Assim como venho soando o alarme desde que o AKP venceu sua primeira eleição em 2002, agora alerto que: as eleições, ora em andamento, serão provavelmente as últimas eleições livres e democráticas na Turquia.
Com o principal partido islâmico da Turquia controlando os três poderes do governo e com os militares marginalizados, praticamente nada poderá detê-lo em mudar as regras para se perpetuar no poder. Se ainda por cima o AKP conseguir obter a maioria parlamentar de dois terços, somente com seu partido ou por meio de alianças com os outros partidos, irá mudar a constituição, acelerando o processo. (12 de junho de 2011)
Recep Tayyip Erdoğan, dirigente do AKP e primeiro ministro turco, votando. |
Atualização de 21 de dezembro de 2013: Cem Toker, presidente do Partido Democrático Liberal turco, argumenta em "Eleições na Turquia: Democráticas ou Permeadas por Fraudes"? que o Supremo Comitê Eleitoral (YSK) "cuidadosamente ou inadvertidamente, pode estar envolvido em manipular" resultados das votações. Ele observa que
o YSK é composto por juízes experientes cujas decisões sobre eleições não podem ser objeto de recurso ou outra apelação legal, incluindo o Tribunal Constitucional, sendo portanto uma instituição extremamente poderosa do sistema eleitoral da Turquia.
Ele aponta diversas irregularidades:
segundo os números oficiais do YSK, o número de eleitores registrados aumentou 1,02% entre 2002 e 2007. É surpreendente que o número total de eleitores tenha aumentado 29% entre 2007 e 2014 Mais surpreendente ainda é que a população da Turquia aumentou menos de 10% nesse mesmo período.
Cem Toker e o logotipo do Partido Democrático Liberal da Turquia. |
Além disso,
Em 20 de novembro de 2008, em uma decisão polêmica e sem precedentes, o Instituto Turco de Estatística (TUIK) decidiu inutilizar todos os registros utilizados no "registro de eleitores com base em endereços", isso menos de um ano após sua divulgação. Apesar das objeções de partidos políticos e importantes formadores de opinião, o órgão inutilizou todos os dados.
Em outra decisão polêmica, em 2009, o YSK decidiu, após décadas em uso, acabar com a prática de passar corantes nos dedos dos eleitores a fim de evitar que votassem mais de uma vez. Fora isso, o YSK se recusou a publicar os resultados do referendo de 2010 com base nas urnas, significando que foi impossível averiguar problemas com votos de uma urna, ou seja, foram aceitos apenas a somatória de votos.
É importante salientar que a Turquia só começou a usar o software Computer Supported Centralized Voter Roll System (SECSIS) desenvolvido pela Sun Microsystems em 2007, antes das eleições parlamentares. O debate técnico envolvendo a controvérsia do sistema ainda continua na Turquia. Opositores a esse sistema indicam que ele é vulnerável a manipulação e programação eletrônica, tendo assim o potencial de manipular resultados de urnas.
Ele também analisa circunstâncias suspeitas de irregularidades na votação, por exemplo, um grande aumento no número de cédulas excedentes. Além disso,
não é segredo para ninguém o fato de, após cada eleição, cédulas usadas ou não, aparecerem em latas de lixo na Turquia. Entretanto, já que se acredita que a quantidade delas não seja significativa o suficiente para alterar o resultado das eleições, nenhuma ação legal foi tomada até hoje.
A partir de toda essa trapaça, Toker conclui que
qualquer cidadão bem informado, depois de juntar as peças desse quebra cabeça, questionaria as práticas polêmicas empregadas antes e depois de cada eleição, desde que o AKP chegou ao poder em 2002.
Atualização de 17 de abril de 2014: Com informações de Ancara sobre votação manipulada, Sayed Abdel-Maguid do Al-Ahram explica que
aparentemente a controvérsia sobre relatórios de má fé na conduta e contagem dos resultados das eleições municipais ocorridas em 30 de março vai continuar se alastrando por um bom tempo. Certo é que a controvérsia tem causado danos ao posicionamento democrático da Turquia na União Européia e nos Estados Unidos.
Abdel-Maguid observa que o jornal Zaman do movimento Gülen
dedicou um editorial para a questão da razão do presidente dos EUA Barack Obama não ter parabenizado Erdogan pela vitória eleitoral. É óbvio que a resposta é que a fraude e a manipulação nas últimas eleições foram tão flagrantes ao ponto de chocarem a Europa e os Estados Unidos e aumentarem os temores quanto ao compromisso da Turquia para com a democracia e os valores democráticos. Por essa razão Obama, como seria de praxe, não pegou no telefone para parabenizar Erdoğan.
Entretanto, tenho minhas dúvidas quanto ao sentido desse não telefonema, já que se tratava de eleições municipais, não nacionais. Mais importante que isso, segundo o receio de Toker:
além dos relatos de irregularidades e crimes eleitorais, o governo turco tem obstruído diligentemente os mecanismos legais para investigá-los e processá-los conforme manda a lei.