L'Informale: o Qatar Investment Authority comprou o Park Lane Hotel em Nova York de Steve Witkoff, um investidor imobiliário, por US$ 623 milhões. Agora enviado do presidente Trump, Witkoff elogiou o Catar em uma recente entrevista concedida a Tucker Carlson: "são pessoas boas e decentes. O que eles (catarenses) querem é uma mediação eficiente, que chegue à paz. E por quê? Porque a nação deles é pequena e eles querem ser reconhecidos como conciliadores. ... é necessário confiar nos catarenses. ... Deus os abençoe." O senhor vê alguma ligação entre a aquisição e os elogios?
Daniel Pipes: Com certeza.Admiro a contragosto o incrível talento dos líderes do Catar. Eles transformaram muito gás natural e um país com cerca de 300 mil cidadãos (cerca de metade de 1% da população da Itália) em uma potência em inúmeras áreas: educação, mídia, esportes, artes, aviação, segurança, além de abocanharem influência nos níveis mais altos nos círculos mais inesperados, incluindo dos judeus americanos e Jerusalém. Pense no seguinte: provavelmente nem um especialista dos Estados Unidos sobre o Oriente Médio ouviu falar de Steve Witkoff antes das eleições de novembro de 2024, mas os catarenses o acharam e já em agosto de 2023 compraram dele aquele hotel em um negócio de pai para filho. Como eu disse, eles são incríveis.
![]() O Qatar Investment Authority comprou o Park Lane Hotel em Nova York de Steve Witkoff, um investidor imobiliário, por US$ 623 milhões. |
L'Informale: Witkoff também salientou naquela entrevista que o Hamas não é tão "ideologicamente fechado" e que também não é "ideologicamente intratável". De onde será que ele tirou isso?
DP: ele quer chegar a um acordo, então ele puxa o saco do Hamas. A exemplo de Trump que se orgulha da sua "arte do acordo", o mesmo acontece com seus epígonos.
L'Informale: Witkoff não tem nenhuma experiência em diplomacia e um conhecimento amadorístico sobre o Oriente Médio. Por que Trump o escolheu para um papel tão delicado?
DP: por mais de um século, os presidentes americanos escolheram propositalmente negociadores para o Oriente Médio que não sabem quase nada sobre a região, vendo a ignorância deles como algo vantajoso. O presidente Woodrow Wilson, segundo um de seus assessores, achou que os amadores "eram particularmente qualificados para irem à Síria porque não sabiam nada sobre ela". (Veja meu artigo e blog, ambos intitulados "America's Know-Nothing Diplomacy", onde avalio personalidades como Henry C. King e Charles R. Crane, John S. Wolf, membros do Grupo de Estudos sobre o Iraque, John J. Sullivan e Jared Kushner.)
![]() O presidente Woodrow Wilson nomeou Henry C. King (E) e Charles R. Crane, sentados, para liderar a Comissão King-Crane patrocinada pelos Estados Unidos, retratada aqui no Hotel Royal em Beirute, em julho de 1919. |
L'Informale: qual foi o impacto do acordo Hamas/Israel negociado por Witkoff e imposto por Trump, assinado em meados de janeiro?
DP: Jerusalém foi forçado a trocar prisioneiros palestinos por reféns israelenses, interrompendo a guerra contra o Hamas e, assim, impedindo que Israel tivesse condições de destruir o Hamas e vencer a guerra.
L'Informale: o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, afirma que o Catar "não é um país inimigo, e muitos elogiam aquele país", apesar dele apoiar o Hamas por décadas a fio e de seu atual ministro da defesa twittar "somos todos Hamas". Netanyahu está certo?
DP: não, ele está errado. Netanyahu elogia o Catar pelas mesmas razões que Witkoff elogia o Hamas: em busca de um acordo. Além disso, os americanos que endossam o Catar o arrastam para Doha: "o Catar é crucial para a segurança e a existência de Israel. Israel não terá condições de sobreviver sem cooperar com o Catar", salientou um americano, sob condição de anonimato, ao editor-chefe do Jerusalem Post. De maneira geral, desde 2008 os governos israelenses têm procurado Doha para financiar o Hamas ou negociar com o grupo. Isso criou uma dependência perversa que Netanyahu, em particular, parece ser incapaz de se desvencilhar. Depois de tantos anos, esse relacionamento finalmente explodiu como escândalo "Qatargate". Talvez ele mude as atitudes.
L'Informale: o Catar deve ser visto como um inimigo e qual o tamanho do perigo que ele representa?
DP: sim, o governo de Thani é inimigo. O uso inteligente do seu dinheiro para promover os objetivos wahhabistas faz dele, juntamente com a Turquia e o Irã, o principal fomentador mundial do islamismo e da jihad. Doha fomenta de maneira cuidadosa, equilibrada, de longo prazo e com muito dinheiro, com resultados extraordinariamente bem-sucedidos.
L'Informale: por que a guerra Hamas/Israel continua sem parar?
DP: dois importantíssimos desdobramentos impediram que Israel vencesse: os reféns e os aliados do Hamas. A tomada de cerca de 250 reféns residentes de Israel criou um enorme, barulhento e politicamente influente grupo que convenceu cerca de dois terços do corpo político israelense de que a libertação de reféns deveria ter precedência sobre a derrota do Hamas. Então, o 7 de outubro impeliu a República Islâmica no Irã e seus proxies, Hezbollah no Líbano e Houthis no Iêmen, a atacarem Israel no que ficou conhecido como o "anel de fogo". Jerusalém respondeu com força total contra os três, o que significou deixar de lado prematuramente a guerra contra o próprio Hamas. Outros desdobramentos desviaram ainda mais o foco: os problemas legais de Netanyahu e a sua cirurgia, ameaças incessantes de seus parceiros de caírem fora da coalizão e o acordo de Witkoff mencionado acima.
L'Informale: qual a sua previsão em relação à guerra Hamas/Israel?
DP: eu calculo que o Hamas irá sobreviver. O grupo sobreviverá com algum tipo de acerto ruim aos interesses de Israel e do Ocidente. A guerra mais longa de Israel também será a menos bem-sucedida.
L'Informale: qual é o significado do envio do segundo grupo de porta-aviões dos EUA, o USS Carl Vinson, para o Oriente Médio?
DP: sinaliza para Ali Khamene'i e outros líderes em Teerã que o discurso duro de Trump ("se eles não fizerem um acordo, haverá bombardeios. Será um bombardeio como eles nunca viram antes") poderá levar à ação. Mas não me peça para prever se isso vai acontecer ou não: Trump é imprevisível demais.
![]() O Grupo de Ataque USS Carl Vinson. |
L'Informale: como o senhor avalia as políticas de Trump para o Oriente Médio em seu segundo mandato?
DP: como todas as suas políticas, elas são ainda mais instáveis do que no seu primeiro mandato. A Casa Branca foi tomada por um egocêntrico voluntarioso, algumas de suas políticas são excelentes, outras são terríveis. O que me deixa atônito não é o próprio Trump, que é o que é, mas aqueles inúmeros conservadores americanos que não só o escolheram para ser seu líder, como também lhe ofeceram ilimitada lealdade. Atribuo isso à fúria deles em relação aos liberais, uma fúria que Trump expressa excentricamente.