Em uma mudança, sem estardalhaços, em relação à sua sustentação proferida em dezembro de proibir a entrada de muçulmanos nos Estados Unidos (matéria esta tratada e considerada por mim para visualizar clique aqui), Donald Trump já está visando os países de origem dos imigrantes. Até agora ele já mudou de ideia três vezes.
1. Abaixo uma entrevista concedida à CBS News por ele e seu candidato a vice Mike Pence. Transcrevo a conversa na íntegra, porque ela é dispersa e difícil de selecionar trechos:
Lesley Stahl: vamos falar sobre alguns dos problemas. Pelo fato de haver algumas diferenças entre vocês, podemos dar apenas uma pincelada em relação a isso. Imigração. Sr. Trump, o Sr. defendeu a proibição temporária da entrada de muçulmanos nos Estados Unidos. O senhor (Pence) concorda com isso?
Mike Pence: Concordo. A bem da verdade, em Indiana nós suspendemos o programa para refugiados da Síria na esteira do ataque terrorista. Nós não temos nenhuma prioridade que esteja acima da segurança das pessoas deste país, e Donald Trump-
LS: Agora-
MP: --tem razão em—
LS: --em dezembro-
MP: --de articular esse ponto de vista.
LS--em Dezembro o senhor tuitou, "defender a proibição da entrada de muçulmanos nos EUA é ofensivo e inconstitucional".
Donald Trump: Chamemo-los de territórios. Ok? Trataremos de territórios. Não iremos permitir que as pessoas venham da Síria sem que ninguém saiba quem são. Hillary Clinton quer aumentar em 550% em relação a Obama a entrada da pessoas nos Estados Unidos
LS: de modo que os senhores—
DT: --sem saber quem são-
LS: --de modo que os senhores estão mudando o seu-
DT: --iremos—
LS: --posicionamento.
DT: --não, eu - chame-o como quiser. Para nós serão territórios, OK?
LS: não muçulmanos então?
DT: você sabe - a Constituição - não há nada que se compare a ela. Mas ela não necessariamente nos dá o direito de cometermos suicídio, como país, certo? E eu vou te dizer o seguinte. Chame isso como quiser, em vez de territórios, mas há territórios e estados terroristas e nações terroristas e nós não vamos permitir que pessoas desses lugares entrem em nosso país. E teremos uma coisa chamada "checagem exaustiva". E se as pessoas quiserem entrar, haverá checagem exaustiva. Teremos checagem exaustiva. Eles entrarão e saberemos de onde vieram e quem eles são.
2. Uma versão mais clara e mais sucinta da apresentada acima emergiu no discurso de Trump aceitando a indicação do Partido Republicano à corrida presidencial em 21 de julho:
nós temos que suspender de imediato a imigração de qualquer nação que esteja em situação comprometedora no tocante ao terrorismo, até que os mecanismos de avaliação tenham cumprido o seu papel. Não os queremos em nosso país.
3. Em 24 de Julho em sua primeira entrevista após a nomeação concedida ao programa Meet the Press da NBC, Trump deu mais detalhes àquela formulação concisa em seu discurso de aceitação da indicação. A transcrição a seguir foi editada a fim de remover burburinhos e tornar a conversa mais fácil de ser compreendida:
Chuck Todd: quanto à proibição da entrada de muçulmanos. Eu acho que você se afastou dela, mas é melhor o senhor mesmo nos esclarecer.
(INÍCIO DO VÍDEO DISCURSO DE ACEITAÇÃO DA INDICAÇÃO)
Donald Trump: nós temos que suspender de imediato a imigração de qualquer nação que esteja em situação comprometedora no tocante ao terrorismo, até que os mecanismos de avaliação tenham cumprido o seu papel.
(FIM DO VÍDEO)
CT: Dá a sensação de um ligeiro recuo.
DT: Acho que não. Eu realmente não acho que é um recuo. Na verdade você poderia dizer que é uma expansão. Agora estou me atendo aos territórios. As pessoas ficaram tão constrangidas quando eu usei a palavra muçulmano. Ah, não se pode usar a palavra muçulmano. Lembre-se disso. E para mim tudo bem, porque eu estou falando de território em vez de muçulmano.
Mas lembre-se: a nossa Constituição é incrível. Mas isso não nos dá o direito de cometermos suicídio, certo? Agora, temos uma religião, você sabe, todo mundo quer proteção. E isso é ótimo. E essa é a parte maravilhosa da nossa Constituição. Eu vejo isso de outra maneira.
Por que estamos cometendo suicídio? Por que estamos fazendo isso? Mas quer saber? Eu respeito a nossa Constituição. Eu amo a nossa Constituição. Eu estimo a nossa Constituição. Estamos tornando a questão territorial. Temos nações e daremos as devidas explicações... nas próximas semanas a respeito de uma série de países. É muito complicado. Temos problemas na Alemanha e temos problemas na França. Portanto, não se trata apenas de países com (DP parece que ele ia dizer "maioria muçulmana", mas foi interrompido e não terminou a sentença).
CT: a situação deles é comprometedora no tocante ao terrorismo.
DT: totalmente comprometedora. E sabe por quê? É culpa deles mesmo. Porque permitiram que entrassem em seu território.
CT: é possível chegar ao ponto onde não será permitido a um monte de gente entrar neste país vindos de um monte de lugares.
DT: é possível que chegaremos a esse ponto. Chuck, veja o que está acontecendo. Veja o que acaba de acontecer no Afeganistão, onde eles explodiram um shopping center inteiro com as pessoas lá dentro, eles não têm ideia de quantas pessoas foram mortas. Aconteceu hoje. Portanto, temos de ser inteligentes, vigilantes e fortes. Não podemos ser obtusos. Minha proposta é a seguinte, o que eu quero é o seguinte: checagem exaustiva. Palavra dura. Checagem exaustiva.
CT: e como seria isso?
DT: pesado. Teremos normas rígidas. E se alguém não puder provar que é de uma determinada região e se alguém não pode provar o que deveria ter condições de provar, esse alguém não entrará neste país.
Resumindo a nova proposta política de Trump: os cidadãos de qualquer país que sofram de violência política islamista (ele parece não estar preocupado com outras formas de violência) que desejem entrar nos Estados Unidos passarão por um processo de "checagem exaustiva", que coloca o ônus da prova sobre o visitante em potencial ou imigrante. Os países em questão não são somente aqueles de maioria muçulmana, mas também aqueles que (como a Alemanha e a França) permitiram insensatamente que grupos (muçulmanos) que estão envolvidos em violência política entrassem em seus países.
O que isto significa na prática é uma incógnita. Termos como "comprometidos pelo terrorismo" ou "estados terroristas e nações terroristas" não têm definição. Será que um determinado número de atos de terrorismo ou um determinado número de mortes comprometem uma nação? Será que ele faz alguma distinção entre países cujos governos fomentam o terrorismo (por exemplo, o Irã) e aqueles que sofrem com o terrorismo (por exemplo Israel)?
Comentários:
- Trump abandonou por completo o seu pedido para "uma proibição total e completa da entrada de muçulmanos nos Estados Unidos" proferido em Dezembro de 2015. O novo foco em "qualquer nação que tenha sido comprometida pelo terrorismo" evita qualquer menção quanto à religião. Checagem religiosa foi substituída por "checagem exaustiva" de cidadãos oriundos de "países terroristas e nações terroristas".
- Todd está certo, independentemente da negação de Trump, é óbvio que se trata de um recuo. É notório que Trump ignora os críticos e segue o seu próprio caminho, mas até ele se dobrou diante de sete meses de ataques constantes contra a sua política de proibição de entrada de muçulmanos.
- Isso não constitui um abalo, pelo fato de que Trump já havia sinalizado que suas considerações políticas são totalmente flexíveis. Ele explicou em maio: "olha, qualquer coisa que eu disser agora - eu não sou o presidente - tudo é uma proposta. Não importa o que você disser, é uma proposta". De modo que o melhor é ignorar suas declarações estridentes que a qualquer momento podem mudar.
- Embora Trump fale de suspensão da "imigração" ou seja: não permitir que pessoas venham para os Estados Unidos para se estabelecer, no contexto da sua declaração de dezembro pedindo a "proibição da entrada de muçulmanos nos Estados Unidos", sugere que ele também quer incluir os visitantes.
- Se "comprometido com o terrorismo" significa "ter sofrido atos de violência política islâmica", então a maioria dos países do mundo (incluindo os próprios Estados Unidos) se encaixam nesta categoria. Com efeito, então Trump está dizendo que os visitantes e os imigrantes como um todo devem ser excluídos, exceto aqueles de alguns países afortunados como a Islândia e a Costa Rica.