De uma novela de Salman Rushdie publicada em 1989 a um protesto civil nos Estados Unidos chamado de "Dia de Todo Mundo Desenhar Maomé" em 2010, desenvolveu-se um costume com o qual já estamos acostumados. Ele aparece quando cidadãos do Ocidente dizem ou fazem algo que gera crítica ao Islã. Os islamistas respondem com xingamentos e desfeitas, exigências de retratação, ameaças de processos e de violência e violência real. Por sua vez, os Ocidentais hesitam, tergiversam e no final se dobram. Ao longo do caminho, cada controvérsia provoca um debate que se concentra na questão da liberdade de expressão.
Eu defendo dois pontos com respeito a esse padrão. Primeiro, de que o direito dos Ocidentais de discutir, criticar e até de ridicularizar o Islã e os muçulmanos sofreu um desgaste com o passar dos anos. Segundo, de que a liberdade de expressão é a parte menos importante do problema; o que está em jogo é algo bem mais profundo – na realidade, é a questão decisiva do nosso tempo: os Ocidentais irão preservar a sua própria civilização histórica em face à agressão dos islamistas ou irão ceder à cultura e à lei islâmica e sujeitar-se a uma forma de cidadania de segunda classe?
Capa do livro que provocou o Decreto Rushdie. |
Eu comunico a todos os muçulmanos devotos do mundo que o escritor do livro intitulado Os Versos Satânicos – compilado, impresso e publicado contra o Islã, o Profeta e o Alcorão – e todos envolvidos na publicação que tenham conhecimento de seu conteúdo, estão sentenciados a morte.
Conclamo todos os muçulmanos devotos a executá-los com a máxima urgência, onde quer que se encontrem, para que ninguém mais ouse insultar as santidades muçulmanas. Queira Deus que, aquele que for morto nessa empreitada seja um mártir.
Além disso, toda e qualquer pessoa que tiver acesso ao autor desse livro, mas que não tenha competência para executá-lo, deverá denunciá-lo para que ele possa ser punido por suas ações.
Esse decreto sem precedentes – nenhum chefe de governo jamais exigiu a execução de um escritor morando em outro país – apareceu do nada e pegou todos de surpresa, desde as autoridades do governo iraniano até o próprio Rushdie. Ninguém podia imaginar que um romance realista mágico, repleto de pessoas caindo do céu e animais falantes, poderia incorrer na ira do soberano do Irã, um país com o qual Rushdie tem poucas ligações.
O decreto levou a ataques reais em livrarias da Itália, Noruega e Estados Unidos e aos tradutores de Os Versos Satânicos, na Noruega, Japão e Turquia; nesse último, o tradutor além de outros 36, pereceram em um ataque com fogo a um hotel. Outras manifestações violentas em países de maioria muçulmana resultaram em mais de 20 fatalidades, principalmente no Sul da Ásia. Assim sendo, em junho de 1989, quando a poeira começou a baixar, Khomeini faleceu; sua morte fez com que o decreto, por vezes erroneamente chamado de fatwa, se tornasse imutável.
O decreto contém quatro elementos importantes. Primeiro, ao denotar "oposição ao Islã, ao Profeta e ao Alcorão", Khomeini delineou uma ampla gama de tópicos sagrados que não podem ser tratados de forma desrespeitosa sem invocar a pena de morte.
Segundo, ao designar "todos os envolvidos na publicação que tenham conhecimento de seu conteúdo", declarou guerra não apenas ao autor, mas também a toda infraestrutura cultural – incluindo milhares de funcionários de editoras, anunciantes, empresas de distribuição e livrarias.
Terceiro, ao mandar executar Rushdie "para que ninguém mais ouse insultar as santidades muçulmanas", Khomeini deixou claro seu objetivo, não apenas em punir um escritor, mas também de impedir futuros casos de ridicularização.
E por último, ao exigir daqueles que não forem capazes de executar Rushdie, "que o delatem", Khomeini conclamou todos os muçulmanos do mundo inteiro a se tornarem parte de uma rede de inteligência informal dedicada a defender as santidades islâmicas.
Esses quatro componentes juntos constituem o que eu chamo de Decreto Rushdie. Após duas décadas, ele continua em vigor.
O decreto estabeleceu no Ocidente vários precedentes. Um líder político estrangeiro ignorou com sucesso os limites convencionais dos poderes do estado. Um líder religioso, agindo de acordo com a sua vontade, interveio diretamente, a um custo ou resistência mínima, nos assuntos culturais do Ocidente. E um líder muçulmano estabeleceu o precedente de aplicar um aspecto da lei islâmica, a Sharia, em um país predominantemente não muçulmano. Sobre esse último fator: De tempos em tempos os países ocidentais serviram como eficazes agentes de Khomeini. O governo da Áustria impôs uma sentença de prisão condicional a uma pessoa que desafiou o Decreto Rushdie, ao passo que os governos da França e da Austrália recorreram a processos judiciais que poderiam resultar em aprisionamento. Mais impressionante ainda, autoridades do Canadá, Grã-Bretanha, Holanda, Finlândia, e Israel encarceraram os infratores do Decreto Rushdie. É preciso uma boa dose de esforço para que nos lembremos dos inocentes dias antes de 1989, quando os Ocidentais falavam e escreviam livremente sobre o Islã e assuntos afins.
O Decreto Rushdie teve um impacto imediato nos muçulmanos que moravam no Ocidente, levando a uma explosão de insultos e violência que gerou a recém descoberta sensação de poder. Da Suécia a Nova Zelândia, os islamistas responderam com júbilo, visto que, após estarem por séculos na defensiva, os muçulmanos encontraram o seu porta-voz e, de uma situação aflitiva, poderiam agora passar a desafiar o Ocidente. Grande parte da violência que se seguiu foi de caráter incriminatório, seguindo o modelo do 11 de setembro, Bali, Madri, Beslan e Londres, na qual os jihadistas matavam quem quer que fosse que estivesse em seu caminho; O Web site TheReligionOfPeace.com fornece evidencias documentais de cinco ataques indiscriminados, em média, por dia realizados por terroristas islamistas ao redor do mundo.
Menos comum e mais intimidativa é a violência cujo alvo são aqueles que desafiam o Decreto Rushdie. Vamos limitar os exemplos desse fenômeno a um país, a Dinamarca. Em outubro de 2004, um professor do Instituto Carsten Niebuhr da Universidade de Copenhague foi golpeado e chutado por vários estranhos quando saia da universidade. Eles o avisaram que sabiam que ele tinha lido o Alcorão e sendo um infiel, (kafir) não podia lê-lo. Em outubro de 2005, Flemming Rose editor do Jyllands-Posten foi ameaçado por ter autorizado a publicação de charges retratando Maomé. Dois chargistas tiveram que se esconder. Um deles, Kurt Westergaard, logo em seguida escapou por pouco de um ataque no interior de sua residência. Em março de 2006, Naser Khader, um político anti-islamista, foi ameaçado por um islamista advertindo que se Khader se tornasse Ministro de Estado, ele e seu ministério iriam pelos ares.
A experiência dinamarquesa é típica. Segundo o Wall Street Journal, "por toda Europa, dezenas de pessoas estão escondidas ou sob proteção policial devido às ameaças de extremistas muçulmanos". Até mesmo o Papa Bento XVI recebeu uma avalanche de ameaças após ter citado um imperador bizantino sobre a questão do Islã. Só na Holanda, os políticos divulgaram 121 ameaças de morte em apenas um ano. A execução de Theo van Gogh em novembro de 2004 em uma rua de Amsterdã – um renomado doutrinário da liberdade, produtor de cinema, apresentador de programa de entrevistas, colunista de jornal e cômico que ridicularizou o Islã – traumatizou o país e levou a um breve estado de insurreição.
Os cidadãos do Ocidente, em geral, interpretam essa violência como um desafio a liberdade de expressão. Mas se a liberdade de expressão for o campo de batalha, a guerra como um todo abrange os princípios nos quais estão fundamentados a civilização ocidental. A norma recorrente do alvoroço islamista tem o propósito de atingir três objetivos – nem sempre articulados – de ir bem além da proibição de criticar o Islã.
O primeiro objetivo consiste em firmar um status de superioridade ao Islã. A exigência de Khomeini na observância da trindade sagrada do "Islã, do Profeta e do Alcorão" implica em privilégios especiais para uma religião, a exclusão da comoção do mercado de ideias. O Islã iria se beneficiar de leis únicas, não disponibilizadas às outras religiões. Jesus pode ser ridicularizado por meio de sacrilégio no filme A Vida de Brian de Monty Python ou Corpus Christi de Terry McNally, porém, conforme coloca o título de um livro, "cuidado com Maomé!"
Passando para o segundo objetivo – supremacia muçulmana e inferioridade ocidental. Os islamistas, de forma rotineira, dizem e fazem coisas mais ofensivas aos cidadãos do Ocidente do que estes por sua vez dizem ou fazem aos muçulmanos. Eles menosprezam abertamente a cultura ocidental; nas palavras de um islamista argeliano, não se trata de uma civilização e sim de uma "sifilização". A grande mídia deles publica charges mais violentas, grosseiras e odiosas do que qualquer coisa que seja sancionada por Flemming Rose. Eles insultam livremente o judaísmo, cristianismo, hinduísmo e o budismo. Eles assassinam judeus simplesmente por serem judeus, como Daniel Pearl no Paquistão, Sébastian Sellam e Ilan Halimi na França e Pamela Waechter e Ariel Sellouk nos Estados Unidos. Quer seja por medo ou por negligência, os cidadãos ocidentais consentem a essa disparidade através da qual os muçulmanos podem ofender e atacar enquanto eles próprios estão protegidos de tais insultos ou sofrimentos.
Se os cidadãos ocidentais aceitarem esse disparate, o status da dhimmi seguirá. Esse conceito islâmico permite ao "povo do livro", monoteístas como cristãos e judeus, a continuarem praticando suas religiões sob a lei muçulmana, sujeitos a muitas restrições. Em sua época, o status dhimmi oferecia certos benefícios (até recentemente, como em 1945, os judeus em geral viviam em melhores condições sob o islamismo do que sob o cristianismo), mas a intenção é de insultar e humilhar os não muçulmanos, mesmo quando exalta a superioridade dos muçulmanos. Dhimmis pagam mais tributos, são impedidos de entrarem para as forças armadas ou para o governo e sofrem proibições legais abrangentes. Em certas épocas e lugares, os dhimmis tinham o direito de montar num burro, mas não num cavalo, de usar vestimentas diferenciadas e um dhimmi idoso era obrigado a sair do caminho na calçada para dar lugar a uma criança muçulmana. Elementos do status dhimmi foram empregados recentemente nos mais variados lugares, tais como Gaza, Cisjordânia, Arábia Saudita, Iraque, Irã, Afeganistão, Paquistão, Malásia e Filipinas. Obviamente, Londonistão e mais além também estão na mira deles.
Por sua vez, restabelecer o status dhimmi está a um passo da terceira e derradeira ambição, a aplicação da lei Sharia na sua totalidade. Parar de discutir o Islã abre o caminho para esse fim. Por outro lado, defender a liberdade de expressão sobre o Islã representa uma defesa crucial contra a imposição da ordem islâmica. Conservar nossa civilização requer a discussão aberta sobre o Islã.
A Sharia controla tanto a vida privada quanto a pública. A dimensão privada inclui questões pessoais tão fortes como limpeza do corpo, sexualidade, procriação, relações familiares, vestimenta e normas alimentares. Na esfera pública, a Sharia controla as relações sociais, transações comerciais, penas criminais, status das mulheres e das minorias, escravidão, a individualidade do soberano, o judiciário, a tributação e a guerra. Em suma, a lei islâmica inclui tudo desde a etiqueta no toalete até a conduta no campo de batalha.
No entanto a Sharia contradiz as premissas mais arraigadas da civilização ocidental. As relações desiguais entre homem e mulher, do muçulmano e do kafir (não muçulmano), do dono de escravos, não podem ser reconciliadas com a igualdade de direitos. Não é possível reconciliar o harém com o preceito monogâmico. Supremacia islâmica contradiz a liberdade religiosa. Um Deus soberano não pode permitir democracia.
Todo e qualquer islamista concorda com o objetivo de aplicar globalmente a lei islâmica. Contudo, divergem se devem alcançar esse objetivo recorrendo à violência (preferência de bin Laden), governo totalitário (Khomeini) ou jogando politicamente com o sistema (intelectual suíço Tariq Ramadan). Qualquer que seja o método, se os islamistas alcançarem a ordem da Sharia, irão efetivamente substituir a civilização ocidental pela civilização islâmica. Em termos americanos, permitir que o Alcorão sobrepuja a Constituição acaba com os Estados Unidos da forma que o conhecemos por mais de dois séculos.
O Conselho Muçulmano da Grã-Bretanha espera transformar as escolas no Reino Unido. |
O MCB se empenha em criar um ambiente nas escolas onde crianças muçulmanas não façam "suposições inadequadas" onde "para se ter sucesso na sociedade terão que ceder ou desistir de aspectos sobre quem elas são, sobre suas crenças religiosas e seus valores". Para tanto, o MCB propõe uma lista de mudanças de fazer cair o queixo, que irá alterar a essência da natureza das escolas britânicas, transformando-as, de fato, em instituições semelhantes às sauditas. A seguir, algumas das sugestões:
- Rezas: Providenciar (1) "canecas ou garrafas de água" adicionais para limpeza antes das rezas e instalações para as rezas (2), o ideal seria separar os utensílios dos meninos dos das meninas. As escolas também devem providenciar "um inspetor externo adequado, um professor ou um aluno mais velho" para conduzir as rezas de sexta-feira e fazer o sermão.
- Toaletes: Água disponível em canecas de água ou garrafas para fins de limpeza.
- Costumes sociais: Que não seja estimulado o aperto de mãos entre membros do sexo oposto, estudantes ou professores.
- Programação: Feriado para todos nas duas datas mais importantes celebradas pelos muçulmanos, o Eid.
- Comemorações de feriados: Incluir estudantes não muçulmanos juntamente com seus pais nos rituais dos feriados islâmicos. Por exemplo, durante o Ramadã, todas as crianças, não apenas as muçulmanas, deverão celebrar "o espírito e os valores do Ramadã através da devoção coletiva ou reuniões temáticas e o Iftar comunal (quebra do jejum)".
- Ramadã: (1) Não deverá haver provas durante esse mês, "uma vez que a combinação do preparo para as provas e o jejum pode tornar-se complicado para alguns alunos" e (2) também não deverá haver educação sexual, com o intuito de respeitar as restrições contra o sexo durante esse mês.
- Alimentação: Fornecer alimentação halal. Permitir aos estudantes se alimentarem com a mão direita.
- Vestimenta: Consentir ao uso de hijabs e até mesmo de jilbabs (uma grande capa única que vai até o tornozelo). Nas piscinas, as crianças muçulmanas deverão usar trajes de banho recatados (e.g., para meninas, traje completo de malha de uma só peça e polainas). Deverão ser permitidos amuletos islâmicos.
- Barbas: Um direito dos estudantes do sexo masculino.
- Esportes: Segregação sexual onde houver contato físico com participantes de outras equipes, como no basquete e no futebol ou quando exposto, como na natação.
- Chuveiros: Obrigatoriedade de cabines separadas, para que os muçulmanos não se sujeitem à "profunda indignidade" de verem ou de serem vistos nus.
- Música: Deverá ser limitada à "voz humana e a instrumentos de percussão que não possam ser afinados, como baterias".
- Dança: Banida, a menos que seja em um ambiente com o mesmo sexo e que não "envolva conotações ou mensagens sexuais".
- Treinamento do professor e do administrador: O staff deverá passar por um "treinamento de conscientização" islâmica para que as escolas estejam "melhor preparadas e que tenham um apreço mais preciso a respeito das necessidades dos alunos muçulmanos".
- Arte: Dispensar os alunos muçulmanos de criarem "imagens figurativas tridimensionais de seres humanos".
- Educação religiosa: Quadros de todos os profetas (inclusive de Jesus) estão proibidos.
- Ensino de idiomas: O idioma árabe deverá ser disponibilizado a todos os estudantes muçulmanos.
- Civilização islâmica: (1) Estudo da contribuição dos muçulmanos à Europa nas aulas de história, arte, matemática e ciência e (2) enfatizar os aspectos comuns entre a herança européia e a islâmica.
Uma resposta ao livreto do Conselho Muçulmano da Grã-Bretanha. |
Reconstruir as escolas é apenas uma das miríades no plano das mudanças. Passo a passo, peça a peça, os islamistas querem sobrepujar as premissas do modo de vida Ocidental por meio da infusão na educação, vida cultural e institucional de um sistema islâmico paralelo, que com o passar do tempo invalidará instituições seculares, até que uma ordem islâmica predomine operacionalmente. Algumas mudanças já estão aí e se estendem a muitos aspectos da vida. Alguns exemplos amargos:
Casamentos poligâmicos são válidos sob certas circunstâncias no Reino Unido, Holanda, Bélgica, Itália, Austrália e na província canadense de Ontário. Sessões de natação só para mulheres muçulmanas já existem em piscinas municipais no Estado de Washington. Aulas só para mulheres estão sendo ofertadas na Virginia Tech, uma universidade apoiada com dinheiro do contribuinte. Mulheres podem tirar fotografias para a carteira de trabalho usando hijabs em três estados dos Estados Unidos. Caso trabalhem na IKEA ou na polícia de Londres, podem usar hijabs com logomarcas fornecidas pelos empregadores.
Cofres em forma de porquinho foram proibidos como símbolo de poupança em dois importantes bancos britânicos. "Todo e qualquer objeto que contenha material religioso contrário a religião islâmica" não deverá ser enviado através do sistema postal dos Estados Unidos a soldados em serviço no Oriente Médio. A equipe médica de um hospital escocês está impedida de comer ou beber na presença de pacientes ou de colegas muçulmanos durante o mês do Ramadã. A Cidade de Boston vendeu terras públicas com desconto para a construção de uma instituição islâmica.
IKEA, a loja de decorações fornece hijabs com logomarca a seus funcionários na Grã-Bretanha. |
Em retrospecto, respostas ao Decreto Rushdie entre intelectuais e políticos em 1989 foram dignas de atenção pelo apoio ao escritor em perigo, especialmente da esquerda. Intelectuais da esquerda estavam mais propensos a lhe dar apoio (Susan Sontag: "nossa integridade como nação está tanto ameaçada por um ataque a um escritor quanto a um petroleiro") em comparação aos da direita (Patrick Buchanan: "nós deveríamos jogar fora esse pequeno romance blasfemo"). Mas os tempos mudaram: Paul Berman publicou recentemente o livro, The Flight of the Intellectuals, no qual critica duramente seus colegas liberais por (conforme consta na sobrecapa) terem "falhado estupidamente em seus esforços em atinar com as idéias e a violência islamista".
Naquela época, François Mitterrand, o presidente socialista da França, classificou a ameaça a Rushdie um "mal absoluto". O Partido Verde na Alemanha, procurou romper todos os acordos econômicos com o Irã. Hans-Dietrich Genscher, ministro das Relações Exteriores da Alemanha, endossou a resolução da União Européia apoiando Rushdie como "um sinal para garantir a preservação da civilização e dos valores humanos". O Senado dos Estados Unidos passou uma resolução por unanimidade que declarava seu compromisso "em proteger o direito de toda e qualquer pessoa de escrever, publicar, vender, comprar e ler livros sem medo de intimidação e violência" e condenava a ameaça de Khomeini como "terrorismo patrocinado pelo estado". Respostas governamentais dessa natureza são inconcebíveis em 2010.
Para cada exercício de livre expressão a partir de 1989, como as charges dinamarquesas de Maomé ou os estudos sem limitações sobre o Islã publicados pela Prometheus Books, incontáveis legiões de escritores, editoras e ilustradores se esquivaram em se expressar. Dois exemplos: A Paramount Pictures substituiu os terroristas do tipo Hamas do romance A Soma de Todos os Medos de Tom Clancy por neonazistas europeus em sua versão para o cinema. E a Yale University Press publicou um livro sobre a crise da charge dinamarquesa não permitindo que as charges fossem reproduzidas no estudo.
O raciocínio daqueles que capitulam é tão banal quanto deplorável: "Essa decisão está baseada exclusivamente na preocupação com a segurança pública"; "a segurança e a proteção de nossos clientes e funcionários é da mais alta prioridade"; "Eu realmente temo que alguém irá cortar a minha garganta"; "Se eu dissesse o que eu realmente penso sobre o Islã, eu não estaria nesse mundo por muito mais tempo "; e "'Se isso pegar muito mal, estarei redigindo a minha própria sentença de morte".
As mudanças a partir de 1989 resultaram principalmente do crescimento de três "ismos": multiculturalismo, fascismo de esquerda e islamismo. O impulso multicultural não considera nem melhor nem pior do que qualquer outro a maneira de viver, sistema religioso ou filosofia política. Assim como as comidas italiana e japonesa são deliciosas e satisfazem, o ambientalismo ou a Wicca (Religião da Bruxaria Pagã ) apresentam igualmente alternativas válidas à civilização judaico-cristã. Por que lutar por um modo de vida se ele não pode asseverar sua superioridade sobre nenhum outro?
Porém, talvez um seja pior: se o imperialismo Ocidental e a raça branca poluem o mundo, quem irá querer a civilização Ocidental? Um movimento de tamanho considerável de fascistas de esquerda, liderados por Hugo Chávez, vê o poder Ocidental, que eles denominam de "Império", como a principal ameaça ao mundo, com os Estados Unidos e Israel considerados os principais criminosos.
A partir de 1989 o islamismo cresceu de maneira espetacular, tornando-se a forma mais poderosa de utopismo radical, formando uma aliança com a esquerda, dominando sociedades civis, desafiando muitos governos, derrubando outros, firmando uma cabeça-de-ponte no Ocidente e, com inteligência, promovendo seu projeto em instituições internacionais.
Em suma, o yin da fraqueza Ocidental, deu de cara com o yang da assertiva islamista. Os defensores da civilização Ocidental devem combater não apenas os islamistas como também os multiculturalistas que apóiam tanto os islamistas quanto os esquerdistas que se aliam a eles.
O Sr. Pipes é o diretor do Middle East Forum, ilustre companheiro visitante do Taube da Instituição Hoover da Universidade de Stanford e colunista para o National Review. Ele apresentou uma versão anterior desse texto ao receber um prêmio da Danish Free Speech Society.
Atualizações de 1 de outubro de 2010: Logo após a ida desse artigo para a impressão, ocorreram dois acontecimentos importantes:
(1) Mollie Norris, a chargista que inventou o "Dia de Todo Mundo Desenhar Maomé" entrou para a clandestinidade. Conforme o editor dela, Mark D. Fefer, do Seattle Weekly colocou,
você deve ter notado que a charge de Molly Norris não apareceu essa semana. É porque Molly não existe mais. A talentosa artista está viva e encontra-se bem, felizmente. Mas, cedendo à insistência dos mais altos especialistas em segurança do FBI, ela virou, segundo eles, "fantasma": transferindo-se para outro local, mudando de nome e, essencialmente eliminando sua identidade. Ela não irá mais publicar charges em nosso periódico ou na revista City Arts, onde colaborava regularmente. Ela está, efetivamente, sendo colocada em um programa de proteção a testemunhas—exceto, como ela observa, que o governo não pagará a conta. Tudo devido a emissão, nesse verão, da apavorante fatwa contra ela, após a infame charge "Dia de Todo Mundo Desenhar Maomé".
Essa "apavorante fatwa" foi postada em julho por Anwar al-Awlaki, cidadão americano que mora no Iêmen. Ele escreveu:
Uma chargista de Seattle, Washington, chamada Molly Norris lançou o "Dia de Todo Mundo Desenhar Maomé". Essa bola de neve se proliferou a partir dos seus dedos perversos. Ela deverá ser o principal alvo de assassinato juntamente com outros que participaram de sua campanha. Essa campanha não é uma prática de liberdade de expressão e sim um movimento de massa pelo país afora, de americanos se unindo aos seus companheiros europeus recorrendo a impropriedades com a intenção de ofender os muçulmanos do mundo inteiro. Eles estão expressando seu ódio para com o Mensageiro do Islã através da ridicularização.
Katherine Kersten examina a resposta americana a essa afronta:
Naturalmente, você diria, jornalistas americanos e magnatas da mídia—sempre leais defensores da Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos da América—estão proclamando afronta e se unindo em torno dessa jovem? Pelo contrário. A mídia em geral tem estado silenciosa a respeito de seu terrível pesadelo. Quando o Washington Examiner, um jornal on-line em Washington, D.C., solicitou a American Society of News Editors que emitisse uma declaração acerca de Norris, ninguém se manifestou. O mesmo ocorreu com a Society of Professional Journalists. Isso apesar do fato da declaração da missão do grupo de editores exaltarem "a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos da América em casa e a liberdade de expressão ao redor do mundo", ao mesmo tempo os jornalistas alegam defender "a preservação da imprensa livre como o pilar da nossa nação e da liberdade".
(2) O Pastor Terry Jones de Gainesville, Flórida não queimou centenas de Alcorões em 11 de setembro conforme planejado. Quando a sua intenção virou notícia internacional, levou, conforme o padrão já consolidado, a tumultos e ameaças no mundo muçulmano e no mínimo a 18 mortes (5 no Afeganistão e 13 na Caxemira). Sob pressão das autoridades do governo dos Estados Unidos, Jones acabou cedendo e não queimou os Alcorões.
No artigo "'O "Decreto Rushdie" Chega a Flórida", eu sustentei que a novidade e significância desse incidente está no peso integral do governo dos Estados Unidos, de cima abaixo, começando com Barack Obama e chegando até Jones. Contrastando de forma marcante com Margaret Thatcher em 1989, quando o episódio Rushdie apareceu, ou com Anders Fogh Rasmussen in 2006, quando da questão das charges dinamarquesas, as autoridades americanas assumiram o papel de protetores do Islã e de implementadores da Sharia. Com isso, estenderam o Decreto Rushdie aos Estados Unidos.