando em 2012 abandonar a Organização do Tratado do Atlântico Norte em favor da Organização para a Cooperação de Xangai capitaneada pelos russos e chineses. Internamente, o governo turco aumentou os impostos sobre bebidas alcoólicas, limitando a venda e publicidade destes produtos, as escolas religiosas se multiplicaram, além de receberem mais recursos.
Banco Central da Turquia. |
Na sequência, ao cair no ridículo na mídia, Erdoğan e seus assessores caíram no silêncio, sem apresentar nenhuma explicação para as baixas taxas de juros, já que a lira turca decaiu gradativamente ladeira abaixo. Neste ano, apesar das compras maciças de moeda estrangeira pelo banco central turco, a moeda despencou de 7 liras por dólar americano em fevereiro para cerca de 18 liras em meados de dezembro. (Um remendo de curto prazo aumentou o valor para 13 liras, mas o mercado parece estar desconfiado.)
Em 19 de dezembro, Erdoğan explicou que está elaborando uma política baseada em sua interpretação do mandamento do Alcorão que proíbe o pagamento de juros: "eles reclamam que continuamos diminuindo a taxa de juros. Não esperem nenhuma mudança da minha parte. Como muçulmano, continuarei fazendo o que nossa religião manda. O comando é este." Bastou esta única e desastrosa observação para que a lira caísse de pronto 12%. A percepção de que as políticas de Erdoğan se baseavam nos vigorosos comandos do Alcorão, não nas teorias de um economista americano já falecido, alarmaram o mercado.
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A convicção de Erdoğan em relação às taxas de juros acarreta terríveis consequências para a Turquia. Protestos e fome estão se espalhando, e o país poderá ter o mesmo destino da Venezuela. O economista da Duke University, Timur Kuran, salientou que o caos que desponta no horizonte dá a Erdoğan e aos seus subordinados "a oportunidade de declarar estado de emergência e permanecer no poder, apesar de sua crescente impopularidade".
A declaração de Erdoğan "o que nossa religião manda" mostra uma subserviência às noções medievais sobre as finanças, doa a quem doer. Mas os regulamentos religiosos medievais não combinam bem com as finanças modernas, em praticamente tudo. O sucesso muçulmano no mundo moderno requer uma reconsideração das leis islâmicas à luz das circunstâncias atuais. Os regulamentos corânicos podem ser interpretados para permitir pagamentos de juros razoáveis e ao mesmo tempo proibir a usura.
Quinhentos anos atrás, judeus e cristãos compartilhavam com os muçulmanos a hostilidade ao pagamento de juros, mas eles acabaram aceitando este imperativo financeiro. Os muçulmanos têm que seguir o exemplo ou correr o risco de terem mais instabilidade, repressão e pobreza na Turquia e em outros países de maioria muçulmana.
O Sr. Pipes é o presidente do Middle East Forum.
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